domingo, 15 de maio de 2011

Conteúdo - O Sistema Digestivo


O sistema digestivo ou gastrointestinal inclui o tubo digestivo (que é constituído por: boca, faringe, esófago, estômago, intestino delgado, intestino grosso e recto), e órgãos glandulares (glândulas salivares, glândulas estomacais, fígado e pâncreas) que segregam substâncias que lançam no interior desse tubo.

A função deste aparelho é transferir as moléculas orgânicas, água e sais minerais que constituem a alimentação para o meio interno do organismo, de modo a que os átomos e moléculas que os constituem possam ser distribuídos pelas células através do sistema circulatório.
O tubo digestivo de um adulto mede aproximadamente 8/9 metros de comprimentos desde a boca até ao ânus, e o seu interior está em contacto com o exterior através desses dois orifícios, o que quer dizer que, em sentido estrito, o conteúdo do tubo digestivo é exterior ao corpo humano. Ao contrário do que geralmente se imagina, a eliminação de produtos desnecessários (excreção) não é uma função principal do aparelho digestivo. O maior responsável pela eliminação dos resíduos é, no corpo humano, o aparelho renal, enquanto que as fezes são, maioritariamente, constituídas por materiais não digeridos e por bactérias que residem no tubo digestivo, isto é, por materiais que nunca penetram, de facto, no corpo humano.

A digestão

As substâncias simples da nossa dieta, como a água, os sais minerais e as vitaminas (excepto a vitamina B12), podem ser absorvidas ao longo do tubo digestivo sem sofrerem transformações. Contudo, as macromoléculas, como proteínas, gorduras e hidratos de carbono, têm de ser transformadas em moléculas pequenas e menos complexas para serem absorvidas. As proteínas são desdobradas em polipéptidos, péptidos e aminoácidos. Os hidratos de carbono são transformados em açúcares simples (monossacarídeos) como a glicose, a frutose e a galactose, entre outros. As gorduras são parcialmente separadas em ácidos gordos e glicerinas. A transformação dos alimentos ocorre ao longo do tubo digestivo por acção de fenómenos mecânicos e químicos que, no seu conjunto, constituem a digestão.
Para executar estas transformações, o aparelho digestivo realiza três tipos distintos de actividades, que tornam máximo o aproveitamento dos nutrientes: secreção, movimento e absorção. A digestão é uma função que se desenrola de forma sequencial, isto é, trata-se de um conjunto de fenómenos que acontecem sucessivamente, de acordo com uma determinada ordem.
Esta função recebe o contributo de agentes que são produzidos por alguns desses órgãos, ou então segregados por glândulas secretoras que lhes estão associadas e que, pela sua natureza, auxiliam a transformação dos alimentos em entidades químicas mais simples (secreção).
A esta acção de ataque químicos também se associam, ao longo do trajecto do tubo digestivo, vários outros efeitos mecânicos que resultam da contracção das paredes de alguns órgãos que o constituem. Por exemplo, o estômago, ao contrair-se de forma própria, mistura o seu conteúdo com grande eficiência, e o esófago e o intestino delgado contribuem, com as suas contracções, para o avanço dos materiais ao longo do percurso (movimento).
As moléculas resultantes do processo digestivos são capazes de atravessar as paredes do intestino delgado, através de uma camada de células epiteliais, para se integrarem no sangue ou na linfa (absorção).
Residualmente, ficam no intestino materiais que o aparelho digestivo não transformou em substâncias assimiláveis e que elimina sob a forma de fezes.

Curiosidades:

Qual é o comprimento dos intestinos? Pelo menos 7,5 metros nos adultos. Se acham que é muito, dêem graças a Deus por não serem um cavalo adulto que tem nada mais nada menos do que 27 metros de intestino!

Mastigar comida demora entre 5 e 30 segundos.

Engolir demora cerca de 10 segundos

A comida pode andar às voltas no estômago durante 3 a 4 horas.

A comida demora 3 horas a atravessar o intestino.

A secagem e 'passeio' da comida pelo intestino grosso pode demorar entre 18 horas e 2 dias.

Durante uma vida, o sistema digestivo aguenta com 50 toneladas de comida.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Conteúdo - Sistema Circulatório

Do sistema circulatório fazem parte o coração, que é o órgão central, as artérias, arteríolas e capilares que levam o sangue enriquecido em O2 aos tecidos e as veias que transportam o sangue com CO2, produto das trocas gasosas nos tecidos, até ao coração, que por sua vez o remete para os pulmões. O coração é constituído pelo miocárdio, que tem a particularidade de autogerar impulsos nervosos de uma maneira rítmica, conferindo-lhe a capacidade de se contrair e relaxar de acordo com a frequência determinada por esses impulsos. É este ritmo que captamos através da frequência cardíaca que, usualmente, se situa em repouso entre as 60 e 80 pulsações por minuto.

O sangue desempenha três funções essenciais: transportar oxigénio, distribuir os alimentos e remover o dióxido de carbono e outros detritos eliminados pelas células.

Em 1900, um biologista alemão, Karl Landsteiner, anunciou a descoberta dos chamados grupos sanguíneos - A, B, AB ou O. Além disso, descobriu também a existência de uma substância nos glóbulos vermelhos, factor Rh (as pessoas que possuem essa substância são Rh positivas e as que não possuem são Rh negativas). Isto faz com que o conjunto dos diversos grupos sanguíneos que hoje se podem identificar à superfície dos glóbulos vermelhos de uma pessoa a tornem perfeitamente individualizável e distinta de qualquer outra.

Vasos sanguíneos : existem três tipos de vasos sanguíneos: artérias, veias e capilares.
Artérias: a sua função é levar o sangue desde o coração até os tecidos. Três capas formam as suas paredes, a externa ou adventícia de tecido conjuntivo; a capa media de fibras musculares lisas, e a interna ou íntima formada por tecidos conectivos, e por dentro dela se encontra uma capa muito delgada de células que constituem o endotélio.
Veias: devolvem o sangue dos tecidos ao coração. À semelhança das artérias, as suas paredes são formadas por três capas, diferenciando-se das anteriores somente por sua menor espessura, sobretudo ao diminuir a capa media. As veias têm válvulas que fazem com que o sangue circule desde a periferia rumo ao coração ou seja, que levam a circulação centrípeta.
Capilares: são vasos microscópicos situados nos tecidos, que servem de conexão entre as veias e as artérias; sua função mais importante é o intercâmbio de materiais nutritivos, gases e desperdícios entre o sangue e os tecidos. As suas paredes compõem-se de uma só capa celular, o endotélio, que se prolonga com o mesmo tecido das veias e artérias em seus extremos.
O sangue não se põe em contacto directo com as células do organismo, se bem que estas são rodeadas por um líquido intersticial que as recobre; as substâncias se difundem, desde o sangue pela parede de um capilar, por meio de poros que contém os mesmos e atravessa o espaço ocupado por líquido intersticial para chegar às células.
As artérias antes de se transformarem em capilares são um pouco menores e chamam-se arteríolas, e o capilar quando passa a ser veia novamente tem uma passagem intermediária nas que são veias menores chamadas vénulas; os esfíncteres pré-capilares ramificam os canais principais, abrem ou fecham outras partes do leito capital para satisfazer as variadas necessidades do tecido. Dessa maneira, os esfíncteres e o músculo liso de veias e artérias regulam o fornecimento do sangue aos órgãos.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Conteúdo - O Sistema Respiratório

O sistema respiratório é constituído pelas fossas nasais, pela boca, laringe, traqueia, brônquios e pulmões. O tecido pulmonar é constituído por uma grande quantidade de alvéolos. Por sua vez, a parede dos alvéolos é atapetada por uma membrana respiratória ao nível da qual se processam as trocas gasosas. Assim, os pulmões funcionam como o interface entre o meio gasoso e o meio líquido que é o sangue, pois é neles que este se enriquece de oxigénio e elimina o dióxido de carbono.

