sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Biografia - Katharine Graham


Na realidade, o seu poder nos media começou lentamente, a partir de 1963, na sequência da morte súbita do marido, ao decidir substituí-lo na direcção do jornal Washington Post. Fotografia de Katharine GrahamCom determinação e bom senso, conseguiu transformar um jornal modesto numa empresa que, em 1991, apresentava um lucro de 1,4 biliões de dólares. 
             Kay não ficou na memória de todos apenas por saber gerir uma empresa, mas por ter tido a coragem de denunciar, em 1969, nas páginas do seu jornal, factos políticos extremamente delicados que colidiam com a segurança do país, em virtude de serem informações muito comprometedoras sobre o envolvimento dos Estados Unidos da América na Guerra do Vietname (os chamados Pentagono Papers) e por, em Junho de 1972, quando, contra tudo e contra todos, incluindo os advogadas da empresa que lhe diziam para esperar mais uns dias, apoiou os jornalistas do seu jornal, Carl Bernstein e Bob Woodward que tinham investigado o envolvimento do presidente Nixon naquele que ficou conhecido como «o caso Watergate». Este foi o período mais penoso da vida de Kay e do seu jornal, porque Nixon, recém-reeleito, desferiu, por interpostas pessoas, toda a sua ira contra os jornalistas e a directora do Washington Post, boicotando as estações de rádio e televisão do Grupo, não lhe concedendo novas licenças e tentando que o jornal ou desaparecesse ou fosse comprado por alguém da sua confiança. 
             Evidentemente que, durante os 26 meses do Caso Watergate, as finanças do Post tiveram uma baixa considerável, mas o dia de glória para Kay chegou a 9 de Agosto de 1974, quando Nixon apresentou a sua demissão e, a partir daí, Katharine Graham passou não só a ser olhada com o maior respeito, como as empresas do grupo ganharam outra dimensão. Foram 26 meses, com muitas noites sem dormir, muitas angústias, mas Kay teve sempre do seu lado os filhos e o editor do Post, Ben Bradlee, que nunca a deixou esmorecer. Nixon foi o primeiro Presidente dos EUA obrigado a demitir-se e este facto alterou completamente o poder dos media não só nos EUA como em todo o mundo. 
             Depois de tudo serenado Katharine, Ben Bradlee e alguns jornalistas do Caso viajaram para um país onde se não ouvisse sequer a palavra Watergate e rumaram ao Brasil, embrenhando-se pelos mais recônditos locais, gozando a paz e as belezas naturais e esquecendo a «civilização». 
             Para lá de uma determinação sem limites, Kay possuía uma refinada educação e um charme que, a ao longo dos anos, lhe granjearam grandes amizades e muito respeito pelos seus colegas de profissão. Kay passou a ser regularmente vista, nas revistas e nas televisões, acompanhada das mais famosas pessoas do planeta. 
             O Newsweek de 20 de Julho de 2001 (que pertence ao grupo do Post), saiu com Kay na capa devido à notícia da sua morte. Podemos vê-la nas páginas centrais, fotografada ao longo da sua carreira, ao lado de sete presidentes dos Estados Unidos, desde Nixon a Clinton, passando por Lindon Johnson, Gerard Ford, James Carter, Ronald Reagan e Georges Bush. O actual presidente Georges W. Bush não descansou enquanto não foi convidado pela Sr. Graham para um dos seus célebres jantares na mansão em Georgetown, do outro lado do Potomac, rio que banha a capital dos EUA. 
             Ela foi, sem dúvida, durante décadas, a mais conhecida anfitriã dos media nos EUA, tendo recebido os mais famosos deste mundo, que se sentiam orgulhosos por conviver com ela. Era amiga pessoal de Diana de Gales, de Henry Kissinger, do historiador Artur Schlesinger Jr., de Júlio Eglesias, de Giscard D’Estaing, dos arquimilionários Bill Gates e Mike Nichols da Microsoft, de Waren Buffet, de Nelson Rockefeller, de Nancy Regan e de tantos outros e outras menos conhecidos na Europa, mas poderosíssimos nos EUA.

NA HORA DA DESPEDIDA
             Não foram exagerados todos os elogios feitos a Katharine Graham, directora do jornal Washington Post, quando esta morreu, a 17 de Julho de 2001, com 84 anos.

