O efeito Doppler é um dos pilares em que se baseia a aceleração e expansão do Universo, tal como descobriu Hubble. O Universo evolui de forma dinâmica, em vez de ser estático. Por isso, a grande descoberta, feita nos anos 90, acerca do aumento da velocidade de recessão das galáxias em tempos cosmológicos relativamente recentes, introduziu a energia escura como o constituinte largamente maioritário da totalidade da massa-energia do Universo.
As medições do desvio Doppler para o vermelho (simbolizado por z) de um objecto devido à expansão do espaço-tempo no Universo não serão constantes se a velocidade de recessão não for constante ao longo do tempo, como sabemos que não é! Medir directamente a evolução do z de um objecto permitiria descartar ou suportar diferentes modelos cosmológicos que sugerem diferentes dinâmicas, com todas as implicações que isso traz para a energia escura. Trata-se pois de cosmologia quase em tempo-real!
Terá sido A. Sandage o primeiro a propor tal ideia, em 1962, sendo hoje a deriva do efeito de Doppler conhecida por vezes como “efeito Sandage-Loeb”. Este último sugeriu, mais recentemente, o uso de linhas espectrais de quasares muito distantes para estudar a deriva do z de cada objecto. Ora, devido à desaceleração da expansão do Universo que se verifica nestes quasares a distâncias cosmológicas, pensa-se que o seu espectro tenha uma deriva, ao fim de uma década, associada a velocidades da ordem de alguns centímetros por segundo. Estes valores são extremamente pequenos e cerca de 10 a 20 vezes menores do que podem hoje medir os maiores telescópios do mundo equipados com os melhores espectrómetros disponíveis. Espera-se, porém, que os futuros telescópios, planeados para entrar em funcionamento em torno de 2020, como o Telescópio Europeu Extremamente Grande (EELT, na sigla inglesa), possam ter a sensibilidade e a capacidade para medir diferenças tão pequenas em espectros ultra-estáveis.
Quem diz desaceleração do Universo mais primitivo, mutatis mutandis, aplica o conceito da deriva do Doppler ao Universo a z<1, onde se observa uma expansão acelerada por maior influência da energia escura, cuja natureza é anti-gravítica.
Os construtores de espectrómetros estão confiantes na possibilidade de medir desvios espectrais associados a velocidades de 1 cm/s durante períodos muito longos. Há, por isso, quem não queira esperar pelo EELT e proponha já medidas feitas ao longo de uma década para medir efeitos tão pequenos. A procura de exoplanetas usando espectrómetros notáveis como o HARPS, instalado no telescópio de 3,6 metros de La Silla (onde se descobriu cerca de um terço dos exoplanetas conhecidos), tem mostrado o caminho a seguir neste domínio instrumental. Pensa-se, porém, que mesmo com o EELT, para conseguir resultados estatisticamente sólidos, será necessário conduzir observações ao longo de cerca de 15 anos. Ainda assim, será notável, no tempo de uma vida humana, conseguir medir a mudança da velocidade de expansão do Universo!
A descoberta de mais quasares brilhantes a z ainda mais elevado (tarefa que me ocupa dias e noites) contribuirá para melhorar os resultados destas futuras medições. O estudo das linhas espectrais destes quasares servirá ainda para testar a variação no tempo de “constantes” fundamentais em física, como a constante de estrutura fina. As técnicas espectroscópicas a empregar são as mesmas, testando-se então também modelos de super-cordas, novos campos escalares e energia escura associados a esta hipotética variação.
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