A respiração compõe-se de três partes: a entrada de ar ou inspiração, a apneia que é uma pequena paragem e a expiração, ou seja, a saída do ar. Para respirar é indispensável efectuar movimentos ao nível da caixa torácica que possibilitem a inspiração e expiração. Os músculos intercostais, escalenos, abdominais e o diafragma entre outros, asseguram os movimentos necessários.


As vias respiratórias são constituídas por uma série de dutos que permitem ao ar passar do ambiente externo aos pulmões e vice-versa. O ar entra pelo nariz percorre as fossas nasais e passa para a faringe; daí desce pela laringe que é continuada pela traqueia. Esta, chegando no tórax, se bifurca em dois ramos, o brônquio direito e o brônquio esquerdo que chegam aos respectivos pulmões. Para a respiração contribui também a caixa torácica, da qual os movimentos de expansão e de redução são essenciais para que o ar possa entrar e sair das vias respiratórias.
Fossas nasais e faringe, mesmo fazendo parte das vias respiratórias, desempenham ainda outras funções: as fossas nasais são a sede do sentido do olfacto, enquanto a faringe pode ser considerada também um órgão do aparelho digestivo desde que por ela (ou melhor, pela porção faringe que está atrás da boca) passa o bolo alimentar, além do ar.
A laringe, a traqueia, os brônquios e os pulmões são, ao contrário, órgãos unicamente respiratórios e não tem outras funções.





A DINÂMICA DA RESPIRAÇÃO


Pode dividir-se em distintos processos:
1. Inspiração: Consiste na entrada de ar até os alvéolos pulmonares. Ingressa oxigénio.
2. Processo de intercâmbio de oxigénio e bióxido de carbono entre os alvéolos pulmonares e o sangue; e transporte do sangue aos tecidos. Expiração Inspiração


3. Expiração: consiste na saída do ar dos alvéolos pulmonares para o exterior. Elimina-se bióxido de carbono.
O oxigénio ingressa pela narina, atravessa a faringe, a laringe e traqueia. A traqueia se ramifica em dois brônquios, que se dirigem cada um a um pulmão.
No pulmão os brônquios vão se dividindo e, ao mesmo tempo, diminuem seu calibre até formar os bronquíolos.
Esses continuam se dividindo em condutos ainda menores até o bronquíolo terminal ou respiratório, que formam finalmente os sacos aéreos ou alvéolos. Em volta de cada alvéolo há uma rede de capilares sanguíneos. Nos pulmões o oxigénio passa por difusão dos alvéolos aos capilares sanguíneos e o bióxido de carbono dos capilares para os alvéolos.
Nos tecidos corporais o oxigénio passa do sangue e líquidos corporais às células, e o bióxido de carbono no sentido oposto, também pelo processo de difusão. As funções metabólicas normais das células requerem um fornecimento constante de oxigénio e, por sua vez, produzem bióxido de carbono como resíduo, portanto a carga de bióxido de carbono nas células é maior e a de oxigénio é menor em relação à dos capilares, o que produz a difusão de uma zona de maior concentração a outra de menor.





Hematose Pulmonar





Curiosidades:

Os pulmões contêm quase 2400 quilómetros de vias aéreas e mais de 300 milhões de alvéolos.

As plantas são nossas parceiras na respiração. Nós inspiramos oxigénio e expiramos dióxido de carbono. As plantas absorvem o dióxido de carbono e largam oxigénio.

As pessoas têm tendência para apanhar mais constipações no Inverno porque passam mais tempo dentro de casa e mais tempo perto de outras pessoas. Quando uma pessoas espirra, tosse ou até mesmo respira, os germes passam para o ar.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Conteúdo - O Sistema Nervoso

A nossa sobrevivência depende, em primeira instância, de uma infinidade de reflexos, esses gestos automáticos que podemos treinar para torná-los mais eficazes e evitar que se deteriorem à medida que a idade avança.

Final de uma importante competição futebolística. O desafio saldou-se por um empate. As equipas disputam a vitória num tenso duelo de grandes penalidades. Um dos guarda-redes resiste melhor à pressão, adivinha a trajectória de quatro remates e consegue evitar dois golos, averbando o título para a sua equipa. Intuição, sorte? Na opinião dos neurologistas, é tudo uma questão de reflexos, um fenómeno abrangido pela capacidade motora de reacção do indivíduo.

Embora com origem no córtex cerebral, pois requer uma percepção a esse nível e um processamento relativamente complexo, este tipo de reacção é quase inconsciente quando a actividade é repetida, estereotipada e treinada. É por isso que podemos conduzir de forma automática, ou que o guarda-redes consegue chegar à bola e defender o penalty quase sem ter consciência do que está a fazer.

Por outro lado, é habitual associar-se o reflexo ao tempo de reacção perante um estímulo. É claro que tem de haver uma percepção, visual ou auditiva, uma decisão e uma resposta, mas, de acordo com os especialistas em medicina do desporto, embora a antecipação seja importante, é possível melhorar essa capacidade ao trabalhar a força explosiva do atleta e através de treinos específicos, destinados a avaliar as suas reacções aos estímulos. No caso de estar relacionado com a visão, treina-se o sentido da vista para o atleta se concentrar nos objectivos importantes.

Recentemente, comprovou-se, por exemplo, que a capacidade visual dos jogadores de ténis está muito desenvolvida. Roger Federer ou Rafael Nadal são extremamente rápidos e certeiros a processar imagens, o que lhes permite maior precisão quando necessitam de reconhecer objectos em movimento e tomar decisões sob pressão. "São muito mais rápidos a detectar a velocidade de um objecto móvel e, também, a decidir quando o tempo urge", explica Leila Overney, do Laboratório de Neurociência Cognitiva da Escola Politécnica Federal de Lausana (Suiça).

O melhor será, sem dúvida, que se possa exercitá-los. Um guarda-redes terá tanto mais reflexos, no sentido da rapidez de reacção motriz, quanto mais treinar. De igual modo, não conseguimos pontuar tanto num jogo de vídeo da primeira vez do que acontece quando já o conhecemos de cor e salteado.

Todavia, a prática não só permite melhorar os reflexos em geral como, sobretudo, aquele que foi treinado específica e sucessivamente. Por outras palavras, um guarda-redes de um clube de futebol não tem de possuir os reflexos indispensáveis para brilhar no ténis, nem um tenista saber defender grandes penalidades: como é evidente, cada pessoa possui determinada capacidade para um desporto, e não para outro.

Por serem decisões conscientes que requerem uma percepção cortical (do nosso córtex cerebral) e posterior processamento, considera-se que a actividade motora complexa se torna semi-automática ou inconsciente quando os gânglios basais (massa cerebral situada na zona profunda dos hemisférios) assumem o respectivo comando.

No entanto, a capacidade de reacção não é apenas importante no desporto. Os neurologistas recordam que os reflexos são fundamentais para a nossa sobrevivência no quotidiano, podendo ser definidos como "movimentos involuntários, rápidos e estereotipados, provocados por um estímulo"; consoante a natureza deste último, podem ser visuais, vestibulares, auditivos, posturais... Por outro lado, as vias reflexas possuem uma componente sensorial que se encarrega de receber a informação e transportá-la até à medula espinal, e um componente efector, que a transmite da medula ao músculo adequado.