«Katharine Graham é o símbolo da Washington de sempre.» 
(Henry Kissinger)
«Kay foi alguém que transformou o mundo num lugar mais aprazível.» 
(Bill Gattes)
«Kay Graham era uma galante senhora, uma serena revolucionária. Ela deixou uma marca indelével na capital do país e na imprensa americana.» 
(Arthur Schlesinger)
«A sua aparente vulnerabilidade era a sua força.» 
(Richard M. Smith, editor chefe da Newsweek)

             Katharine foi chamada «dama de ferro da imprensa», «a aristocrata dos media», «a mulher mais poderosa dos EUA» e o Sunday Times afirmou que Katharine era insubstituível. Enfim, todos os seus colegas da comunicação social lhe quiseram manifestar o apreço autêntico e verdadeiro pelo seu valor, numa carreira feita com muita sabedoria, alguma humildade, charme e determinação. Para lá de todo o seu sucesso no mundo do jornalismo, Kay fez também um percurso importante como mulher. Ela poderia ter-se mantido como dona-de-casa e teria muito que fazer com quatro filhos; mas, desde nova, criticou o hábito de em Washington, em plenos anos 50, depois do jantar os homens reunirem-se numa sala para fumar, beber brandy e falarem de política e as senhoras serem remetidas para outra sala, para as suas conversas «triviais». Kay nunca alinhou nesta atitude, até porque sempre soube que os assuntos não são específicos de um género. Kay sempre se assumiu como feminista, e era de opinião que deviam ser dadas iguais oportunidades às mulheres para poderem ascender ao topo das carreiras. 

             Kay pode mesmo ser considerada como o protótipo da mulher americana emancipada do séc. XX. Passou dos afazeres do lar, para o mundo da comunicação social - o 5º poder - com enorme sucesso. Como Katharine, embora tendo nascido ainda no século XIX, a única norte-americana com um carisma semelhante ao de Kay, foi, sem dúvida, Eleonora Roosevelt (1884-1962) Quando a responsável do Post era já uma figura pública e a entrevistavam sobre o seu poder nos media, onde imperavam os homens, afirmava que as mulheres devem redefinir a sua feminilidade. «O poder não pode ser considerado um atributo masculino, porque o poder não tem sexo.» E acrescentava: «Eu não me transformei [de dona-de-casa em editora de jornal] foi o trabalho que me transformou.» 

A HISTÓRIA DE UMA VIDA
Para uma mulher de sucesso como Katharine Graham, a missão de escrever a sua biografia surgiu-lhe como uma necessidade de fazer o balanço da sua vida, onde as etapas se foram sucedendo num ritmo que nunca previra. E, como ela sempre dizia, teve duas carreiras: esposa e mãe durante 23 anos e mulher trabalhadora durante mais de 30. Na realidade, Kay teve tudo menos uma vida monótona e não é vulgar uma mulher, nos Estados Unidos da América, com o poder colossal dos media, que fazem e desfazem reputações, conseguir ser respeitada e admirada por poderosos e pelos cidadãos comuns até ao dia em que o seu coração parou. São precisas grandes qualidades de trabalho e um sentido das oportunidades assinalável. A somar a uma carreira brilhante, a senhora Graham recebeu o Prémio Pulitzer para biografia, no ano de 1998. O livro foi um enorme sucesso e, no dia da sua morte, a 17 de julho de 2001, foi o mais solicitado à conhecida livraria online Amazon.


INFÂNCIA E JUVENTUDE
             Katherine nasceu a 16 de Junho de 1917, em Nova Iorque, numa família rica, tendo sido a quarta de cinco irmãos. O pai, Eugene Isac Meyer (1874-1959) era um judeu abastado, que fez fortuna em Wall Street, viajou pela Europa e viria a ocupar o cargo de governador do Federal Reserve Bank. Teve diversos cargos de grande responsabilidade na administração pública, mas virou-se para os assuntos privados, quando, em 1933, comprou o Washington Post, nessa altura um jornal de pouca circulação e com um défice considerável. Em 1946, foi o primeiro presidente do Banco Mundial, durante a presidência de Harry Truman, mas não gostou do cargo e pediu a demissão. A mãe de Kay, Inês Elizabeth Ernst, era filha de luteranos e teve uma educação cuidada mas muito espartana e Inês assim fez com os filhos, tendo grande parte da educação das crianças ficado a cargo de amas, governantas e professores particulares, enquanto ela se ocupava afanosamente das suas actividades sociais e culturais. Publicou livros sobre escritores russos e fazia regularmente discursos para mulheres sobre os seus direitos.

