Na solidão dos mosteiros procuravam os monges ficar mais perto de Deus. Mas estas casas religiosas acabaram por ter uma ação civilizadora no ocidente. Entre o trabalho espiritual e manual, as comunidades monacais tiveram um papel valioso no repovoamento, na transmissão da fé e de um legado cultural e artístico, como a produção de manuscritos. Vejamos o que se passava no Mosteiro do Lorvão.
Desde o nascer ao pôr do sol, a vida interna dos mosteiros era ritmada pelo relógio das horas canónicas. Depois de louvar a Deus com cânticos e orações, os monges dedicavam-se a tarefas mais terrenas. O trabalho no campo e nas variadas oficinas era igualmente rigoroso, com regras e cargos definidos e distribuídos por todos.
Na comunidade do Lorvão, anterior à fundação do reino de Portugal, um grupo especializado na arte da iluminura produziu manuscritos de rara beleza que ao mosteiro trouxeram enorme prestígio cultural, como é exemplar o texto bíblico do Apocalipse, cujas ilustrações são consideradas os primeiros vestígios da pintura românica em Portugal.
Estas pinturas, que podiam ocupar uma página inteira ou cingir-se às letras iniciais de capítulos ou parágrafos, revelavam não só perícia técnica como uma extraordinária criatividade traduzida nas figuras e temas representados. Os textos eram copiados em tinta preta, para as ilustrações e outros ornamentos usava-se uma mistura de pigmentos, feita também no escritório.
No entanto a produção dos manuscritos necessitava de todo um trabalho prévio que acabava por envolver os poucos religiosos que residiam neste mosteiro fundado no século IX: era preciso cuidar dos rebanhos, tratar a pele dos animais, cortar o pergaminho, ajustá-lo ao tamanho do livro, coser e pautar as páginas. E, por fim, viria a encadernação do valioso objeto.
Não tivesse sido o labor intenso destes e de outros monges escribas e copistas, muitas obras antigas teriam ficado para sempre perdidas no tempo. Livros religiosos e profanos eram copiados, comentados e iluminados cuidadosamente nos “scriptorium” medievais, muitos deles encomendados e destinados a uma elite erudita, outros guardados na biblioteca do mosteiro.
Porque todo este trabalho era encarado como um serviço a Deus, vital para “reproduzir a palavra divina” e perpetuar os valores da Igreja, estes monges mantinham-se discretamente sob anonimato. São estas histórias que nos conta aqui Maria Adelaide Miranda, especialista portuguesa em iluminura.
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