Os reflexos são padrões hereditários de comportamentos comuns a toda uma espécie. Através deles, obtemos respostas simples, rápidas e automáticas para a defesa de uma parte ou de todo o corpo diante de um estímulo potencialmente lesivo", explica a dra. Victoria González, uma neurofisióloga espanhola cujos estudos sobre o chamado "reflexo auditivo de sobressalto" (que consiste na contracção generalizada de amplos grupos musculares perante um estímulo sonoro intenso e inesperado) confirmam como são indispensáveis. "Esse abalo brusco, ou susto, é rapidíssimo (ocorre em milésimos de segundo) e é acompanhado de uma reacção do sistema nervoso autónomo: uma descarga de adrenalina e um começo de hiperventilação. Depois, pode produzir-se uma reacção defensiva ou orientativa", explica a especialista.

O reflexo localiza a fonte acústica; se for intensa, os pequenos ossos do aparelho auditivo retesam-se automaticamente para que entre menos som no ouvido interno. Deste modo, protegem-se as células ciliadas, que transformam as vibrações em impulsos eléctricos; distingue-se melhor a acústica de intensidade elevada e ficamos em alerta.

O reflexo auditivo de sobressalto já se pode observar no início da vida. Por exemplo, os bebés com dois meses, que se assustam com o próprio choro, reagem aos ruídos estendendo os braços para a frente, com as palmas das mãos voltadas para cima e os polegares flectidos. Aliás, quando se bate com a mão suavemente junto da cabeça, o bebé abre e fecha os braços. A verdade é que os actos reflexos são considerados um sinal de evolução do próprio feto, nomeadamente no último trimestre de gestação, altura em que o sistema nervoso se torna maduro. São designados por "reflexos arcaicos" e desaparecem dois ou três meses depois do parto. Esses reflexos primitivos que podemos observar no recém-nascido (como o de sucção, da marcha automática, da preensão palmar e plantar, do abraço, etc.) são de origem cerebral e inatos.

As reacções do neonato traduzem-se em movimentos automáticos, que partem do tronco encefálico (a parte mais primitiva do cérebro) e não envolvem qualquer participação cortical, ou seja, não são controlados voluntariamente. Alguns gestos, como chupar o dedo ou dar pequenos pontapés, surgem ainda no ventre materno; quando decidem abandoná-lo, os reflexos ajudam o feto a colocar-se na posição adequada, dar a volta e descer pelo canal do parto.

Todavia, isto é só o começo. Pouco depois de nascer, o bebé já consegue mamar, graças ao reflexos de sucção e deglutição. Em seguida, os gestos primitivos são gradualmente substituídos por outros posturais, como o reflexo tónico assimétrico do pescoço, que relaciona o movimento da cabeça para um lado com o do braço equivalente, o qual se estica, o que se revela muito útil quando se está voltado de barriga para baixo.

A ausência de reflexos primitivos no recém-nascido pode ser indício de alterações neurológicas ou do sistema nervoso. A fim de comprovar o seu correcto funcionamento, o pediatra recorre a uma série de testes, como pô-lo de pé sobre uma superfície dura: o reflexo será inclinar-se e dar alguns passos. Outro teste será meter-lhe o dedo na boca para comprovar se tem o reflexo de sucção, se engole saliva e se volta a cabeça na sua direcção.

Embora estas reacções desapareçam passado algumas semanas, podem voltar a surgir na idade adulta, devido a doenças ou acidentes. Existe um teste (conhecido por "sinal de Babinski") para detectar uma eventual lesão mental ou uma paralisia cerebral: se se estimular a planta do pé e o dedo grande se separar dos outros e flectir para cima (o que é normal em crianças até aos dois anos), constitui um indício de lesão nas vias nervosas que ligam a medula espinal ao cérebro.

Por outro lado, alguns distúrbios neurológicos que produzem lesões no lóbulo frontal, como os acidentes vasculares cerebrais ou a demência frontotemporal, têm como consequência o aparecimento dos referidos reflexos primitivos, indício de que se está a gerar uma doença neurodegenerativa.

Seja como for, os reflexos mais estudados são os osteotendinosos, detectados através da percussão, com um pequeno martelo, de um tendão como o patelar ou rotuliano (no joelho), ou o bicipital (na prega do cotovelo). Com a extensão brusca do músculo, os receptores sensitivos activam-se e enviam um sinal à medula espinal, onde o neurónio-receptor entra em contacto com o neurónio-motor. É desta forma que evitamos esticar bruscamente os músculos para manter o equilíbrio; ou seja, quando estamos de pé, os nossos músculos impedem automaticamente a perda de postura, contraindo-se para evitar a descompensação.

Assim, o teste aos reflexos osteotendinosos destina-se a fornecer-nos informação sobre o funcionamento dos nervos periféricos sensitivos, a medula espinal e o controlo desses reflexos pelo córtex. Através do teste, fica-se a saber, entre outras coisas, que o nível quatro lombar está bem, isto é, que nem os neurónios sensitivos nem os motores desta região da medula sofreram qualquer alteração.

Do mesmo modo que os reflexos arcaicos podem ressurgir por causa de alguma doença, os osteotendinosos podem desaparecer devido a um problema que afecte os nervos periféricos, como a neuropatia diabética. Por sua vez, uma lesão no córtex cerebral pode provocar, em determinados casos, hiperreflexia ou reflexos exagerados. Todavia, mesmo que não haja qualquer problema de saúde, é normal que, com a idade (a partir dos 40 anos, segundo os especialistas), os reflexos comecem a tornar-se progressivamente mais lentos, embora sem afectar a qualidade de vida.

Na velhice, a situação muda. Os idosos têm, naturalmente, uma actividade motora mais lenta, mas certos sintomas, como quedas frequentes, movimentos desajeitados, lentidão em falar, dificuldade em tomar decisões ou inexpressividade facial podem constituir indícios de uma doença degenerativa. Alguns reflexos, como os que controlam a postura, começam a perder-se com a idade, o que favorece as quedas. A verdade é que, na história destes mecanismos automáticos, alguns vão ficando irremediavelmente para trás.

Os reflexos são a resposta do organismo para proteger os sentidos das agressões do meio. Eis alguns dos mais importantes:

Posturais e tónicos. Mantêm a cabeça direita e o corpo na vertical. Utilizam informação do aparelho vestibular, que indica a posição da cabeça no espaço (reflexos vestibulares), e dos receptores nos músculos do pescoço, os quais indicam se estiver flectido (cervicais).

Superficiais ou cutâneos. São desencadeados por estimulação da pele, das mucosas e da córnea. Incluem o reflexo pupilar (dilatação da pupila perante uma dor).

Fotomotor. Contracção da pupila devido a um estímulo luminoso.

Corporais visuais. Movimentos exploratórios dos olhos e da cabeça para ler, por exemplo; e dos olhos, da cabeça e do pescoço perante um estímulo visual. Incluem ainda o reflexo do pestanejo diante de um eventual perigo.

Auditivo. Perante um ruído demasiado forte, favorece a rigidez automática dos pequenos ossos do ouvido, de forma a passar menos som para o ouvido interno

Tussígeno. A irritação da laringe, da traqueia ou dos brônquios produz tosse para eliminar secreções e corpos estranhos.

Nauseoso. Produz vómitos quando se estimula a garganta ou a parte posterior da boca.

Do espirro. Ajuda a expulsar ar e partículas quando as vias nasais ficam irritadas.

Do bocejo. Surge quando o organismo precisa de oxigénio suplementar.