             Os Meyer casaram em Nova Iorque, em 1910, e, em 1917, ano do nascimento de Kay, mudaram-se temporariamente para Washington, por questões profissionais do pai. A desembaraçada Sr.ª Meyer partiu com o marido e deixou, durante quatro anos, os filhos de seis, quatro, dois anos e Kay com alguns meses, entregues a dedicadas nanies, facto que demonstra bem a visão desprendida da mãe, quanto ao lugar dos filhos na sua vida. Para compensar este distanciamento da mãe Kay, foi sempre a filha preferida do pai. 

DE DONA-DE-CASA A JORNALISTA E EMPRESÁRIA, KATHARINE GRAHAM MUDOU A FACE DA IMPRENSA MUNDIAL COM O CASO WATERGATE
             Em 1933, a família passou a residir em Washington, devido à compra do Post. Entretanto, Katharine estudou Direito na Universidade de Chicago e decidiu seguir jornalismo. Fez um trabalho para o The San Francisco News, antes de ir trabalhar com o pai no Washington Post, mas por pouco tempo. Só muitos anos mais tarde, como veremos, voltaria ao jornalismo. 

UMA MULHER, DUAS ACTIVIDADES: CASA E JORNAL
             Kay chegava a estar oito horas consecutivas a conversar com Phil, quando já sabia que o marido estava gravemente doente. Era a sua maneira de tentar ajudá-lo. O marido, a partir de certa altura, passou a sofrer de uma doença psíquica. Era maníaco-depressivo. Durante seis anos, ela e os médicos tentaram minimizar esta terrível obsessão, que se manifestava com períodos absolutamente depressivos e outros de enorme excitação. Em 1962, Phil conheceu uma jovem e no seu estado de irresponsabilidade quis o divórcio. Kay estava pronta a fazer-lhe a vontade, embora sabendo que no estado em que ele se encontrava as perspectivas não eram as melhores, mas o divórcio nunca se concretizou, porque, num quente dia de Agosto de 1963, Phil deu um tiro na cabeça e Katharine Graham sofreu como se calcula. Tinham sido mais de 20 anos de um casamento que, excepto os anos da doença, ela recordava com ternura. O desaparecimento do marido veio transformar esta dona-de-casa numa outra mulher, até aí desconhecida dos outros e dela própria. Aos 46 anos, Katharine Graham teve de decidir entre três hipóteses: vender o Washington Post, convidar alguém para o dirigir ou tomar as rédeas do jornal que ela vira entrar na família, enquanto o filho Donald terminava os estudos na Universidade de Harvard. Optou pela terceira hipótese, embora reconhecesse que era «abissalmente ignorante» sobre assuntos de publicações. Com uma grande tenacidade, bom senso e elevadas qualidades de trabalho, foi aprendendo tudo, sabendo rodear-se de jornalistas como Ben Bradlee (o seu braço direito) e não hesitou em dar a conhecer aos seus leitores os meandros da política norteamericana, mesmo quando isso implicava a possível destituição de um presidente. Kay, por esse facto, ficou para sempre na história do jornalismo e da política norte-americanos. O «Caso Watergate» foi paradigmático e o mais mediático do séc. XX e veio provar o que Kay sempre disse: que «a democracia americana é forte.» 

CASAMENTO E FAMÍLIA
             Na sua autobiografia escrita em 1997 (ver destaque), Kay conta como, na adolescência, se considerava uma mulher pouco atractiva. Crescera depressa demais, era alta e deselegante. Mas isso foi passageiro. Pouco segura de si, não acreditava muito que um dia algum rapaz se interessasse por ela. Porém, essa ideia contrasta com a sua participação nas actividades escolares. Em 1939, conheceu Philip Graham e casaram no ano seguinte. O casal Graham tornou-se rapidamente muito popular na vida social de Washington e Phil vai trabalhar, em 1945, para o Washington Post, a convite do sogro, que acreditou no seu grande poder criativo e empreendedor. Phil fez um bom trabalho tendo, entre outras iniciativas, criado diversos canais de televisão e diversas rádios. 
             Kay foi uma mãe de família atenta. Teve quatro filhos: Donald que é hoje o director do Washington Post, tendo colaborado durante anos com a mãe a quem estava ligado por uma enorme cumplicidade e ternura fora do vulgar; Lally Graham Weymouthor, editora da Newsweek e colunista do Post, William e o mais novo, Stephen, produtor teatral. Phil e Kay foram um casal feliz e Katy dizia que ele lhe dera confiança em si própria. Depois da morte do marido, Kay assegurou a continuidade do washington Post. De 1969 a 1979, foi publisher do jornal, passou a chefe executiva e depois a presidente do Grupo Washington Post Company que detinha, além da revista Newsweek, canais de televisão e rádios.