J.M.D.super interessante 148

domingo, 10 de abril de 2011

Powerpoint - Hereditariedade


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A educação e os críticos

O Problema da Educação em Portugal não está só nos erros e insuficiências de quem governa mas, também, na quase absoluta falta de propostas (e muitas vezes ignorância) dos seus habituais e quase direi encartados críticos.
Tomemos o exemplo do crescimento anómalo este ano das notas de Matemática do Secundário em que o Ministério quis ver o resultado das medidas que recentemente tomou para melhorar o ensino da disciplina. Um senhor permitiu-se mesmo aparecer na Televisão a dizer que os pontos tinham sido elaborados segundo critérios científicos. Contra esta risível opinião a Doutora Filomena Mónica emitiu uma violentíssima critica largamente referida na Comunicação Social, em que afirmou que para melhorar o ensino da Matemática era necessário formar professores e melhorar o ambiente das escolas.
FM teve, certamente, Razão no que disse mas ignorou que temos actualmente (e sempre tivemos) muitos professores capazes de ensinar bem Matemática. O problema da melhoria do nosso ensino da Matemática não é, assim, um problema a resolver a prazo. É, fundamentalmente, o problema de sermos capazes de utilizar os nossos melhores professores (do Secundário e do Superior) para definirem os programas, elaborarem os pontos, reciclarem os maus professores e, naturalmente, formarem científica e pedagogicamente os professores do futuro.
Tivemos, no início dos anos 70, uma excepcional experiência em termos europeus de ensino da Matemática: das turmas experimentais do 11º ano orientada pelo Professor Sebastião e Silva, que, infelizmente, morreu pouco depois e não pôde dar continuidade a este seu trabalho, que deveria ter influenciado todo o ensino português. Da experiência dos anos 70 ficou um Compêndio policopiado que, depois do 25 de Abril, o Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério editou em livro, em tiragens de 20.000 exemplares, conjuntamente com um Guia para os professores. Estes livros não se encontram hoje à venda em parte alguma. O Ministério daria um imediato e grande contributo para o ensino da Matemática se reeditasse este Guia de autoria do Professor Sebastião e Silva e o fizesse distribuir a todos os professores do Secundário. Muito em particular, eles podem nele encontrar conselhos muito úteis e oportunos sobre o tipo de perguntas que se devem fazer nos exames.



apagina
N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
Autoria:
António Brotas
Professor Jubilado do Instituto Superior Técnico

sexta-feira, 8 de abril de 2011

"A sala de aula é um espaço político e o ensino é uma actividade política"

Nathalia Jaramillo é Professora Assistente da Purdue University - localizada na cidade de West Lafayette, no Estado do Indiana, Estados Unidos -, onde lecciona Fundamentos Culturais da Educação, sendo igualmente co-responsável pelo ensino na área de Estudos Americanos. Mestre em Política Educativa Internacional pela Universidade de Harvard, é Doutorada em Educação pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, onde conheceu Peter McLaren, seu colega, companheiro de viagens e de intervenção política ? que a Página teve a oportunidade de entrevistar na última edição do jornal.
Autora e co-autora de artigos em numerosas publicações na área da pedagogia crítica, crítica sociopolítica e estudos feministas, Jaramillo colabora regularmente com instituições educativas latino-americanas, em particular na Colômbia ? país onde tem as suas origens - e na Venezuela, sendo em ambos os países convidada como oradora de diversas instituições de ensino superior.
Recentemente, esteve presente na Universidade do Minho, a convite do Instituto de Educação e Psicologia, para uma conferência a que a PÁGINA teve oportunidade de assistir. No seguimento dessa intervenção, o nosso jornal entrevistou esta docente e investigadora social sobre a situação do sistema educativo público nos Estados Unidos, a forma como a crescente tendência privatizadora atinge as fundações do ensino público e sobre a forma como os defensores da Pedagogia Crítica ? entre os quais se contam Nathalia Jaramillo - abordam estas e outras questões.

Nos Estados Unidos, os pobres dificilmente vêem cobertas as suas necessidades básicas

A imagem que se tem das escolas públicas americanas é habitualmente muito boa ? a maioria das vezes baseada em filmes ou em séries de televisão que retratam escolas modernas frequentadas por alunos das classes médias e altas. Esta imagem corresponde à realidade média do sistema educativo público nos Estados Unidos?

Não, de modo algum. Os meios de comunicação social procuram evitar dar uma imagem mais clara daquilo que é o ensino público nos Estados Unidos porque, na minha opinião, a maioria do mundo ficaria surpreendido, senão mesmo chocado, com a actual situação da educação no nosso país. Enquanto americanos, orgulhamo-nos de sermos uma das nações mais democráticas e industrializadas em todo o mundo, mas, na realidade, temos um dos sistemas educativos mais depauperados e desiguais no seio dos chamados países desenvolvidos ? sem referir a nossa fraca assistência médica universal, exceptuando para os mais ricos, as altas taxas de mortalidade infantil, etc. Isto é uma consequência directa do desmantelamento do Estado Providência, iniciado por Thatcher no Reino Unido e por Reagan nos Estados Unidos, e do contínuo ataque do capitalismo aos trabalhadores.
As disparidades que vemos retratadas nos media, exemplos das séries "Beverly Hills 90210" e do filme "Freedom Writers", protagonizado por Hilary Swank, baseiam-se sobretudo nos seus sistema de financiamento. Cada Estado do país tem um contexto próprio, mas na maioria deles as escolas dependem em grande parte dos impostos sobre a propriedade. Essencialmente, isto significa que as escolas situadas em áreas favorecidas beneficiam de maiores rendimentos, obtidos a partir da valorização da sua localização, por comparação a escolas situadas em zonas pobres. O Estado ou o Governo Federal procuram atenuar as diferenças, mas na maioria dos casos nem um nem outro conseguem equilibrar essas disparidades. As escolas situadas em meios urbanos pobres estão habitualmente sobrelotadas, têm uma infra-estrutura degradada, falta de instalações sanitárias apropriadas, etc.
Nos Estados Unidos, os pobres dificilmente vêem cobertas as suas necessidades básicas, e esta situação vive-se tanto em contexto urbano como rural. Penso que Jonathon Kozol descreve bem a situação quando se refere nas suas obras a um "sistema escolar segregado". Há aqueles que têm e aqueles que não têm, e essa diferenças são tão grandes que acabam por criar duas vivências completamente distintas no país.
Mas o dinheiro é apenas uma parte do problema. Se olharmos atentamente para a forma como os media retratam a escolarização em meios ricos e pobres, constatamos a forma como transmitem uma perspectiva neoliberal da educação. Filmes como "Freedom Writers", "Dangerous Minds" ou "Stand and Deliver" enfatizam o triunfo sobre a resignação ? habitualmente um professor e os seus estudantes de origem africana ou latino-americana ultrapassam os obstáculos que se lhes deparam e conseguem vencer os efeitos da pobreza na escola ? sem darem ao espectador leituras que possam ajudar a entender os intrincados meandros da pobreza, da cultura e do poder nas escolas americanas. Se dependêssemos apenas dos media para termos uma noção do nosso sistema educativo, veríamos a pobreza como um problema individual, a violência como resultado de escolhas erradas e a desintegração das famílias como um problema cultural.
Por outro lado, séries que retratam famílias ricas, como "Beverly Hills 90210", ou filmes como "Mean Girls" ou "Clueless", oferecem-nos a imagem de estudantes que não têm quaisquer problemas, à excepção das triviais e expectáveis rivalidades interpessoais, criando a ideia de que a educação se baseia unicamente na vontade individual, na escolha e na personalidade dos alunos, quando na verdade a realidade é bem mais complexa.
A escolarização nos Estados Unidos é um instrumento de reprodução da perspectiva dominante e hegemónica das classes altas americanas, e todos os alunos que não encaixam nesse perfil têm de enfrentar um sistema educativo descapacitador e alienante, que diariamente lhes diz que os únicos culpados pelo seu insucesso são eles próprios. Na realidade, porém, as escolas americanas não cumprem o direito constitucional de cada indivíduo no acesso a uma educação pública livre e igualitária.

O maior problema é que a educação pública está a tornar-se gradualmente menos pública

Neste contexto, quais diria serem os principais problemas enfrentados actualmente pelo sistema educativo público americano?

Na minha opinião, o maior problema é que a educação pública está a tornar-se gradualmente menos pública. E não é apenas em termos económicos, isto é, da destruição da esfera pública através de um contexto de crescente privatização dos serviços educativos. O problema reside também no facto de a privatização da escola pública trazer consigo um conjunto de factores ideológicos e culturais que estão a mudar a forma como historicamente temos concebido a educação pública. Com o processo de privatização crescente a que se assiste é previsível esperar três coisas.
Em primeiro lugar, uma crescente estandardização, avaliação e prestação de contas pelos resultados obtidos. Isto significa que um número cada vez maior de empresas vê os seus lucros aumentar com a venda de testes, manuais de preparação para testes, oferecendo ao mesmo tempo aos professores formação para os integrar nesse processo e testá-lo!
Alguns leitores questionar-se-ão sobre qual a relação entre estandardização e avaliação no processo de privatização. Numa primeira abordagem, a incidência na estandardização e avaliação cria um sistema onde a prioridade se centra nos resultados, isto é, se uma escola não revela resultados adequados nos testes então é porque não está a fazer o seu trabalho convenientemente. E se a escola pública não consegue fazer o seu trabalho, então talvez o sector privado possa fazê-lo melhor. Por isso, a acrescentar aos milhões de dólares gastos anualmente em testes e na sua estandardização, estas práticas abrem porta para a completa demissão do sector público. Num outro plano, a estandardização e a avaliação alteram a prática profissional dos professores numa perspectiva a longo prazo. Os professores empregam a maioria do seu tempo na preparação dos modelos pré-definidos e a preparar os seus alunos para os testes. Desta forma, têm menor autonomia na preparação das suas aulas e estão limitados na expressão da sua criatividade profissional.
O ensino tem-se vindo a tornar uma actividade que fomenta cada vez menos o pensamento e privilegia o seguimento de directivas. Os professores não são incentivados a desenvolver as suas capacidades de crítica para ajudar os seus alunos a desenvolver um conhecimento baseado na compreensão das suas práticas diárias e na forma como a educação se pode assumir como uma das principais ferramentas no desenvolvimento de uma sociedade aberta, livre e justa. Os docentes têm-se vindo assim a tornar uma extensão dos interesses corporativos, mensageiros de currículos estandardizados e testes prescritos.
Em segundo lugar, a privatização permite que grupos religiosos tenham acesso à prestação de serviços educativos públicos. A administração Bush foi a primeira a criar legislação a nível federal que permite a grupos religiosos serem elegíveis para oferecer aos estudantes serviços educativos. Como consequência, os Estados Unidos assistem a uma separação cada vez menos clara entre Igreja e Estado, e isso está a ter um efeito directo na nossa noção de democracia e de pluralismo. E esta situação gera graves problemas, porque os EUA estão a desenvolver-se como uma nação baseada em valores cristãos. Esta convergência entre religião e militarismo é algo a que temos assistido recentemente, em particular com as invasões do Afeganistão e do Iraque.
É alarmante pensar nas consequências a longo prazo destas mudanças nas políticas federais de educação. Em alguns estados, por exemplo, as autoridades procuram aprovar legislação que proíbe o ensino da teoria da evolução ou que autoriza apenas a promoção da abstinência sexual como forma de promover o sexo seguro entre os adolescentes. Neste sentido, questiono-me se estaremos a ter consciência das tendências teocráticas que espelham um crescente fascismo que atormenta o país desde 11 de Setembro de 2001...
Em terceiro lugar, o crescente processo de privatização das escolas públicas tem vindo a ser acompanhado por um forte impulso ideológico em direcção a uma cidadania neoliberal. Tudo o que acabei de descrever atrás marca os manuais escolares, as práticas docentes e os métodos utilizados para recompensar o sucesso e punir o insucesso. Nas escolas dos Estados Unidos vive-se hoje uma muito complexa e intrincada rede de práticas sociais que têm um ponto em comum: uma ética individualista em permanente actualização que coloca o interesse do capital e de um punhado de escolhidos sobre o interesse comum público.
Numa lógica de mercado, os estudantes são referidos como bons consumidores e os professores como produtores. As escolas são recompensadas pelos produtos e respectivos consumidores que produzem e não pela forma como contribuem para a construção de uma sociedade democrática ? não de uma sociedade liberal democrática alardeada pelas organizações não governamentais, nem de uma sociedade imperial de mercado livre defendida por George Bush júnior, mas de uma sociedade socialista.
Claro que tudo isto acontece sob a capa da boa vontade. O mercado capitalista é agora referido como o grande agente democratizador, e quando se acrescenta Deus ou o cristianismo ao debate, então o capitalismo é pensado como um acto de Deus.
Mas no quotidiano dos professores e dos estudantes dos meios mais marginalizados e atingidos pela pobreza, tal significa que serão gradualmente afastados dos princípios do trabalho social que são a base de uma sociedade democrática. Estão a ser ensinados sob os auspícios de uma cidadania neoliberal, e é desta forma que a esfera capitalista se constitui de sentido.

É cada vez mais comum ouvir que a escola pública atravessa uma crise sem precedentes. Até que ponto concorda com esta afirmação?

Penso que depende da forma como essa crise é caracterizada. Podem encontrar-se pessoas à direita, ao centro e à esquerda do espectro político que falam de uma "crise" na educação e, à sua maneira, todos eles têm razão. Mas é mais importante pensar na forma como estamos a conceber os problemas enfrentados pela escola pública e na forma como estas questões estão relacionadas com a concepção da sociedade americana. Alguns referir-se-ão a uma crise militar e advogarão uma ênfase nas disciplinas relacionadas com a ciência e as engenharias de forma a podermos construir os mais avançados mecanismos de guerra para "salvaguardar" a nossa nação. Outros falarão na necessidade de incrementar a avaliação e a aprendizagem das matemáticas e das ciências mais avançadas porque já não conseguimos produzir trabalhadores competitivos para o mercado global. Outros ainda farão um discurso sobre a demissão da escola pública e o desvanecimento da sociedade democrática. Existe uma crise? Sim, sem dúvida. Mas a crise vai mais além do imediatismo do edifício escolar. É uma crise que assenta na justaposição entre o militarismo e a construção da paz, o autoritarismo e a democracia, o individualismo e a construção de uma ordem social pós-exploração capitalista.

O neoliberalismo é essencialmente uma forma de alterar as políticas sociais de forma a que o mercado privado possa intervir no domínio público como um agente viável

Muitos autores, incluindo você própria, afirmam que a política educativa seguida pela administração Bush é uma das peças centrais da sua agenda neoliberal. De que forma está o sistema educativo público a servir este propósito, nomeadamente, e cito-a, "sendo responsável por impor um regime neoliberal às famílias e aos jovens"?