AS VIAGENS
             Em 1965, Kay e Elliot (editor da Newseek, de 1961 a 1976) empreenderam uma viagem pelo mundo, tendo começado pelo Japão, onde foram recebidos pelo então imperador Hirohito, avô do actual imperador. Passaram em Hong Kong, onde assistiram ao Novo Ano Chinês com as suas festas cheias de luz e cor; visitaram o Vietname, o Camboja e, na Tailândia, estiveram com a família real. Na Índia, Kay conversou com a ministra dos assuntos da população e falaram de métodos anticoncepcionais num país de elevada explosão demográfica. Na Europa, foi recebida pelo Papa. 

             Kay tirava muitas notas de todos os sítios por onde passava. 
             Em 1968, rumou à Filipinas para assistir às eleições presidenciais que colocaram Corazon Aquino na presidência e, nesse mesmo ano, Kay convidou Aquino para a sua casa em Washington. 
             Katharine Graham viajou bastante por todo o mundo e entrevistou os políticos mais importantes. Numa viagem maratona de 15 dias aos países de Leste europeu, em 1990, ela e a sua equipa, onde estava a sua amiga Meg Greenfield, mais tarde colunista da Newsweek, entrevistaram, de manhã à noite, deputados e presidentes. Foi nessa ocasião que entrevistou e ficou amiga de Mikail Gorbachev.

VESTIR BEM
             Kay não descurava a sua aparência e vestia-se com muita elegância. Escolhia o guarda-roupa em costureiros de renome. O costureiro Oscar de La Renta recordou como, em 1966 a conheceu no baile organizado pelo escritor Truman Capote em homenagem a Kay, então uma senhora da sociedade.  Nessa altura, o costureiro estava longe de supor quão importante essa mulher discreta e com tanto charme viria a ser marcante na sociedade da capital, mas desde logo percebeu que ela tinha um gosto requintado. 
             Durante anos, o costureiro de Kay foi Halston, mas depois da morte deste, em 1990, foi na casa Oscar de La Renta que passou a escolher as toilettes, sempre elegantes e discretas. Oscar de La Renta recordou que Kay, com o seu feitio discreto, ia ao seu atelier escolher peças de roupa mas que nunca o incomodava, nunca mandava chamá-lo como faziam outras clientes, provavelmente menos importantes que a senhora Graham. Quando ele aparecia para receber esta cliente tão especial, ela insistia que podia escolher sozinha, que não o queria incomodar. Kay não faltava aos desfiles de moda de La Renta, como não faltava também às festas do criador de moda quando se tratava de angariação de fundos para uma associação de solidariedade social da República Dominicana. Sempre discreta e generosa.

18 DE JULHO DE 2001
             No seu funeral, compareceram 3000 pessoas e foi um verdadeiro desfile de celebridades onde estiveram o casal Clinton, Bill Gates, o então vice-presidente Dick Cheney, o então Mayor de Nova Iorque Rudolf W. Giuliani, inúmeros senadores, o dono da Coca-Cola, o presidente da USA Networks e os chefes executivos das mais poderosas empresas de comunicações do EUA, nomeadamente do New York Times, da Associated Press e da Advance Publications. Três dos seus quatro filhos falaram sobre a sua progenitora, com destaque para Donald, que, desde há catorze anos, substituíra a mãe. Foi no dia dos seus 70 anos que Kay decidiu passar o testemunho, mas manteve-se sempre por perto, porque o Washington Post era também a sua casa. 
             A sua morte não teve, na imprensa europeia, o destaque que merecia, mas o país que a viu nascer honrou-a como tão bem o sabem fazer. 
             Agora, e porque os norte-americanos nestas coisas de sucesso «não dormem em serviço» já se fala em passar ao cinema a vida de Katharine Graham. 


Biografia retirada daqui

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