O neoliberalismo é essencialmente uma forma de alterar as políticas sociais de forma a que o mercado privado possa intervir no domínio público como um agente viável. O sistema educativo público está a servir este objectivo na medida em que uma das primeiras iniciativas tomadas por George Bush filho ao entrar em funções passou pela aprovação do "No Child Left Behind Act" (lei que poderá ser traduzida por "Nenhuma Criança Deixada para Trás"), reintroduzindo a Lei da Escolaridade Básica e Secundária (Elementary and Secondary Education Act). É importante ter em conta que a educação nos Estados Unidos é, antes de mais, uma responsabilidade de cada Estado. Foi apenas na presidência de Lyndon Johnson e da campanha que ele apelidou de "Guerra à Pobreza" que o Governo Federal reforçou a sua presença na educação pública.
Basicamente, a Lei da Escolaridade Básica e Secundária foi concebida para ajudar a diminuir a pobreza e a fome nas escolas públicas. As escolas mais pobres começaram nessa altura a receber verbas para fornecerem refeições e oferecer serviços adicionais aos imigrantes que não falavam a língua inglesa, bem como às populações indígenas americanas. Tudo isto se iniciou em 1965. A cada quatro anos o governo federal assina um convénio e reaprova a legislação. E a cada quatro anos assiste-se ao desmantelamento do Estado Providência e a uma incursão neoliberal na esfera pública.
É que, contrariamente à lógica de federalismo inerente à Constituição americana, o governo está a assumir um papel muito mais directo e incisivo no sistema educativo público. E dado que a política doméstica e internacional americana se tem vindo a alinhar pelo diapasão da exploração capitalista, a agenda neoliberal está a criar raízes na esfera pública. Apesar de George Bush estar apenas a seguir as pisadas de Reagan, de Bush sénior e de Clinton, a presente administração levou-a a uma nível sem precedentes, ao emparelhar a agenda neoliberal ? de crescente privatização da escola pública ? com medidas baseadas em iniciativas religiosas e autorizando o exército dos Estados Unidos a aceder às bases de dados dos estudantes para efeitos de recrutamento. Isto é absolutamente inédito nas políticas educativas.
As escolas e as famílias ficam assim com poucas escolhas senão alinharem com o regime neoliberal imposto através da política educativa federal. A menos que os estados tomem a iniciativa de contestarem esta incursão federal no ensino público, e alguns fizeram-no, então as famílias ficam praticamente sem alternativa. E se as escolas públicas mais pobres querem continuar a receber os milhões de dólares anuais concedidos pelo governo federal, então precisam de alinhar sob as políticas e regras previstas na legislação. Muitos estados, como a Califórnia e o Texas, estavam já a impor agendas neoliberais nas escolas públicas anteriormente à tomada de posse de Bush.
Estamos a falar de alterações profundas que estão a marcar o país, e os espaços de resistência e de intervenção crítica estão a tornar-se cada vez mais ténues, levando muitas pessoas a simplesmente resignarem-se perante esta situação.

Existem basicamente duas perspectivas dominantes de esquerda: os círculos educativos progressistas e os críticos

No livro "Pedagogia e Prática na Era do Império: por um Novo Humanismo", a Nathalia e o seu colega Peter McLaren argumentam que "o 'aburguesamento' da pedagogia crítica impediu os educadores de tomarem consciência, na medida do necessário, do carácter classista da cultura americana na estrutura vertical da sociedade capitalista", nomeadamente no que se refere ao sistema de classes, frequentemente arredada do debate nas escolas. Esta crítica aplica-se também aos professores de esquerda?

Nos Estados unidos existem basicamente duas perspectivas dominantes de esquerda: os círculos educativos progressistas e os críticos. Existe, por um lado, a visão de que os Estados Unidos são, para parafrasear um termo de Greg Palast, "a melhor democracia que o dinheiro pode comprar", e, por outro, a perspectiva de que é necessário contestar a própria estrutura do sistema de exploração capitalista que está implantado na sociedade americana.
Há educadores que estão a produzir um valioso trabalho sobre o racismo e o sexismo no meio escolar e que o fazem numa perspectiva de redistribuição dos benefícios da educação. Por outras palavras, trabalham contra a marginalização de pessoas racialmente e etnicamente marginalizadas e contra o sexismo nas escolas. Mas fazem-no na esperança de criarem mais oportunidades para que as pessoas incorporem e beneficiem dos bens materiais associados ao capitalismo. Vemos, por isso, que entre estes educadores existe uma maior ênfase na criação de materiais de ensino culturalmente mais sensíveis, ou uma reavaliação das práticas docentes que favorecem a reprodução do sexismo na sala de aula. Em relação a este último ponto, muitos educadores trabalham, por exemplo, no sentido de incrementar a presença de raparigas em áreas como as ciências, as matemáticas, etc. Estes programas-projecto são importantes, mas insuficientes na nossa perspectiva.
Eu e o Peter contestamos este tipo de domesticação da pedagogia crítica, porque na nossa análise a exploração capitalista é incompatível com a democracia, ou com estruturas horizontais de socialização. A pedagogia crítica assenta na libertação, e na nossa perspectiva não podemos atingir a libertação quando esta é confinada à exploração capitalista. É necessário que os professores e os estudantes compreendam a exploração de classes como uma característica fundamental do capitalismo. É necessário criar espaços para que professores e estudantes questionem, contestem e se mobilizem contra a exploração de classes e o capitalismo, gerando novo conhecimento e novas práticas sobre como viver numa sociedade impulsionada por nós próprios.

Qual é a opinião mais comum dos professores americanos face a estas questões? Estão conscientes destes problemas e discutem-nos entre eles, ou simplesmente não querem saber?

Vivemos num país tão grande e com tantos níveis diferentes de percepção sobre a política social e internacional dos Estados Unidos que se torna difícil de falar de uma opinião comum. Na minha opinião, penso que os professores americanos têm lidado com golpes muito profundos nas últimas décadas, desde que o neoliberalismo tomou controlo da educação pública. Como resultado disso, julgo que os professores têm sido injustamente julgados pela opinião pública como ineficientes e apáticos. Sim, há um segmento da classe docente que não investe muito do seu tempo ou energia na profissão porque essencialmente sentem que não há necessidade disso, sentindo que vivemos no melhor dos mundos possíveis ? por todo o lado encontramos professores etnocêntricos, tal é o efeito da psique colectiva norte-americana.
Hoje em dia encontramos nas escolas públicas cada vez mais professores que se guiam por planos predeterminados de leitura e escrita, matemáticas e ciências, planos de aulas diários, convidados a dar aulas diligentemente prescritas. O seu trabalho tornou-se tecnocrático e rotineiro, e alguns sentem-se mesmo satisfeitos com estas mudanças; outros, no entanto, sentem que as autoridades escolares, o Estado e o Governo Federal cercearam a sua liberdade e autonomia como professores.
Desde 11 de Setembro de 2001, tornou-se cada vez mais difícil aos professores exercerem a sua liberdade de expressão na sala de aula. É cada vez mais frequente ouvir falar de professores que foram despedidos ou afastados por questionarem nas suas aulas as políticas neoliberais e a construção do imperialismo. Vive-se uma situação difícil, e os educadores de índole crítica lutam permanentemente para criar espaços onde possam construir um conhecimento e uma prática que levem estes assuntos em consideração, sobretudo quando exercem num contexto de repressão.

Os direitos económicos são parte de uma luta mais ampla pelos direitos humanos

Juntamente com outros professores defensores da pedagogia crítica, a Nathalia e o Peter McLaren clamam por uma nova pedagogia humanista crítica. Qual pode ser o papel dos professores nesse processo, tendo em conta que o governo americano considera pouco ou nada patriótico trazer assuntos políticos para a sala de aula?

Uma pedagogia crítica humanista enuncia tendências gerais, princípios e providencia uma linguagem crítica que possa ajudar a compreender a relação existente entre a escolarização e a sociedade capitalista americana. Inerente a esta tradição está a ênfase, mais claramente articulada por Paulo Freire, de que a pedagogia crítica deve ser aperfeiçoada diariamente através das experiências e da realidade com que se confrontam professores e estudantes nas suas comunidades locais. Existe uma abordagem específica inerente à pedagogia crítica, mas ela não pode ser apropriada à custa da percepção da natureza totalitária da exploração capitalista.
Assim, a tarefa de pôr em prática uma pedagogia crítica humanista reside em revigorar a dialéctica entre as experiências dos contextos locais e o nosso conhecimento sobre a exploração capitalista a uma escala global. Os professores são uma parte indispensável no desenvolvimento de uma prática humanista e crítica, assim como o são os estudantes, as famílias, as comunidades e todos aqueles que estão envolvidos em processos pedagógicos.
E sim, dado o actual contexto da sociedade americana, os educadores de índole crítica correm o risco de serem acusados de não serem patriotas. Há sempre um risco quando as pessoas trabalham contra o status quo e as instituições dominantes de coerção e de controlo da sociedade capitalista. Mas essa é precisamente a questão. Os educadores críticos trabalham sob um diferente tipo de conhecimento que não se encontra circunscrito ao bem-estar e ao prestígio. Eles operam sob a premissa da igualdade, isto é, de que os direitos económicos são parte de uma luta mais ampla pelos direitos humanos, pela justiça social, e pela prossecução de uma sociedade democrática plural e protagonista. Alguns de nós atrevem-se o suficiente para lhe chamarem uma sociedade socialista.
O mais importante são os processos que pomos em prática para contestar a alienação nas nossas escolas e proporcionar aos alunos uma oportunidade para um ambiente educativo livre e socialmente justo. Se limitarmos a nossa actividade devido ao medo, então essa é a atitude menos patriótica que podemos ter.
Há uma necessidade de uma patriotismo crítico, dirigido não a um país, mas aos princípios de liberdade e de justiça que animam a luta de todos os cidadãos do mundo. A sala de aula é um espaço político e o ensino é uma actividade política. Independentemente do lugar em que os professores se coloquem no espectro político, existe necessidade de terem consciência de que pedagogicamente eles estão também a agir politicamente.

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N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
Autoria:
Nathalia Jaramillo
Professora Assistente da Purdue University
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Debates em torno do ensino on-line II

Dissemos anteriormente que Otto Peters associa as gerações tecnológicas de ensino a distância com os problemas/necessidades a que dá respostas. Refere que pode considerar-se como fase prévia do ensino por correspondência, actividade percursora do ensino a distância, as cartas de São Paulo aos cristãos na Ásia Menor. O objectivo era, segundo o autor, ensinar a viver a experiência religiosa do cristianismo numa situação desfavorável. Isto poderia ser irrelevante se estas práticas não permanecessem activas na formação religiosa ou ideológica mas também na matriz dos restantes contextos da Educação a Distância.
O ensino por correspondência surgiu no século XIX como uma forma de resposta aos problemas decorrentes da industrialização e é identificado "em todos os lugares em que a industrialização modificou a condições tecnológicas, profissionais e sociais da vida". Também as cartas aos agricultores europeus no Século XIX foram uma forma de dar resposta aos seus problemas de mudanças aceleradas e às necessidades de formação.
Nos anos 70 o ensino a distância (sua industrialização) decorre do desenvolvimento dos media (televisão, vídeo) e orienta-se sobretudo para um cada vez maior número de pessoas e de problemas a que urge dar resposta: a abertura do ensino superior a estratos sociais e etários cada vez mais diversificados, o maior acesso ao ensino superior de pessoas empregadas e com vidas familiares organizadas.
A fase actual do ensino on-line responde às complexas transformações das sociedades contemporâneas decorrentes da introdução das tecnologias digitais em todos os aspectos da vida quotidiana, e das profundas mudanças verificadas na educação e na sociedade. O Internacional Council on Distance Education aponta cerca de duas dezenas de factores que provocaram um profunda mudança no ensino (mudança de paradigma).
Em todo este processo poderemos encontrar características comuns: 1) O ensino a distância é caracterizado pelo facto de os estudantes e os professores estarem separados temporal e espacialmente (embora o espaço e tempo se reconfigurem hoje de uma forma completamente diferente de épocas e situações anteriores); 2) O ensino a distância supõe uma grande autonomia e independência dos estudantes e uma motivação acrescida que se supõe superior aos estudantes em regime presencial; 3) O ensino a distância tem uma maior implicação nos processos sociais: mais orientados para o desenvolvimento de competências, para a resolução de problemas, para práticas profissionais que o ensino universitário tradicional (hoje o ensino universitário presencial retoma algumas destas orientações nomeadamente através do denominado Processo de Bolonha nomeadamente com a focalização no desenvolvimento competências e de empregabilidade); 4) É profundamente marcado pelo uso intensivo das tecnologias e pelas modalidades de comunicação e reconfigurado pelas mudanças tecnológicas que o condicionam quer a nível da concepção, distribuição/circulação e uso/utilização dos materiais didácticos, quer a nível das interacções com os professores e mais recentemente a nível das interacções dos estudantes entre si facilitadas pelas tecnologias digitais; 5) O ensino on-line comporta todos os desafios de mudança que os novos media trouxeram para a sociedade e cultura: a) Integração das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem; b) Integração e optimização/potencialização de todas os meios e práticas anteriores (áudio, vídeo, texto, etc.), informação desmaterializada, hipertexto, hipermédia, bases de dados, informação multisemiótica e multissensorial, excesso de informação; c) integração no processo de ensino das novas sociabilidades ? interacções sociais mediadas: estudante-conteúdo (hipertexto, hipermédia, bases de dados, informação multisemiótica e multissensorial, excesso de informação), estudante - professor, estudante-estudante; d) construção/produção colaborativa e policêntrica de saberes; e) comunidades - comunidades de prática, comunidades virtuais, comunidades virtuais de aprendizagem; 6) finalmente o ensino on-line redefine as funções docentes ? este além de planear e definir o programa e conteúdo do ensino, prepara os materiais de ensino e as instruções precisas de ensino. O professor tem muito mais a fazer de forma criativa e interactiva sobretudo porque as tecnologias e o ensino on-line são fáceis de experimentar e de mudar e os instrumentos de mudança estão nas mãos dos educadores.
Neste contexto entendemos necessário fazer algumas perguntas a que procuraremos dar resposta nos próximos números: como é que as novas formas de textualidade ou narratividade ? hipertexto e hipermédia, entram no processo de ensino on-line? como integrar a especificidade das disciplinas e áreas científicas no ensino on-line (no nosso caso o ensino experiencial da antropologia, trabalho sobre a visualidade, as sonoridades, práticas de trabalho de campo, etc?)? Como integrar a investigação no ensino ou ainda como transformar comunidades de ensino em comunidades de investigação?


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N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
Autoria:
José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Da (in)comunicação nos sistemas de ensino: breve apontamento

A problemática da diversidade cultural parece ter ganho valor. Cada vez são mais os falantes que, debruçando-se sobre os mundos da escola, empregam o conceito de forma valorizada e, aparentemente, não como problema social. Por outro lado, o conceito de diversidade cultural parece também estar a ser banalizado justamente porque deixa de ser operativo conceptualmente. Não se distingue, por vezes, facilmente, se as pessoas estão a falar de diversidade se de desigualdade, se de comunicação possível entre diferentes ou apenas de separação/guetização das diferenças, tornando-as incomunicáveis, como se de ilhas se tratasse sem qualquer ligação ao continente.
Falemos, a propósito da difícil comunicação entre diferentes, hoje, de dois exemplos e contextos concretos: o ensino privado e o ensino público, do ponto de vista dos professores; e o ensino politécnico e o universitário, também apenas do ponto de vista dos docentes.
Há poucos anos, um professor profissionalizado, com 20 anos de carreira, do quadro de uma escola privada, posicionado no topo da carreira, regido pelos escalões do contrato colectivo de trabalho, resolveu tentar o ingresso no ensino público. Concorreu ao concurso nacional e ficou atrás de mais de 3000 colegas, a maior parte deles recém licenciados. Não foi colocado porque foi posicionado no 2.º escalão, justamente por não ter nem um segundo de experiência no ensino público. Primeira discriminação. A Instituição de onde provinha tinha até equiparação pedagógica com o ensino público. Só no ano seguinte, depois de ter conseguido leccionar umas horitas no ensino público conseguiu passar para o 1.º escalão e ser colocado. Segunda discriminação: o vencimento passou a ser de metade relativamente ao que tinha há muitos anos. Ficou a saber que só depois de vir a ser efectivo, ou de ficar afecto a um quadro de zona pedagógica, como agora se diz, é que veria reconhecido todo o tempo de trabalho já prestado, para efeitos de remuneração. É caso para perguntar: diferentes e desiguais? diferentes e incomunicáveis? É esse valor que reivindicamos?
O professo reestrutura agora, ontologicamente, o pensamento e aceita a incomunicação, que mais não é que uma injustiça legitimada pela Lei, como um investimento futuro. Que mais pode fazer?
Aqui há uns anos atrás, um colega do topo da carreira do ensino superior politécnico ? Professor Coordenador ? concorreu a uma vaga numa universidade portuguesa. Resultado, teve que começar de novo a carreira como se se tivesse doutorado naquela altura. Ficou como Professor Auxiliar, ganhando muito menos que o que ganhava anteriormente, tendo a Universidade, em nome da Lei e da separação clara do que se chamam os subsistemas do ensino superior em Portugal: o universitário e o politécnico, tornado incomunicável aquilo que afinal de contas deveria ser apenas diferente. E sabem que mais? Essa Universidade integra em si esses dois mesmos subsistemas e nem assim foi possível fazer a ponte entre a diversidade de estatutos da carreira docente do ensino politécnico e do ensino universitário.
É caso para dizer: bolas, os filhos do mesmo pai e da mesma mãe são diferentes entre si mas têm a mesma origem e os mesmos direitos.
No caso destes dois exemplos, os filhos do mesmo pai são discriminados em função apenas do nome.
Para quando estatutos da carreira docente do ensino superior que permitam a comunicação entre os dois subsistemas sem prejuízos para os sujeitos?
Para quando o fim desse tratamento desigual entre o ensino privado e o ensino público que, ao nível do básico e do secundário, levam os professores a desenvolver os mesmos programas nacionais e a executar similares tarefas?
É caso para perguntar, "E Agora Professor?"
Bom, da nossa parte, nós queremos ser diferentes mas não desiguais.


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N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
Autoria:
Ana Vieira
Professora do 2.º Ciclo do Ensino Básico. Doutoranda em Educação Social
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades

sábado, 2 de abril de 2011

Os professores e a indisciplina: Não há nada a fazer? (III)

Acabámos, no artigo anterior, a afirmar a necessidade de se reflectir sobre a problemática da autoridade nas sociedades contemporâneas, como uma problemática que não podemos ignorar quando nos debruçamos sobre as situações da ausência de disciplina nas nossas escolas. O que, no nosso caso, terá que ser entendido não como um subterfúgio tendente a desresponsabilizar estas organizações face ao fenómeno em apreço, mas antes como uma abordagem que não poderá iludir o facto das escolas serem espaços do e no mundo. É reconhecendo este facto que, olhando para o ocidente deste mundo, se constata que a vida aqui acontece, em geral, através de uma relação algo contraditória entre os indivíduos e a ideia de autoridade. Uma relação através da qual se verifica que não há modelos de autoridade prefigurados e inquestionáveis que possam ser dissociados dos tipos de interacções concretas que se vão estabelecendo no seio dos mais diversos espaços sociais que todos nós vamos percorrendo. Daí que não seja por acaso que Habermas (1993) defenda que a época em que vivemos se caracteriza mais pela desestruturação do superego do que pela valorização das personalidades autoritárias.
Se esta é uma das propriedades do mundo que andamos a construir e que pode contribuir para a reflexão sobre o assunto que justifica este artigo, há, ainda, duas questões adjacentes que importa esclarecer: (i) uma que tem a ver com a valorização das experiências não coercivas como condição de uma educação mais humanizada e (ii) outra que diz respeito às dificuldades da definição dos limites como operação educativa necessária. Ambas as questões entroncam na problemática da relação mais ou menos tumultuosa entre os indivíduos e a autoridade, explicando-se, assim, o equívoco subjacente à primeira e o incómodo, aparentemente sem sentido, que a segunda revela. É que a ideia de que uma educação mais humana não admite coerções é uma concepção tão ilusória quanto perigosa, do mesmo modo que a afirmação da possibilidade de se definir os limites da acção humana sem hesitações, como expressão de competência educativa, não deixa de ser mais do que uma crendice. Enquanto no primeiro caso se ignora que não é a coerção que impede uma educação mais humanizada, mas a falta de sentido e a arbitrariedade da mesma, no segundo caso, pelo contrário, o que não se compreende é que a definição dos limites só poderá ser abordada como uma tarefa imediata se estivermos perante uma situação tão consensual quanto é possível sê-lo, de forma a que, por isso, se possam facilitar os processos de comunicação entre os intervenientes aos quais a situação diga respeito.
A última questão que importa abordar no âmbito da reflexão proposta diz respeito à demissão educativa como estratégia relacional, ainda que seja necessário afirmar que a coberto de tal demissão se exprimem realidades distintas entre si. É que se a demissão educativa pode pressupor o desinvestimento numa relação, nem sempre é esta a explicação mais adequada para elucidar um tal fenómeno. Por vezes, falamos de demissão quando não somos capazes de lidar com as situações e hesitamos; quando não conseguimos enfrentar os preconceitos que derivam de leituras padronizadas da realidade que os outros podem experienciar ou quando estamos sujeitos a uma sobrecarga de tarefas que dificulta uma gestão mais ampla e conseguida das nossas vidas. Em qualquer dos casos estamos perante situações que influenciam o nosso modo de nos relacionarmos com a autoridade e, sobretudo, de construirmos uma relação cidadã com esta mesma autoridade. Uma relação que não nos conduza a subserviências inúteis ou a atitudes irresponsáveis que os discursos neoliberais, do ponto de vista da retórica que os fundamenta, tanto têm vindo a favorecer.
Há que reconhecer, em jeito de conclusão e em primeiro lugar, que não podemos deixar de enquadrar a problemática da indisciplina nas nossas escolas na relação que todos estabelecemos com o mundo. De algum modo, a indisciplina exprime, também, essa dificuldade de definirmos o que é o bem comum e de estabelecermos, assim, consensos sobre as modalidades através das quais se erguem os actos e as acções educativas que têm lugar no mundo em que habitamos.
Há que reconhecer, também e em segundo lugar, que não se pode exigir a uma mãe ou a um pai que se assumam como educadores perfeitos quando não podem deixar de andar emaranhados nas agruras de quotidianos onde, mais do que cidadãos e cidadãs, temos que ser, acima de tudo, produtores eficazes e competitivos.
É, por isso, que problemática da indisciplina e da violência tem que ser vista, também, como uma problemática que nos obriga a reflectir e a intervir no mundo e nas sociedades em que vivemos, de modo a estabelecer-se as condições que podem contribuir para que possamos responder às exigências educacionais que contemporaneamente consideramos ser necessárias para se viver nesse mundo e nessas sociedades.

BIBLIOGRAFIA
Habermas, J. (1993). Técnica e ciência como «ideologia». Lisboa: Edições 70.

N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
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Autoria:
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto