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domingo, 10 de abril de 2011

A educação e os críticos

O Problema da Educação em Portugal não está só nos erros e insuficiências de quem governa mas, também, na quase absoluta falta de propostas (e muitas vezes ignorância) dos seus habituais e quase direi encartados críticos.
Tomemos o exemplo do crescimento anómalo este ano das notas de Matemática do Secundário em que o Ministério quis ver o resultado das medidas que recentemente tomou para melhorar o ensino da disciplina. Um senhor permitiu-se mesmo aparecer na Televisão a dizer que os pontos tinham sido elaborados segundo critérios científicos. Contra esta risível opinião a Doutora Filomena Mónica emitiu uma violentíssima critica largamente referida na Comunicação Social, em que afirmou que para melhorar o ensino da Matemática era necessário formar professores e melhorar o ambiente das escolas.
FM teve, certamente, Razão no que disse mas ignorou que temos actualmente (e sempre tivemos) muitos professores capazes de ensinar bem Matemática. O problema da melhoria do nosso ensino da Matemática não é, assim, um problema a resolver a prazo. É, fundamentalmente, o problema de sermos capazes de utilizar os nossos melhores professores (do Secundário e do Superior) para definirem os programas, elaborarem os pontos, reciclarem os maus professores e, naturalmente, formarem científica e pedagogicamente os professores do futuro.
Tivemos, no início dos anos 70, uma excepcional experiência em termos europeus de ensino da Matemática: das turmas experimentais do 11º ano orientada pelo Professor Sebastião e Silva, que, infelizmente, morreu pouco depois e não pôde dar continuidade a este seu trabalho, que deveria ter influenciado todo o ensino português. Da experiência dos anos 70 ficou um Compêndio policopiado que, depois do 25 de Abril, o Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério editou em livro, em tiragens de 20.000 exemplares, conjuntamente com um Guia para os professores. Estes livros não se encontram hoje à venda em parte alguma. O Ministério daria um imediato e grande contributo para o ensino da Matemática se reeditasse este Guia de autoria do Professor Sebastião e Silva e o fizesse distribuir a todos os professores do Secundário. Muito em particular, eles podem nele encontrar conselhos muito úteis e oportunos sobre o tipo de perguntas que se devem fazer nos exames.



apagina
N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
Autoria:
António Brotas
Professor Jubilado do Instituto Superior Técnico

sexta-feira, 8 de abril de 2011

"A sala de aula é um espaço político e o ensino é uma actividade política"

Nathalia Jaramillo é Professora Assistente da Purdue University - localizada na cidade de West Lafayette, no Estado do Indiana, Estados Unidos -, onde lecciona Fundamentos Culturais da Educação, sendo igualmente co-responsável pelo ensino na área de Estudos Americanos. Mestre em Política Educativa Internacional pela Universidade de Harvard, é Doutorada em Educação pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, onde conheceu Peter McLaren, seu colega, companheiro de viagens e de intervenção política ? que a Página teve a oportunidade de entrevistar na última edição do jornal.
Autora e co-autora de artigos em numerosas publicações na área da pedagogia crítica, crítica sociopolítica e estudos feministas, Jaramillo colabora regularmente com instituições educativas latino-americanas, em particular na Colômbia ? país onde tem as suas origens - e na Venezuela, sendo em ambos os países convidada como oradora de diversas instituições de ensino superior.
Recentemente, esteve presente na Universidade do Minho, a convite do Instituto de Educação e Psicologia, para uma conferência a que a PÁGINA teve oportunidade de assistir. No seguimento dessa intervenção, o nosso jornal entrevistou esta docente e investigadora social sobre a situação do sistema educativo público nos Estados Unidos, a forma como a crescente tendência privatizadora atinge as fundações do ensino público e sobre a forma como os defensores da Pedagogia Crítica ? entre os quais se contam Nathalia Jaramillo - abordam estas e outras questões.

Nos Estados Unidos, os pobres dificilmente vêem cobertas as suas necessidades básicas

A imagem que se tem das escolas públicas americanas é habitualmente muito boa ? a maioria das vezes baseada em filmes ou em séries de televisão que retratam escolas modernas frequentadas por alunos das classes médias e altas. Esta imagem corresponde à realidade média do sistema educativo público nos Estados Unidos?

Não, de modo algum. Os meios de comunicação social procuram evitar dar uma imagem mais clara daquilo que é o ensino público nos Estados Unidos porque, na minha opinião, a maioria do mundo ficaria surpreendido, senão mesmo chocado, com a actual situação da educação no nosso país. Enquanto americanos, orgulhamo-nos de sermos uma das nações mais democráticas e industrializadas em todo o mundo, mas, na realidade, temos um dos sistemas educativos mais depauperados e desiguais no seio dos chamados países desenvolvidos ? sem referir a nossa fraca assistência médica universal, exceptuando para os mais ricos, as altas taxas de mortalidade infantil, etc. Isto é uma consequência directa do desmantelamento do Estado Providência, iniciado por Thatcher no Reino Unido e por Reagan nos Estados Unidos, e do contínuo ataque do capitalismo aos trabalhadores.
As disparidades que vemos retratadas nos media, exemplos das séries "Beverly Hills 90210" e do filme "Freedom Writers", protagonizado por Hilary Swank, baseiam-se sobretudo nos seus sistema de financiamento. Cada Estado do país tem um contexto próprio, mas na maioria deles as escolas dependem em grande parte dos impostos sobre a propriedade. Essencialmente, isto significa que as escolas situadas em áreas favorecidas beneficiam de maiores rendimentos, obtidos a partir da valorização da sua localização, por comparação a escolas situadas em zonas pobres. O Estado ou o Governo Federal procuram atenuar as diferenças, mas na maioria dos casos nem um nem outro conseguem equilibrar essas disparidades. As escolas situadas em meios urbanos pobres estão habitualmente sobrelotadas, têm uma infra-estrutura degradada, falta de instalações sanitárias apropriadas, etc.
Nos Estados Unidos, os pobres dificilmente vêem cobertas as suas necessidades básicas, e esta situação vive-se tanto em contexto urbano como rural. Penso que Jonathon Kozol descreve bem a situação quando se refere nas suas obras a um "sistema escolar segregado". Há aqueles que têm e aqueles que não têm, e essa diferenças são tão grandes que acabam por criar duas vivências completamente distintas no país.
Mas o dinheiro é apenas uma parte do problema. Se olharmos atentamente para a forma como os media retratam a escolarização em meios ricos e pobres, constatamos a forma como transmitem uma perspectiva neoliberal da educação. Filmes como "Freedom Writers", "Dangerous Minds" ou "Stand and Deliver" enfatizam o triunfo sobre a resignação ? habitualmente um professor e os seus estudantes de origem africana ou latino-americana ultrapassam os obstáculos que se lhes deparam e conseguem vencer os efeitos da pobreza na escola ? sem darem ao espectador leituras que possam ajudar a entender os intrincados meandros da pobreza, da cultura e do poder nas escolas americanas. Se dependêssemos apenas dos media para termos uma noção do nosso sistema educativo, veríamos a pobreza como um problema individual, a violência como resultado de escolhas erradas e a desintegração das famílias como um problema cultural.
Por outro lado, séries que retratam famílias ricas, como "Beverly Hills 90210", ou filmes como "Mean Girls" ou "Clueless", oferecem-nos a imagem de estudantes que não têm quaisquer problemas, à excepção das triviais e expectáveis rivalidades interpessoais, criando a ideia de que a educação se baseia unicamente na vontade individual, na escolha e na personalidade dos alunos, quando na verdade a realidade é bem mais complexa.
A escolarização nos Estados Unidos é um instrumento de reprodução da perspectiva dominante e hegemónica das classes altas americanas, e todos os alunos que não encaixam nesse perfil têm de enfrentar um sistema educativo descapacitador e alienante, que diariamente lhes diz que os únicos culpados pelo seu insucesso são eles próprios. Na realidade, porém, as escolas americanas não cumprem o direito constitucional de cada indivíduo no acesso a uma educação pública livre e igualitária.

O maior problema é que a educação pública está a tornar-se gradualmente menos pública

Neste contexto, quais diria serem os principais problemas enfrentados actualmente pelo sistema educativo público americano?

Na minha opinião, o maior problema é que a educação pública está a tornar-se gradualmente menos pública. E não é apenas em termos económicos, isto é, da destruição da esfera pública através de um contexto de crescente privatização dos serviços educativos. O problema reside também no facto de a privatização da escola pública trazer consigo um conjunto de factores ideológicos e culturais que estão a mudar a forma como historicamente temos concebido a educação pública. Com o processo de privatização crescente a que se assiste é previsível esperar três coisas.
Em primeiro lugar, uma crescente estandardização, avaliação e prestação de contas pelos resultados obtidos. Isto significa que um número cada vez maior de empresas vê os seus lucros aumentar com a venda de testes, manuais de preparação para testes, oferecendo ao mesmo tempo aos professores formação para os integrar nesse processo e testá-lo!
Alguns leitores questionar-se-ão sobre qual a relação entre estandardização e avaliação no processo de privatização. Numa primeira abordagem, a incidência na estandardização e avaliação cria um sistema onde a prioridade se centra nos resultados, isto é, se uma escola não revela resultados adequados nos testes então é porque não está a fazer o seu trabalho convenientemente. E se a escola pública não consegue fazer o seu trabalho, então talvez o sector privado possa fazê-lo melhor. Por isso, a acrescentar aos milhões de dólares gastos anualmente em testes e na sua estandardização, estas práticas abrem porta para a completa demissão do sector público. Num outro plano, a estandardização e a avaliação alteram a prática profissional dos professores numa perspectiva a longo prazo. Os professores empregam a maioria do seu tempo na preparação dos modelos pré-definidos e a preparar os seus alunos para os testes. Desta forma, têm menor autonomia na preparação das suas aulas e estão limitados na expressão da sua criatividade profissional.
O ensino tem-se vindo a tornar uma actividade que fomenta cada vez menos o pensamento e privilegia o seguimento de directivas. Os professores não são incentivados a desenvolver as suas capacidades de crítica para ajudar os seus alunos a desenvolver um conhecimento baseado na compreensão das suas práticas diárias e na forma como a educação se pode assumir como uma das principais ferramentas no desenvolvimento de uma sociedade aberta, livre e justa. Os docentes têm-se vindo assim a tornar uma extensão dos interesses corporativos, mensageiros de currículos estandardizados e testes prescritos.
Em segundo lugar, a privatização permite que grupos religiosos tenham acesso à prestação de serviços educativos públicos. A administração Bush foi a primeira a criar legislação a nível federal que permite a grupos religiosos serem elegíveis para oferecer aos estudantes serviços educativos. Como consequência, os Estados Unidos assistem a uma separação cada vez menos clara entre Igreja e Estado, e isso está a ter um efeito directo na nossa noção de democracia e de pluralismo. E esta situação gera graves problemas, porque os EUA estão a desenvolver-se como uma nação baseada em valores cristãos. Esta convergência entre religião e militarismo é algo a que temos assistido recentemente, em particular com as invasões do Afeganistão e do Iraque.
É alarmante pensar nas consequências a longo prazo destas mudanças nas políticas federais de educação. Em alguns estados, por exemplo, as autoridades procuram aprovar legislação que proíbe o ensino da teoria da evolução ou que autoriza apenas a promoção da abstinência sexual como forma de promover o sexo seguro entre os adolescentes. Neste sentido, questiono-me se estaremos a ter consciência das tendências teocráticas que espelham um crescente fascismo que atormenta o país desde 11 de Setembro de 2001...
Em terceiro lugar, o crescente processo de privatização das escolas públicas tem vindo a ser acompanhado por um forte impulso ideológico em direcção a uma cidadania neoliberal. Tudo o que acabei de descrever atrás marca os manuais escolares, as práticas docentes e os métodos utilizados para recompensar o sucesso e punir o insucesso. Nas escolas dos Estados Unidos vive-se hoje uma muito complexa e intrincada rede de práticas sociais que têm um ponto em comum: uma ética individualista em permanente actualização que coloca o interesse do capital e de um punhado de escolhidos sobre o interesse comum público.
Numa lógica de mercado, os estudantes são referidos como bons consumidores e os professores como produtores. As escolas são recompensadas pelos produtos e respectivos consumidores que produzem e não pela forma como contribuem para a construção de uma sociedade democrática ? não de uma sociedade liberal democrática alardeada pelas organizações não governamentais, nem de uma sociedade imperial de mercado livre defendida por George Bush júnior, mas de uma sociedade socialista.
Claro que tudo isto acontece sob a capa da boa vontade. O mercado capitalista é agora referido como o grande agente democratizador, e quando se acrescenta Deus ou o cristianismo ao debate, então o capitalismo é pensado como um acto de Deus.
Mas no quotidiano dos professores e dos estudantes dos meios mais marginalizados e atingidos pela pobreza, tal significa que serão gradualmente afastados dos princípios do trabalho social que são a base de uma sociedade democrática. Estão a ser ensinados sob os auspícios de uma cidadania neoliberal, e é desta forma que a esfera capitalista se constitui de sentido.

É cada vez mais comum ouvir que a escola pública atravessa uma crise sem precedentes. Até que ponto concorda com esta afirmação?

Penso que depende da forma como essa crise é caracterizada. Podem encontrar-se pessoas à direita, ao centro e à esquerda do espectro político que falam de uma "crise" na educação e, à sua maneira, todos eles têm razão. Mas é mais importante pensar na forma como estamos a conceber os problemas enfrentados pela escola pública e na forma como estas questões estão relacionadas com a concepção da sociedade americana. Alguns referir-se-ão a uma crise militar e advogarão uma ênfase nas disciplinas relacionadas com a ciência e as engenharias de forma a podermos construir os mais avançados mecanismos de guerra para "salvaguardar" a nossa nação. Outros falarão na necessidade de incrementar a avaliação e a aprendizagem das matemáticas e das ciências mais avançadas porque já não conseguimos produzir trabalhadores competitivos para o mercado global. Outros ainda farão um discurso sobre a demissão da escola pública e o desvanecimento da sociedade democrática. Existe uma crise? Sim, sem dúvida. Mas a crise vai mais além do imediatismo do edifício escolar. É uma crise que assenta na justaposição entre o militarismo e a construção da paz, o autoritarismo e a democracia, o individualismo e a construção de uma ordem social pós-exploração capitalista.

O neoliberalismo é essencialmente uma forma de alterar as políticas sociais de forma a que o mercado privado possa intervir no domínio público como um agente viável

Muitos autores, incluindo você própria, afirmam que a política educativa seguida pela administração Bush é uma das peças centrais da sua agenda neoliberal. De que forma está o sistema educativo público a servir este propósito, nomeadamente, e cito-a, "sendo responsável por impor um regime neoliberal às famílias e aos jovens"?

O neoliberalismo é essencialmente uma forma de alterar as políticas sociais de forma a que o mercado privado possa intervir no domínio público como um agente viável. O sistema educativo público está a servir este objectivo na medida em que uma das primeiras iniciativas tomadas por George Bush filho ao entrar em funções passou pela aprovação do "No Child Left Behind Act" (lei que poderá ser traduzida por "Nenhuma Criança Deixada para Trás"), reintroduzindo a Lei da Escolaridade Básica e Secundária (Elementary and Secondary Education Act). É importante ter em conta que a educação nos Estados Unidos é, antes de mais, uma responsabilidade de cada Estado. Foi apenas na presidência de Lyndon Johnson e da campanha que ele apelidou de "Guerra à Pobreza" que o Governo Federal reforçou a sua presença na educação pública.
Basicamente, a Lei da Escolaridade Básica e Secundária foi concebida para ajudar a diminuir a pobreza e a fome nas escolas públicas. As escolas mais pobres começaram nessa altura a receber verbas para fornecerem refeições e oferecer serviços adicionais aos imigrantes que não falavam a língua inglesa, bem como às populações indígenas americanas. Tudo isto se iniciou em 1965. A cada quatro anos o governo federal assina um convénio e reaprova a legislação. E a cada quatro anos assiste-se ao desmantelamento do Estado Providência e a uma incursão neoliberal na esfera pública.
É que, contrariamente à lógica de federalismo inerente à Constituição americana, o governo está a assumir um papel muito mais directo e incisivo no sistema educativo público. E dado que a política doméstica e internacional americana se tem vindo a alinhar pelo diapasão da exploração capitalista, a agenda neoliberal está a criar raízes na esfera pública. Apesar de George Bush estar apenas a seguir as pisadas de Reagan, de Bush sénior e de Clinton, a presente administração levou-a a uma nível sem precedentes, ao emparelhar a agenda neoliberal ? de crescente privatização da escola pública ? com medidas baseadas em iniciativas religiosas e autorizando o exército dos Estados Unidos a aceder às bases de dados dos estudantes para efeitos de recrutamento. Isto é absolutamente inédito nas políticas educativas.
As escolas e as famílias ficam assim com poucas escolhas senão alinharem com o regime neoliberal imposto através da política educativa federal. A menos que os estados tomem a iniciativa de contestarem esta incursão federal no ensino público, e alguns fizeram-no, então as famílias ficam praticamente sem alternativa. E se as escolas públicas mais pobres querem continuar a receber os milhões de dólares anuais concedidos pelo governo federal, então precisam de alinhar sob as políticas e regras previstas na legislação. Muitos estados, como a Califórnia e o Texas, estavam já a impor agendas neoliberais nas escolas públicas anteriormente à tomada de posse de Bush.
Estamos a falar de alterações profundas que estão a marcar o país, e os espaços de resistência e de intervenção crítica estão a tornar-se cada vez mais ténues, levando muitas pessoas a simplesmente resignarem-se perante esta situação.

Existem basicamente duas perspectivas dominantes de esquerda: os círculos educativos progressistas e os críticos

No livro "Pedagogia e Prática na Era do Império: por um Novo Humanismo", a Nathalia e o seu colega Peter McLaren argumentam que "o 'aburguesamento' da pedagogia crítica impediu os educadores de tomarem consciência, na medida do necessário, do carácter classista da cultura americana na estrutura vertical da sociedade capitalista", nomeadamente no que se refere ao sistema de classes, frequentemente arredada do debate nas escolas. Esta crítica aplica-se também aos professores de esquerda?

Nos Estados unidos existem basicamente duas perspectivas dominantes de esquerda: os círculos educativos progressistas e os críticos. Existe, por um lado, a visão de que os Estados Unidos são, para parafrasear um termo de Greg Palast, "a melhor democracia que o dinheiro pode comprar", e, por outro, a perspectiva de que é necessário contestar a própria estrutura do sistema de exploração capitalista que está implantado na sociedade americana.
Há educadores que estão a produzir um valioso trabalho sobre o racismo e o sexismo no meio escolar e que o fazem numa perspectiva de redistribuição dos benefícios da educação. Por outras palavras, trabalham contra a marginalização de pessoas racialmente e etnicamente marginalizadas e contra o sexismo nas escolas. Mas fazem-no na esperança de criarem mais oportunidades para que as pessoas incorporem e beneficiem dos bens materiais associados ao capitalismo. Vemos, por isso, que entre estes educadores existe uma maior ênfase na criação de materiais de ensino culturalmente mais sensíveis, ou uma reavaliação das práticas docentes que favorecem a reprodução do sexismo na sala de aula. Em relação a este último ponto, muitos educadores trabalham, por exemplo, no sentido de incrementar a presença de raparigas em áreas como as ciências, as matemáticas, etc. Estes programas-projecto são importantes, mas insuficientes na nossa perspectiva.
Eu e o Peter contestamos este tipo de domesticação da pedagogia crítica, porque na nossa análise a exploração capitalista é incompatível com a democracia, ou com estruturas horizontais de socialização. A pedagogia crítica assenta na libertação, e na nossa perspectiva não podemos atingir a libertação quando esta é confinada à exploração capitalista. É necessário que os professores e os estudantes compreendam a exploração de classes como uma característica fundamental do capitalismo. É necessário criar espaços para que professores e estudantes questionem, contestem e se mobilizem contra a exploração de classes e o capitalismo, gerando novo conhecimento e novas práticas sobre como viver numa sociedade impulsionada por nós próprios.

Qual é a opinião mais comum dos professores americanos face a estas questões? Estão conscientes destes problemas e discutem-nos entre eles, ou simplesmente não querem saber?

Vivemos num país tão grande e com tantos níveis diferentes de percepção sobre a política social e internacional dos Estados Unidos que se torna difícil de falar de uma opinião comum. Na minha opinião, penso que os professores americanos têm lidado com golpes muito profundos nas últimas décadas, desde que o neoliberalismo tomou controlo da educação pública. Como resultado disso, julgo que os professores têm sido injustamente julgados pela opinião pública como ineficientes e apáticos. Sim, há um segmento da classe docente que não investe muito do seu tempo ou energia na profissão porque essencialmente sentem que não há necessidade disso, sentindo que vivemos no melhor dos mundos possíveis ? por todo o lado encontramos professores etnocêntricos, tal é o efeito da psique colectiva norte-americana.
Hoje em dia encontramos nas escolas públicas cada vez mais professores que se guiam por planos predeterminados de leitura e escrita, matemáticas e ciências, planos de aulas diários, convidados a dar aulas diligentemente prescritas. O seu trabalho tornou-se tecnocrático e rotineiro, e alguns sentem-se mesmo satisfeitos com estas mudanças; outros, no entanto, sentem que as autoridades escolares, o Estado e o Governo Federal cercearam a sua liberdade e autonomia como professores.
Desde 11 de Setembro de 2001, tornou-se cada vez mais difícil aos professores exercerem a sua liberdade de expressão na sala de aula. É cada vez mais frequente ouvir falar de professores que foram despedidos ou afastados por questionarem nas suas aulas as políticas neoliberais e a construção do imperialismo. Vive-se uma situação difícil, e os educadores de índole crítica lutam permanentemente para criar espaços onde possam construir um conhecimento e uma prática que levem estes assuntos em consideração, sobretudo quando exercem num contexto de repressão.

Os direitos económicos são parte de uma luta mais ampla pelos direitos humanos

Juntamente com outros professores defensores da pedagogia crítica, a Nathalia e o Peter McLaren clamam por uma nova pedagogia humanista crítica. Qual pode ser o papel dos professores nesse processo, tendo em conta que o governo americano considera pouco ou nada patriótico trazer assuntos políticos para a sala de aula?

Uma pedagogia crítica humanista enuncia tendências gerais, princípios e providencia uma linguagem crítica que possa ajudar a compreender a relação existente entre a escolarização e a sociedade capitalista americana. Inerente a esta tradição está a ênfase, mais claramente articulada por Paulo Freire, de que a pedagogia crítica deve ser aperfeiçoada diariamente através das experiências e da realidade com que se confrontam professores e estudantes nas suas comunidades locais. Existe uma abordagem específica inerente à pedagogia crítica, mas ela não pode ser apropriada à custa da percepção da natureza totalitária da exploração capitalista.
Assim, a tarefa de pôr em prática uma pedagogia crítica humanista reside em revigorar a dialéctica entre as experiências dos contextos locais e o nosso conhecimento sobre a exploração capitalista a uma escala global. Os professores são uma parte indispensável no desenvolvimento de uma prática humanista e crítica, assim como o são os estudantes, as famílias, as comunidades e todos aqueles que estão envolvidos em processos pedagógicos.
E sim, dado o actual contexto da sociedade americana, os educadores de índole crítica correm o risco de serem acusados de não serem patriotas. Há sempre um risco quando as pessoas trabalham contra o status quo e as instituições dominantes de coerção e de controlo da sociedade capitalista. Mas essa é precisamente a questão. Os educadores críticos trabalham sob um diferente tipo de conhecimento que não se encontra circunscrito ao bem-estar e ao prestígio. Eles operam sob a premissa da igualdade, isto é, de que os direitos económicos são parte de uma luta mais ampla pelos direitos humanos, pela justiça social, e pela prossecução de uma sociedade democrática plural e protagonista. Alguns de nós atrevem-se o suficiente para lhe chamarem uma sociedade socialista.
O mais importante são os processos que pomos em prática para contestar a alienação nas nossas escolas e proporcionar aos alunos uma oportunidade para um ambiente educativo livre e socialmente justo. Se limitarmos a nossa actividade devido ao medo, então essa é a atitude menos patriótica que podemos ter.
Há uma necessidade de uma patriotismo crítico, dirigido não a um país, mas aos princípios de liberdade e de justiça que animam a luta de todos os cidadãos do mundo. A sala de aula é um espaço político e o ensino é uma actividade política. Independentemente do lugar em que os professores se coloquem no espectro político, existe necessidade de terem consciência de que pedagogicamente eles estão também a agir politicamente.

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N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
Autoria:
Nathalia Jaramillo
Professora Assistente da Purdue University
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Debates em torno do ensino on-line II

Dissemos anteriormente que Otto Peters associa as gerações tecnológicas de ensino a distância com os problemas/necessidades a que dá respostas. Refere que pode considerar-se como fase prévia do ensino por correspondência, actividade percursora do ensino a distância, as cartas de São Paulo aos cristãos na Ásia Menor. O objectivo era, segundo o autor, ensinar a viver a experiência religiosa do cristianismo numa situação desfavorável. Isto poderia ser irrelevante se estas práticas não permanecessem activas na formação religiosa ou ideológica mas também na matriz dos restantes contextos da Educação a Distância.
O ensino por correspondência surgiu no século XIX como uma forma de resposta aos problemas decorrentes da industrialização e é identificado "em todos os lugares em que a industrialização modificou a condições tecnológicas, profissionais e sociais da vida". Também as cartas aos agricultores europeus no Século XIX foram uma forma de dar resposta aos seus problemas de mudanças aceleradas e às necessidades de formação.
Nos anos 70 o ensino a distância (sua industrialização) decorre do desenvolvimento dos media (televisão, vídeo) e orienta-se sobretudo para um cada vez maior número de pessoas e de problemas a que urge dar resposta: a abertura do ensino superior a estratos sociais e etários cada vez mais diversificados, o maior acesso ao ensino superior de pessoas empregadas e com vidas familiares organizadas.
A fase actual do ensino on-line responde às complexas transformações das sociedades contemporâneas decorrentes da introdução das tecnologias digitais em todos os aspectos da vida quotidiana, e das profundas mudanças verificadas na educação e na sociedade. O Internacional Council on Distance Education aponta cerca de duas dezenas de factores que provocaram um profunda mudança no ensino (mudança de paradigma).
Em todo este processo poderemos encontrar características comuns: 1) O ensino a distância é caracterizado pelo facto de os estudantes e os professores estarem separados temporal e espacialmente (embora o espaço e tempo se reconfigurem hoje de uma forma completamente diferente de épocas e situações anteriores); 2) O ensino a distância supõe uma grande autonomia e independência dos estudantes e uma motivação acrescida que se supõe superior aos estudantes em regime presencial; 3) O ensino a distância tem uma maior implicação nos processos sociais: mais orientados para o desenvolvimento de competências, para a resolução de problemas, para práticas profissionais que o ensino universitário tradicional (hoje o ensino universitário presencial retoma algumas destas orientações nomeadamente através do denominado Processo de Bolonha nomeadamente com a focalização no desenvolvimento competências e de empregabilidade); 4) É profundamente marcado pelo uso intensivo das tecnologias e pelas modalidades de comunicação e reconfigurado pelas mudanças tecnológicas que o condicionam quer a nível da concepção, distribuição/circulação e uso/utilização dos materiais didácticos, quer a nível das interacções com os professores e mais recentemente a nível das interacções dos estudantes entre si facilitadas pelas tecnologias digitais; 5) O ensino on-line comporta todos os desafios de mudança que os novos media trouxeram para a sociedade e cultura: a) Integração das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem; b) Integração e optimização/potencialização de todas os meios e práticas anteriores (áudio, vídeo, texto, etc.), informação desmaterializada, hipertexto, hipermédia, bases de dados, informação multisemiótica e multissensorial, excesso de informação; c) integração no processo de ensino das novas sociabilidades ? interacções sociais mediadas: estudante-conteúdo (hipertexto, hipermédia, bases de dados, informação multisemiótica e multissensorial, excesso de informação), estudante - professor, estudante-estudante; d) construção/produção colaborativa e policêntrica de saberes; e) comunidades - comunidades de prática, comunidades virtuais, comunidades virtuais de aprendizagem; 6) finalmente o ensino on-line redefine as funções docentes ? este além de planear e definir o programa e conteúdo do ensino, prepara os materiais de ensino e as instruções precisas de ensino. O professor tem muito mais a fazer de forma criativa e interactiva sobretudo porque as tecnologias e o ensino on-line são fáceis de experimentar e de mudar e os instrumentos de mudança estão nas mãos dos educadores.
Neste contexto entendemos necessário fazer algumas perguntas a que procuraremos dar resposta nos próximos números: como é que as novas formas de textualidade ou narratividade ? hipertexto e hipermédia, entram no processo de ensino on-line? como integrar a especificidade das disciplinas e áreas científicas no ensino on-line (no nosso caso o ensino experiencial da antropologia, trabalho sobre a visualidade, as sonoridades, práticas de trabalho de campo, etc?)? Como integrar a investigação no ensino ou ainda como transformar comunidades de ensino em comunidades de investigação?


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N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
Autoria:
José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Da (in)comunicação nos sistemas de ensino: breve apontamento

A problemática da diversidade cultural parece ter ganho valor. Cada vez são mais os falantes que, debruçando-se sobre os mundos da escola, empregam o conceito de forma valorizada e, aparentemente, não como problema social. Por outro lado, o conceito de diversidade cultural parece também estar a ser banalizado justamente porque deixa de ser operativo conceptualmente. Não se distingue, por vezes, facilmente, se as pessoas estão a falar de diversidade se de desigualdade, se de comunicação possível entre diferentes ou apenas de separação/guetização das diferenças, tornando-as incomunicáveis, como se de ilhas se tratasse sem qualquer ligação ao continente.
Falemos, a propósito da difícil comunicação entre diferentes, hoje, de dois exemplos e contextos concretos: o ensino privado e o ensino público, do ponto de vista dos professores; e o ensino politécnico e o universitário, também apenas do ponto de vista dos docentes.
Há poucos anos, um professor profissionalizado, com 20 anos de carreira, do quadro de uma escola privada, posicionado no topo da carreira, regido pelos escalões do contrato colectivo de trabalho, resolveu tentar o ingresso no ensino público. Concorreu ao concurso nacional e ficou atrás de mais de 3000 colegas, a maior parte deles recém licenciados. Não foi colocado porque foi posicionado no 2.º escalão, justamente por não ter nem um segundo de experiência no ensino público. Primeira discriminação. A Instituição de onde provinha tinha até equiparação pedagógica com o ensino público. Só no ano seguinte, depois de ter conseguido leccionar umas horitas no ensino público conseguiu passar para o 1.º escalão e ser colocado. Segunda discriminação: o vencimento passou a ser de metade relativamente ao que tinha há muitos anos. Ficou a saber que só depois de vir a ser efectivo, ou de ficar afecto a um quadro de zona pedagógica, como agora se diz, é que veria reconhecido todo o tempo de trabalho já prestado, para efeitos de remuneração. É caso para perguntar: diferentes e desiguais? diferentes e incomunicáveis? É esse valor que reivindicamos?
O professo reestrutura agora, ontologicamente, o pensamento e aceita a incomunicação, que mais não é que uma injustiça legitimada pela Lei, como um investimento futuro. Que mais pode fazer?
Aqui há uns anos atrás, um colega do topo da carreira do ensino superior politécnico ? Professor Coordenador ? concorreu a uma vaga numa universidade portuguesa. Resultado, teve que começar de novo a carreira como se se tivesse doutorado naquela altura. Ficou como Professor Auxiliar, ganhando muito menos que o que ganhava anteriormente, tendo a Universidade, em nome da Lei e da separação clara do que se chamam os subsistemas do ensino superior em Portugal: o universitário e o politécnico, tornado incomunicável aquilo que afinal de contas deveria ser apenas diferente. E sabem que mais? Essa Universidade integra em si esses dois mesmos subsistemas e nem assim foi possível fazer a ponte entre a diversidade de estatutos da carreira docente do ensino politécnico e do ensino universitário.
É caso para dizer: bolas, os filhos do mesmo pai e da mesma mãe são diferentes entre si mas têm a mesma origem e os mesmos direitos.
No caso destes dois exemplos, os filhos do mesmo pai são discriminados em função apenas do nome.
Para quando estatutos da carreira docente do ensino superior que permitam a comunicação entre os dois subsistemas sem prejuízos para os sujeitos?
Para quando o fim desse tratamento desigual entre o ensino privado e o ensino público que, ao nível do básico e do secundário, levam os professores a desenvolver os mesmos programas nacionais e a executar similares tarefas?
É caso para perguntar, "E Agora Professor?"
Bom, da nossa parte, nós queremos ser diferentes mas não desiguais.


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N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
Autoria:
Ana Vieira
Professora do 2.º Ciclo do Ensino Básico. Doutoranda em Educação Social
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades

sábado, 2 de abril de 2011

Os professores e a indisciplina: Não há nada a fazer? (III)

Acabámos, no artigo anterior, a afirmar a necessidade de se reflectir sobre a problemática da autoridade nas sociedades contemporâneas, como uma problemática que não podemos ignorar quando nos debruçamos sobre as situações da ausência de disciplina nas nossas escolas. O que, no nosso caso, terá que ser entendido não como um subterfúgio tendente a desresponsabilizar estas organizações face ao fenómeno em apreço, mas antes como uma abordagem que não poderá iludir o facto das escolas serem espaços do e no mundo. É reconhecendo este facto que, olhando para o ocidente deste mundo, se constata que a vida aqui acontece, em geral, através de uma relação algo contraditória entre os indivíduos e a ideia de autoridade. Uma relação através da qual se verifica que não há modelos de autoridade prefigurados e inquestionáveis que possam ser dissociados dos tipos de interacções concretas que se vão estabelecendo no seio dos mais diversos espaços sociais que todos nós vamos percorrendo. Daí que não seja por acaso que Habermas (1993) defenda que a época em que vivemos se caracteriza mais pela desestruturação do superego do que pela valorização das personalidades autoritárias.
Se esta é uma das propriedades do mundo que andamos a construir e que pode contribuir para a reflexão sobre o assunto que justifica este artigo, há, ainda, duas questões adjacentes que importa esclarecer: (i) uma que tem a ver com a valorização das experiências não coercivas como condição de uma educação mais humanizada e (ii) outra que diz respeito às dificuldades da definição dos limites como operação educativa necessária. Ambas as questões entroncam na problemática da relação mais ou menos tumultuosa entre os indivíduos e a autoridade, explicando-se, assim, o equívoco subjacente à primeira e o incómodo, aparentemente sem sentido, que a segunda revela. É que a ideia de que uma educação mais humana não admite coerções é uma concepção tão ilusória quanto perigosa, do mesmo modo que a afirmação da possibilidade de se definir os limites da acção humana sem hesitações, como expressão de competência educativa, não deixa de ser mais do que uma crendice. Enquanto no primeiro caso se ignora que não é a coerção que impede uma educação mais humanizada, mas a falta de sentido e a arbitrariedade da mesma, no segundo caso, pelo contrário, o que não se compreende é que a definição dos limites só poderá ser abordada como uma tarefa imediata se estivermos perante uma situação tão consensual quanto é possível sê-lo, de forma a que, por isso, se possam facilitar os processos de comunicação entre os intervenientes aos quais a situação diga respeito.
A última questão que importa abordar no âmbito da reflexão proposta diz respeito à demissão educativa como estratégia relacional, ainda que seja necessário afirmar que a coberto de tal demissão se exprimem realidades distintas entre si. É que se a demissão educativa pode pressupor o desinvestimento numa relação, nem sempre é esta a explicação mais adequada para elucidar um tal fenómeno. Por vezes, falamos de demissão quando não somos capazes de lidar com as situações e hesitamos; quando não conseguimos enfrentar os preconceitos que derivam de leituras padronizadas da realidade que os outros podem experienciar ou quando estamos sujeitos a uma sobrecarga de tarefas que dificulta uma gestão mais ampla e conseguida das nossas vidas. Em qualquer dos casos estamos perante situações que influenciam o nosso modo de nos relacionarmos com a autoridade e, sobretudo, de construirmos uma relação cidadã com esta mesma autoridade. Uma relação que não nos conduza a subserviências inúteis ou a atitudes irresponsáveis que os discursos neoliberais, do ponto de vista da retórica que os fundamenta, tanto têm vindo a favorecer.
Há que reconhecer, em jeito de conclusão e em primeiro lugar, que não podemos deixar de enquadrar a problemática da indisciplina nas nossas escolas na relação que todos estabelecemos com o mundo. De algum modo, a indisciplina exprime, também, essa dificuldade de definirmos o que é o bem comum e de estabelecermos, assim, consensos sobre as modalidades através das quais se erguem os actos e as acções educativas que têm lugar no mundo em que habitamos.
Há que reconhecer, também e em segundo lugar, que não se pode exigir a uma mãe ou a um pai que se assumam como educadores perfeitos quando não podem deixar de andar emaranhados nas agruras de quotidianos onde, mais do que cidadãos e cidadãs, temos que ser, acima de tudo, produtores eficazes e competitivos.
É, por isso, que problemática da indisciplina e da violência tem que ser vista, também, como uma problemática que nos obriga a reflectir e a intervir no mundo e nas sociedades em que vivemos, de modo a estabelecer-se as condições que podem contribuir para que possamos responder às exigências educacionais que contemporaneamente consideramos ser necessárias para se viver nesse mundo e nessas sociedades.

BIBLIOGRAFIA
Habermas, J. (1993). Técnica e ciência como «ideologia». Lisboa: Edições 70.

N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008
a pagina
Autoria:
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

domingo, 25 de abril de 2010

O rei vai nu

Há cerca de vinte anos, fiz uma afirmação, que deixou muitos professores indignados. A indignação não me surpreendeu, pois há sempre quem reaja, quando o texto não é "politicamente correcto". Ainda hoje, há muitos professores indignados com o que eu digo, ou escrevo. Haverá sempre quem recuse ver que o rei vai nu. Mas o futuro tem mostrado que aquilo que é verdadeiro acaba sendo provado. Mesmo que os "indignados" tentem tapar o céu com a peneira?
Afirmei haver estudantes que alcançam o canudo sem nada terem aprendido, porque plagiam trabalhos de outrem, porque parasitam trabalhos de grupo (nos quais, um ou dois se esfalfam e os restantes levam a nota?), ou copiam nos exames.
Há cerca de dois anos, quando um ministro de triste memória quis ressuscitar os pretensos méritos dos exames, voltei à liça, para demonstrar que os testes, provas e exames pouco ou nada avaliam. Terminei a série de artigos então publicados com um apelo aos professores: que fossem mais rigorosos na avaliação, para poderem dispensar os inúteis exames. Agora, um jornal deu a conhecer as conclusões de um estudo, que mostra terem sido justas as minhas palavras de há vinte anos: três quartos dos alunos das nossas universidades copiam como uns desalmados.
O estudo divulgado tem um título bem sugestivo: "Copianço nas universidades, o grau zero da qualidade". O autor refere que a carga moral da assunção de uma conduta desviante pode ter calado mais do que um dos alunos inquiridos. Mas que, apesar deste possível desvio por defeito, serão "três quartos" os que exercem a arte do copianço.
Os professores-polícias são ineficazes face à criatividade dos alunos: um auricular escondido no cabelo comprido, um micro "auxiliar de memória" em tamanho de cromo, uma mensagem no telemóvel, o espírito santo de orelha. No jogo do gato e do rato, o felino docente somente logra desenvolver no rato discente competências e habilidades que reforçam o faz-de-conta da avaliação por exame.
Os professores que policiam a realização das provas somente conseguem, sem que disso se apercebam, "ensinar valores"? Partindo do pressuposto de que todos os alunos são seres potencialmente desonestos, estimulam a deslealdade, a mentira, a dissimulação, a falsidade?
Diz-nos o estudo que copiar faz parte do currículo dos universitários portugueses, um mundo de hipocrisia, onde as notas reflectem mais a habilidade do que o conhecimento.
Os exames somente traduzem "habilidades periféricas dos estudantes" e "a incapacidade real da universidade para medir o seu real desempenho". Assim vão as nossas escolas, com a universidade dando o exemplo. À fraude dos exames deveremos juntar a aplicação leviana de testes e o surrealismo das pautas trimestrais que, em escala ordinal, dão conta das classificações dos alunos. Todas são filhas dilectas de práticas de avaliação tão obsoletas quanto a Escola que ainda temos.
Quase todos os inquiridos admitiram que "tanto copiam os maus como os bons alunos",
O objectivo é conseguir o canudo, seja lá como for, o que "denuncia uma frequência escolar mais orientada para o sucesso certificado e nominal do que para o sucesso substantivo e real".
O sociólogo autor do estudo é digno da minha admiração, pois, sendo professor universitário, teve coragem de revelar bastidores da sua instituição. É bom saber que não se está sozinho. Pena que sejam tão poucos os que ousam dizer o que é preciso que seja dito: que, no capítulo da avaliação, como em muitos outros domínios, o rei vai nu. Distribuindo certificados e diplomas, mas não cuidando de qualificar os seus alunos, as escolas dão um significativo contributo para aquilo que parece ser um desígnio nacional, e que já foi profetizado em estudos internacionais: Portugal conseguir ser o país mais atrasado da Europa.
Há cerca de cinco anos, no rescaldo de uma palestra, em que eu (fraternalmente!) zurzi nas práticas de avaliação mais vulgarmente utilizadas pelas escolas, uma jornalista fez-me a pergunta seguinte:
O que faria para resolver o problema do "copianço"?
Questionei:
O "copianço" é mesmo um "problema", ou consequência de um problema bem maior? A jornalista não entendeu a pergunta, ou não quis entender, porque insistiu:
Que sugestão daria para resolver este problema?
Eu satisfiz a sua curiosidade, recorrendo a alguns considerandos:
Se uns alunos copiam e outros não, se o acesso à informação deve ser democratizado, se queremos ser justos, bastará que se acrescente ao currículo nacional mais uma disciplina. Poderá chamar-se, por exemplo, "Metodologias e técnicas do bem copiar". Depois, far-se-á um concurso interno, em cada escola, de modo a seleccionar o professor para a leccionar ? aquele que, no seu tempo de estudante, tenha dominado bem a utilização de cábulas e copianços. Com a carga horária de uma hora semanal, esta disciplina habilitaria todos os alunos ao uso da variedade de recursos disponíveis nesse campo do saber. Deste modo, estaria assegurado o cumprimento do princípio que nos diz ser a escola uma estância de igualdade de oportunidades.


José Pacheco

sábado, 24 de abril de 2010

Investigação no 2º ciclo da formação inicial de professores: uma oportunidade


Apresentei algumas críticas ao 1º ciclo da formação de professores e de educadores. No essencial, essas críticas referem-se ao carácter generalista e à ausência de sentido profissionalizante que habilite os licenciados a concorrerem ao mercado de trabalho com uma credencial correspondente à importância do grau. No entanto, este modelo de formação, em dois ciclos, oferece novas oportunidades para a promoção da qualidade e do estatuto docente. Uma das condições é que o 2º ciclo se consolide, como qualquer mestrado, enquanto efectiva especialização e que, nessa condição, a investigação constitua um importante núcleo da formação. O mestrado, como condição para a docência, constitui uma real oportunidade para as instituições de formação (faculdades e, em particular, ESEs) realizarem investigação, o que desde há muito reclamam e que, por falta de condições, dificilmente têm feito. Além disso, podem fazê-lo de acordo com processos que favorecem a qualidade de formação dos estudantes enquanto (futuros) professores/investigadores; a produção e disseminação de conhecimento face às realidades práticas de formação e de desempenho docente; e a afirmação das instituições enquanto potenciais centros de investigação. Pode quebrar-se, assim, a tradicional representação ? nem sempre real - de que a função exclusiva das instituições é preparar professores e educadores de acordo com modelos de ensino reprodutivos. Esta imagem tende a ampliar-se quando estão em análise as Escolas Superiores de Educação. Na actual situação, tendem a diluir-se os elementos que distinguiam os modelos de formação de professores e de educadores nas Universidades e nas ESEs, embora com a óbvia diferença de que as primeiras, por diversas razões, sempre realizaram mais investigação. A qualidade da investigação torna-se assim um factor distintivo de qualidade da formação em que as ESEs têm de investir. Para isso dispõem dos necessários elementos. Os professores, investigadores e estudantes podem capitalizar a sua posição estratégica na intersecção da prática de formação, a intervenção educativa e a componente teórica e reflexiva dos cursos. Além disso, a diversidade do corpo docente representa um capital de ideias gerador de diversas perspectivas de investigação educacional.
E qual o lugar do 1º ciclo de formação na construção de uma cultura de investigação nas instituições de FIPE? O primeiro ciclo de formação pode constituir um período para promover atitudes de exigência dos estudantes face ao conhecimento disponível. A licenciatura constitui um contexto para emergência de projectos de investigação relevantes, mas não me parece prioritário o envolvimento dos estudantes desse nível em tais projectos. A sua maioria não sente ainda a relevância da prática de investigação para a sua actividade futura. Como professores a experiência diz-nos que, para tal, lhes faltam as atitudes indispensáveis face ao conhecimento disponível. Prevalece, o efeito dos modos como, no ensino secundário, ele é abordado. Aí é, basicamente, veiculado pelos manuais escolares enquanto coisa feita e curricularmente servida e reproduzida. Serão poucos os professores de cursos de licenciatura que não depararam com trabalhos académico elaborados a partir de informação disponível ? nomeadamente na internet ? sem qualquer cuidado de selecção, tratamento e, mesmo, de identificação de fontes. Como todos o sabemos, é frequente, na realização desses trabalhos, o recurso à simples técnica de ?copy and pass`.
A investigação ao nível da licenciatura, para além da sensibilização dos estudantes para aspectos teóricos e metodológicos do processo da construção do conhecimento, deve atribuir a maior das prioridade à promoção da exigência pessoal e ética na procura, selecção, tratamento e utilização dos conhecimentos já existentes nos seus domínios da sua formação. O recurso sistemático a artigos científicos que, simultaneamente, proporcionem o acesso aos conhecimentos objecto dos conteúdos curriculares e aos processos seguidos para a sua construção, constitui uma forma de o fazer.
A prioridade na exigência pessoal e ética na selecção e utilização dos conhecimentos já existentes, durante a licenciatura, constitui condição indispensável para abordagens mais exigentes do conhecimento - incluindo a investigação - no 2º ciclo de formação. Este é já um grande contributo da licenciatura em Educação Básica para a investigação.


Carlos Cardoso

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Será justa a liberdade de escolha da escola?


A liberdade de escolha da escola continua a ser um dos debates que desperta grande atenção política e mediática. É sem dúvida o aspecto de política educativa que polariza de um modo mais claro as posições ideológicas e o âmbito da gestão pública que projecta o difícil equilíbrio entre governabilidade e equidade dos sistemas educativos. Contudo, a politização do debate exclui frequentemente as necessárias reflexões a partir da filosofia política a respeito da dimensão normativa da liberdade de escolha. Uma reflexão imprescindível para determinar o carácter justo ou injusto das decisões de política educativa a respeito da escolha de escola. Perguntemo-nos, portanto, se é justa ou não a liberdade de escolha da escola.
As ópticas a partir das quais se pode dar resposta a esta pergunta são muitas. Procurarei responder a esta complexa questão a partir dos critérios de justiça proporcionados por John Rawls, um filósofo político respeitado e reconhecido mesmo por posicionamentos nada radicais. Segundo Rawls, existem dois princípios básicos de justiça. O primeiro sustenta que cada pessoa deve dispor de um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com similares liberdades para todos. O segundo afirma que as desigualdades económicas e sociais só são admissíveis se existir igualdade de oportunidades e se forem necessárias para que os que tenham menos possam estar «melhor do que estariam em qualquer outra situação viável». Este segundo princípio dá lugar à regra de escolha «maximin», segundo a qual se devem hierarquizar as alternativas de distribuição conforme os seus piores resultados possíveis e escolher aqueles cujos piores resultados sejam melhores do que os das outras opções.
Veja-se que o segundo princípio de Rawls não questiona a possível existência de desigualdades. Os resultados das distribuições justas de recursos e oportunidades podem dar lugar a aproveitamentos desiguais por parte dos indivíduos, sempre que a dita distribuição garanta as liberdades básicas e a igualdade de oportunidades para aceder aos recursos, e sempre que se trate da distribuição que deixe melhor os que pior estejam. Dito de outro modo, as desigualdades de acesso entre os indivíduos, ou de qualquer outro 'bem primário', podem ser justas sempre que as oportunidades que a sociedade lhes proporcione sejam iguais e que os menos favorecidos não só obtenham mais vantagens dessa distribuição do que de outras possíveis, mas que obtenham tantas quantas possam obter, por mais que exista uma distribuição que proporcione resultados mais eficientes ou permita que outros indivíduos ou grupos gozem de maiores benefícios.
Não haja dúvidas de que nas democracias liberais contemporâneas nenhuma instituição como a escola ostentou a legitimidade para fazer valer o princípio de igualdade de oportunidades. A escola, desde a segunda metade do século XX, converteu-se no mecanismo socialmente partilhado para que nenhum impedimento distinto do talento e do esforço dos indivíduos determinasse as possibilidades de ascensão social. À educação, desde então, atribuímos colectivamente a responsabilidade de garantir que o acesso à posição e aos recursos seja merecida e não arbitrária, ou, o que vai dar ao mesmo, que o estatuto social seja adquirido e não atribuído por razões de sangue, herança económica ou favoritismo político. Colectivamente, portanto, convertemos a escola na instituição representativa do princípio de igualdade de oportunidades rawlsiano. Por outro lado, a tradução da regra maximin para o âmbito duma instituição como a escola consistiria em assegurar que nenhum mecanismo de acesso à mesma (para além daquele realizado através do mercado ou da intervenção pública), ou às condições do seu desfrute, pudesse prejudicar as oportunidades futuras dos menos favorecidos.
Cabe perguntar então se o proporcionar liberdade aos pais de escolher livremente a escola que desejam para os seus filhos pode ser aceitável do ponto de vista da justiça. Se, e só se, se considerasse que a liberdade de escolher escola não prejudica as oportunidades dos menos favorecidos estaríamos perante um sistema de distribuição justo. Se, pelo contrário, a liberdade de escolha tiver consequências sobre uma distribuição de recursos que se repercuta negativamente sobre as oportunidades dos menos favorecidos, deveríamos considerar quanto é que se deve limitar a liberdade de escolha de modo a que esta seja corrigida para que os que estão pior maximizem a sua posição em relação a outros cenários possíveis.
E o que é que aconteceu até agora em Espanha, com a liberdade de escolha de escola? A Constituição Espanhola de 1978 garantiu tanto a liberdade de escolha de centro escolar como a faculdade dos poderes públicos de garantir o direito de todos os cidadãos à educação em condições de igualdade através da planificação e regulação das vagas escolares. Tanto a Lei Orgânica do Direito à Educação (LODE) de 1985 como a Lei Orgânica da Educação de 2006 traduzem estes princípios constitucionais numa regulação que permite a liberdade de escolha de escola por parte das famílias, mas restringindo-a, no caso do acesso aos centros financiados com fundos públicos (no caso dos centros completamente privados não existem restrições à liberdade de escolha), nas situações de excesso de procura, quer dizer, nos casos em que o número de solicitações para obter vaga num centro escolar supera as vagas disponíveis. Neste caso, ambas as leis ordenam o processo de admissão de alunos a partir dos critérios de irmãos matriculados no centro, proximidade do domicilio, nível de rendimento da unidade familiar e a ocorrência de incapacidade do aluno ou de algum dos seus pais ou irmãos.
As medidas introduzidas pela LODE para regular o processo de admissão de alunos delimitaram, pois, a liberdade absoluta de escolha de centro com base na consideração de que, sem a intervenção pública, produzir-se-iam situações de distribuição de alunos que se repercutiriam nas oportunidades educativas dos grupos mais desfavorecidos. Uma distribuição que seria injusta, segundo os princípios de Rawls. Contudo, o irónico do caso, para não dizer o dramático, é que apesar de se dispor duma lei tão 'intervencionista' como a LODE, o balanço actual está muito longe de reflectir igualdade nas oportunidades educativas. É certo que a enorme desigualdade de que partia o sistema educativo herdado do franquismo conseguiu inicialmente ser reduzida graças a um processo de democratização que favoreceu o acesso ao ensino por parte de grupos tradicionalmente dela excluídos. Mas hoje, qualquer olhar à distribuição de alunos nas nossas escolas capta o facto de que mesmo com a intervenção pública estamos perante um acesso desigual de dados alunos a dadas escolas. Apesar da 'coerção à liberdade de escolha' que a LODE introduziu, os alunos mais desfavorecidos concentram-se em determinadas escolas, escolas que reúnem a nova imigração e alunos autóctones em situação de risco social, enquanto que outros centros, na sua maioria contratados, mas também alguns públicos, gozam de uma homogeneidade social que lhes permite desenvolver os processos de ensino-aprendizagem sem terem que se ocupar em saber se os seus alunos conhecem a linguagem de ensino, ameaçam ou não os professores ou se vêm todos os dias às aulas.
Sempre haverá quem defenda que o facto de serem sempre os grupos socialmente mais desfavorecidos aqueles que pior pontuam nas provas PISA ou que não conseguem aceder ao Bacharelato ou à Universidade se deve à sua falta de motivação, ao seu escasso esforço ou à sua inferioridade intelectual. Mas todos aqueles que acreditamos que estes factos têm que ver com uma distribuição desigual das oportunidades educativas, estamos em condições de responder que a liberdade de escolha de escola, na medida em que supõe um sistema de atribuição insuficiente para maximizar a situação dos que estão pior, é injusta. Poder-se-á, se se quiser, defender a liberdade de escolha a partir de valores isolados ou unilaterais como a liberdade individual ou a utilidade pessoal, mas não a partir da justiça.


Xavier Bonal

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O mercado em educação e as explicações


Em época de exames nacionais, lembrei-me de convocar um assunto correlacionado que, estando há muito presente como prática social e educacional em diferentes países, como Portugal, só agora, todavia, começa a ter, entre nós, a visibilidade académica necessária enquanto objecto de estudo e pesquisa. Estou a referir-me ao fenómeno que, em Portugal, é conhecido como explicações. Esta prática educativa (e, sobretudo, instrutiva), informal ou não-formal, constitui uma estratégia de acompanhamento e/ou reforço académico de estudantes de todos os níveis de ensino, e chega a substituir, em alguns casos, os processos, tempos e lugares escolares (normais) de ensino e aprendizagem. Trata-se de uma prática predominantemente remunerada, frequente ou esporádica, individualizada ou envolvendo grupos de estudantes, exterior ao sistema educativo escolar público mas desenvolvida com ou sem professores vinculados a escolas públicas ou privadas, que se insere, muitas vezes, em actividades da economia informal e que, actualmente, decorre também de uma oferta crescente (de iniciativas da economia formal) por parte de organizações ou centros educativos específicos (nacionais ou em sistema de franchising com organizações similares internacionais). A propósito das explicações como facto educativo e objecto de pesquisa, pude este ano, de forma mais assídua e colaborativa, manter um contacto estreito com colegas do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro. Estando estes colegas a finalizar a primeira fase de um importante projecto de pesquisa sobre as explicações (com contributos teóricos e empíricos muito pertinentes e actuais para a compreensão sociológica de uma prática educacional com várias dimensões socialmente relevantes, mas quase não estudada em Portugal antes desta equipa iniciar os seus trabalhos), pareceu-me que era adequado fazer hoje uma breve reflexão sobre este assunto. As explicações (private tutoring) são uma prática social e educacional que pode, como mostra a equipa do projecto XPLIKA, constituir-se como um objecto de pesquisa e reflexão extremamente actual e acutilante. As explicações, enquanto objecto de estudo sociológico, permitem estabelecer pontes teóricas e empíricas com praticamente todos os aspectos que actualmente são centrais em Educação e nas políticas educativas (avaliação, liberdade de escola dos estabelecimentos de ensino, competição e emulação, rankings, ressemantização dos pais e alunos como consumidores, processos de remeritocratização escolar e de crescente selectividade de alguns cursos superiores, mudanças no mercado de trabalho, crise da juventude, "individualismo possessivo", crise da educação escolar, neotaylorização do trabalho docente, democratização versus (re)elitização, desigualdades sociais e educacionais, mercadorização da educação, internacionalização das agendas educativas e sistemas de franchising ?) Assim, para a análise sociológica (sobretudo da sociologia da educação e políticas educativas), nada melhor do que estudar um objecto como as explicações: ele condensa uma série de aspectos muito heterogéneos e amplos (quer do ponto de vista teórico-conceptual, quer empírico), que vão desde as alterações ao papel do Estado à globalização hegemónica ou à internacionalização do capitalismo, passando pelas questões do mercado em educação ao papel da sociedade civil e aos mass media; das políticas sociais e educativas (igualitárias, meritocráticas e elitistas) às mutações no mercado de trabalho e às estratégias das classes sociais face à escola, entre muitos outros. Vale a pena, por isso, tomar contacto com os trabalhos, já realizados e em curso, dos colegas da Universidade de Aveiro para perceber melhor como é possível (e desejável) reactualizar, de forma consistente e pertinente, os nossos objectos de pesquisa. Entre muitos outros aspectos que merecem uma análise cuidada, as explicações, a que muitas famílias (sobretudo da classe média, mas não só) recorrem na esperança de contribuir para melhorar as performances académicas dos seus filhos e, assim, aumentar as probabilidades de manutenção ou de mobilidade social ascendente, interagem com muitos outros factores que podem (ou não) agravar as desigualdades já presentes na sociedade actual e no sistema educativo, nomeadamente quando estas alimentam (e são alimentadas) pela crise da escola pública e potenciadas pela ideologia de mercado (ou por outras expressões de apartheid educacional). Esta é, sem dúvida, uma problemática a retomar nas nossas pesquisas. Aqui reside, portanto, um objecto de investigação e estudo (que adequadamente se tem designado de mercado das explicações) que não pode deixar de contribuir para uma maior reflexividade social e autoconfrontação em torno das mudanças e dilemas actuais da Educação.



Almerindo Janela Afonso

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Começaremos a resolver a crise da profissão e da educação quando decidirmos reinventar um novo sistema educativo

A partir dos anos setenta do século XX os sistemas educativos mostraram-se desadequados à nova procura social. Experimentaram-se as reformas globais e puseram-se em marcha outras que atacavam este ou aquele aspecto estruturante do sistema. Umas e outras destas reformas, tiveram como resultado mais visível, uma degradação da qualidade do ensino, um alargamento desmedido do mandato atribuído às escolas, um aumento da crítica e do descontentamento social face à educação e ao ensino, o desprestigio social do estatuto profissional dos professores e um progressivo aumento do mal estar docente.
A falência destas reformas é hoje inquestionável. O poder dominante usou, e continua a usar, os professores como «bode expiatório» para justificar o insucesso continuado das suas políticas de reforma. Neste processo reformista os alunos e docentes foram os mais penalizados.
Mais do que reformar defendemos a necessidade de reinventar os sistemas educativos abrindo novos caminhos à educação pública e à profissão docente. Este desiderato passa por dar autonomia às escolas e ao exercício da profissão. Pela ousadia e pela capacidade de colocar radicalmente em questão os actuais sistemas educativos, por sermos capazes de encontrar um novo valor de uso para a educação, por escolher e abrir, colectivamente, novos caminhos à profissão docente.
É este o grande desafio que se coloca à actual geração de professores. É necessário encontrar outras lógicas de enfrentamento dos actuais problemas educativos e da actual crise da profissão docente. Essa reflexão-acção é inevitavelmente política. Tem conteúdo ideológico. Obriga a tomar partido. Não se pode esconder por detrás de uma fingida neutralidade da ciência. É essa acção-reflexão comprometida que continuamos a propor. O que quer e o que faz a direita? No campo educativo a direita quer o que está a fazer com o apoio dos pesquisadores, cientistas e docentes politicamente insonsos. A direita[1], em nome da descentralização e da autonomia, centraliza fortemente as decisões que estruturam e dominam o andamento global do sistema, controlando os conteúdos a ensinar, o modo de submeter os alunos a uma formação que responda aos interesses da classe dominante e, em nome do mérito, garanta que o sistema reproduz uma sociedade cada vez mais hierarquizada e polarizada. O que pensa, organiza e faz a direita está à mostra. Que a apoie quem quiser.
A árvore da esquerda ? não só da coisa educativa, mas em geral ? mostra-nos ter hoje dois ramos, cada um com os seus galhos (uns vivos, outros secos). Um desses ramos é o da Esquerda Progressista, o outro o da Esquerda Crítica.
O ramo progressista aceita o sistema capitalista. Parafraseando Greg Palast, a Esquerda Progressista deseja "a melhor democracia que o dinheiro pode comprar". O reflexo deste posicionamento na educação traduz-se num esforço para procurar políticas que promovam a melhor distribuição social dos benefícios do ensino e da educação, sem tocar na estrutura-base do sistema. Os pedagogos progressistas são os partidários das «coisas giras». Preocupam-se com o carinho a dar aos «meninos» e esgotam o seu esquerdismo em temas como «a igualdade de género», o acompanhamento social e psicológico dos «meninos-problema» e outros temas afins «muito giros». Nada que ponha radicalmente em causa os fundamentos do sistema, a desigualdade e a exploração capitalista.
Por seu lado, o ramo crítico toma como sustentação do seu pensamento e acção o fim da exploração capitalista. Como modo de intervenção usa «o poder suave»[2], isto é, a aposta no debate, na cooperação e na renúncia a toda a acção violenta. O pensamento crítico não sendo compaginável com o capitalismo, não pode ser confundido com as «políticas de protesto» ? populares num certo sindicalismo ?, estas são, quando muito, um seu galho (seco), ainda que eu as veja como um epifenómeno da sociedade capitalista.
O pensamento crítico, usando o poder suave, tem em conta o movimento dialéctico da sociedade e as suas rupturas. Reconhece que a maturidade política se revela em cada ser humano quando este assume livremente a sua sorte abandonando as suas pretensões infantis a mandar sozinho no Mundo e a impor-lhe as suas convicções, emoções, crenças, caprichos ou preconceitos. É o reconhecimento dos direitos políticos dos outros que nos permite assumir o nosso poder de facto, como prémio da nossa renúncia em querer para nós o poder e a verdade absoluta. Também em política «quem tudo quer tudo perde».
A maioridade política é um processo em que nos inserimos e nos permite ver a democracia como a cidade onde os humanos conversam, se confrontam na Praça da República, argumentam e decidem cooperativamente sobre os caminhos mais aceitáveis. Caminhos de todos, despidos de violência e que nunca são perfeitos, ideais, acabados. São apenas caminhos públicos, aceitáveis, justos, transitórios e com rumo.
O pensamento crítico, e o poder suave, trabalham para construir o colectivo (e o individual decorrente deste), numa dada geografia, num dado tempo e num projecto partilhado com os demais sujeitos do processo histórico.
Na vivência deste processo histórico o crítico recusa radicalmente a exploração de classes e gera novos conhecimentos e novas práticas sobre como viver cooperativamente numa sociedade impulsionada por nós próprios.
A esquerda crítica serve-se de uma pedagogia crítica humanista. Para ela os direitos económicos são parte de uma luta mais ampla pelos Direitos Humanos, pela justiça social e por uma sociedade democrática plural, cooperativa e protagonista. Esta esquerda é patriótica, de um patriotismo sem nacionalismo, porque a sua pátria é o Mundo.
A esquerda crítica, e o poder suave, não circunscrevem o conhecimento à produção de prestigio e bem estar social. O prestigio e o bem estar social não são indicadores da boa sociedade humana. A aproximação ou o distanciamento da prática dos Direitos Humanos, esses sim, são indicadores da boa sociedade.
A esquerda crítica ? com o seu poder suave ? nunca é dona da verdade. Não ordena, não exige, procura, constrói. Não é sectária. Não é arrogante e não tem medo. "Se limitarmos a nossa actividade [social e política] devido ao medo, então essa é a atitude menos patriótica [no sentido universal] que podemos ter"[3].
É, pois, sem arrogância, sem violência e sem medo, com serenidade e inteligência que recusando o que está e a reforma do que está, a esquerda crítica deve ser chamada a descobrir e a construir os novos caminhos da educação (e da vida) mais aceitáveis, mais justos e viáveis. É para essa reinvenção colectiva que o colectivo deste jornal trabalha e vos convida. E boas férias!

[1] Mesmo a que se apelida de esquerda
[2] Sobre o «Poder Suave» publiquei, entre outros, um texto na Página de Janeiro de 2008
[3] Nathalia Jeramillo



José Paulo Serralheiro

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Educação para o consumo em meio escolar


Os estilos de vida são uma das quatro grandes áreas de intervenção do Programa Nacional de Saúde Escolar, tendo, no contexto daquela, sido considerados doze subáreas prioritárias, muitas das quais temos vindo a abordar em crónicas anteriores. Este mês, concentrar-nos-emos na educação para o consumo.
Actualmente, vivemos numa sociedade de consumo, i.e., uma sociedade caracterizada pela extrema variedade e abundância de bens e serviços disponibilizados ao consumidor, em que se desenvolvem técnicas agressivas de estimulação ao consumo, nomeadamente a publicidade, o marketing e a facilitação do acesso ao crédito. As suas principais características são: 1) a uniformização dos gostos dos consumidores; 2) a cultura ter-se transformado numa "cultura de massa"; 3) a redução do ciclo de vida dos produtos, a denominada obsolescência planeada; 4) o lazer implicar consumo; 5) a compra ser por vezes encarada só por si como um divertimento; 6) a presença constante do marketing; e 7) a passividade do consumidor.
Podemos dividir em quatro as ideias-chave do nosso comportamento enquanto consumidores: 1) O consumidor busca obter o máximo de benefícios e prazer dentro dos seus recursos; 2) o ser humano é emocional e motivado por afectos conscientes e/ou inconscientes; 3) o ser humano é social e movido por regras do grupo (realização da vida social, integração social); e 4) o comportamento do consumidor é um dos fenómenos que mostra a estrutura do ser humano, no sentido em que, apesar da enorme variedade do comportamento humano, parece existir uma base comum e finita de objectivos e necessidades, que transparecem numa infinidade de modos de satisfazê-las.
O consumismo, conjunto de comportamentos e atitudes que levam ao consumo indiscriminado, excessivo e compulsivo de bens sem qualquer critério de racionalidade, origina graves consequências, tais como o sobre-endividamento das famílias, a degradação ambiental e os riscos para a saúde.
Nos países desenvolvidos, em grande parte devido à acção dos movimentos dos consumidores, a psicologia do consumidor está a evoluir no sentido do consumerismo. Por consumerismo entende-se a acção social permanente de grupos ou instituições que exprimem os interesses dos consumidores, acção essa conduzida a vários níveis para legitimar ou aprofundar os seus direitos, incluindo-se aqui a intervenção no mercado, com os objectivos de aperfeiçoar a qualidade de vida e valores sociais.
A responsabilidade social do consumidor consiste sobretudo numa consciência crítica perante os abusos gerados pela sociedade de consumo e no reconhecimento não só dos seus direitos como também nos seus deveres. Através de uma acção consumerista, o consumidor é levado a comportar-se como um consumidor esclarecido, recusando o consumismo.
Em meio escolar, quando integrada num projecto de intervenção, esta temática deve ter uma abordagem transversal, englobando, p.e., as disciplinas de português (conceitos e reflexão sobre consumo, consumismo, sociedade de consumo), matemática (exercícios relacionados com a prática do consumo), estudo do meio (estratégias do marketing, consequências da sociedade de consumo) e expressão plástica (manifestações críticas face à sociedade de consumo, através do desenho, pintura, teatro), entre outras. Anteriormente, como temos vindo a defender, deve ser explorado o auto-conceito, a resiliência e o empowerment, úteis à tomada de decisões conscientes, de modo a se desenvolverem atitudes e comportamentos que tenham em conta o equilíbrio entre as necessidades e os recursos e a consciência crítica enquanto consumidores, bem como um posterior treino das competências adquiridas.


Paula Aires Pereira
Nuno Pereira de Sousa

domingo, 18 de abril de 2010

Para onde vai a escola pública?


Os professores estão de parabéns. Com a defesa da escola pública têm dado, mais do que ninguém, um contributo inigualável para o atenuar das desigualdades sociais e para a futura construção de um Portugal, também ele, menos desigual.

A escola pública é, talvez, a maior conquista educacional da sociedade portuguesa das últimas três décadas. Uma escola democrática, inclusiva, de todos e para todos, que valorize a cidadania, a aprendizagem, a formação e a educação de crianças e jovens, não pode ser mais um dos mitos elaborados no seio das ciências da educação. Antes é uma realidade que se tem vindo a construir dia a dia, com muito esforço e sacrifício de toda a comunidade escolar, porque é um princípio por que vale a pena lutar, já que fortalece a democracia e a construção de um mundo com mais harmonia e mais respeito pela natureza e pela pessoa humana.

Os professores estão de parabéns. Com a defesa da escola pública têm dado, mais do que ninguém, um contributo inigualável para o atenuar das desigualdades sociais e para a futura construção de um Portugal, também ele menos desigual.

Não estranha, pois, que nesta infeliz conjuntura de desalento e de fortes emoções, os profissionais do ensino com mais consciência social e cultural vejam os perigos que espreitam a esta escola democrática, erguida sobre a estrutura de um ensino elitista que o Portugal do após 25 de Abril herdou da ditadura.

Porém, o então ainda sonho de pensar uma escola que promovesse a igualdade de oportunidades e atenuasse as desigualdades sociais viria a revelar-se como uma das grandes motivações para a acção das últimas décadas do século XX.

Conseguiu-se ainda pouco? Estamos a trabalhar para resultados que apenas serão visíveis daqui a duas ou três gerações? As políticas educativas encheram o caminho de obstáculos difíceis de ultrapassar?

É verdade: nas respostas a estas questões temos que dar o nosso acordo. Todavia, isso não invalida que, mesmo os mais cépticos, não reconheçam que as democracias europeias estão longe de poder inventar uma outra instituição pública capaz de corresponder, com tanta eficácia, às demandas sociais, quanto o faz ainda hoje a escola pública de massas. Mesmo sabendo-se que há fenómenos, mais ou menos recentes, que colocam em causa os pressupostos dessa mesma escola pública, como o são o aumento da violência nas escolas e a generalização do bullying (sobretudo o mais sagaz e traiçoeiro, que é o que utiliza a internet e as SMS), o abandono e o insucesso escolar, a reprodução das desigualdades dentro da comunidade educativa, a incapacidade de manter currículos que valorizem para a vida, a erosão das competências profissionais dos docentes, acompanhada pela perda de estatuto remuneratório e social.

Infelizmente, hoje a vida nas escolas é muito menos atraente para quem nelas estuda e trabalha e a desmotivação dos professores e dos educadores acentuou-se com as medidas de política educativa que desvalorizaram a educação, que menorizaram a profissionalidade docente, e que, invariavelmente, conduziram à degradação das condições de trabalho de quem ensinava e de quem aprendia.

Todos sabemos, ou julgamos saber, como deve ser e o que deve ter uma escola pública que promova a aprendizagem efectiva dos seus aprendentes e o bem-estar e a profissionalidade dos seus formadores.

Todavia, há um grave problema que introduz toda a entropia nas escolas: é quando os governos se deitam a fazer contas sobre quanto custa garantir esses direitos. Sobretudo, quando a classe política sabe que o investimento em educação só produz efeitos a longo prazo, o que não se compagina com a gestão do calendário dos seus curtos ciclos eleitorais.

Não queremos uma escola que seja de baixa qualidade. Por isso, estamos com todos quantos defendem ser urgente relançar a defesa dos princípios fundadores da escola pública. Uma escola que seja exigente na valorização do conhecimento e promotora da autonomia pessoal. Uma escola pública, laica e gratuita, que não desista de uma forte cultura de motivação e de realização de todos os seus membros. Uma escola pública que, enfim, se assuma como um dos pilares da democracia e como um dos motores da construção de um país onde seja orgulhoso viver e conviver.

Formar a geração de amanhã não é tarefa fácil. Mas será certamente inconclusiva se avaliarmos a escola e o trabalho dos professores apenas segundo critérios meramente economicistas, baseados numa filosofia de desenvolvimento empresarial.

A escola é muito mais do que isso: é filha de um outro espaço social e de um outro tempo matricial. Defender a escola pública, nesta conjuntura de compreensível desilusão, é muito urgente. Por tudo isso, é importante que se continuem a exigir políticas públicas fortes, capazes de criarem as condições para que essa escola democrática seja, de facto, universal, gratuita e gratificante, e que se assuma, sem tibiezas, que o direito ao sucesso de todos é um direito fundador da democracia e do Estado de direito.


João Ruivo

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Turmas barulhentas


Enquanto este problema não for encarado como verdadeiro problema e os pais não tomarem medidas mais punitivas, ele manter-se-á.

O fenómeno 'turma barulhenta' tem vindo a generalizar-se. Habitualmente, os professores referem-se a estas turmas como sendo constituídas por alunos que não são propriamente mal-educados, mas são muito faladores. Às vezes, até há um número considerável de alunos com bom aproveitamento nestes grupos. No entanto, a conversa para o lado é uma constante. Numa reunião de pais em que recentemente estive presente, um deles referia que a maioria dos professores da turma do filho passava boa parte da aula a tentar manter o silêncio e que, no início das aulas, eram necessários quinze minutos para que todos os alunos se calassem e a abordagem das temáticas académicas pudesse iniciar-se.
Compreendo bem a preocupação deste pai, pois este é efectivamente um fenómeno altamente perturbador da aprendizagem.

A grande questão que se coloca é como agir face a este fenómeno, que aparentemente é fácil de resolver mas, em termos práticos, pode, por vezes, arrastar-se um ano inteiro sem que seja solucionado. A aliança entre pais e professores no sentido de combater este fenómeno é, por isso, fundamental.
Sei que os professores enfrentam este problema com grande apreensão, uma vez que ele gera frustração, dado que, como os próprios referem, 'passo a aula mandar calar'.

Também provoca desgaste pessoal, na medida em que o investimento realizado pelo professor no sentido de planear bem a aula vai muitas vezes por água abaixo porque, simplesmente, ninguém ouve o que está a ser dito. Que medidas tomar para tentar minorar o problema?

Frequentemente, há problemas no recreio que são transportados para a sala de aula e que perturbam o seu bom funcionamento. Sempre que o professor perceba que há guerras latentes por resolver é preferível, no início da aula, tentar que estas se resolvam rapidamente.

A forma como os alunos entram na sala de aula é também de grande importância e deve ser controlada. Se estes entram em repelão, atropelando-se uns aos outros, isso não favorecerá o bom início das actividades lectivas.

Os professores deverão também incentivar os alunos a tirar o material rapidamente da mochila, de forma a iniciarem os trabalhos imediatamente após se sentarem. Se este momento inicial se prolongar muito, estar-se-á a dar azo a que muitas conversas, que nada têm a ver com a aula, se instalem. Sempre que haja mudança de actividade é também fundamental que esta se faça rapidamente, para evitar assuntos paralelos.

A forma como os alunos estão dispostos na sala de aula é outro aspecto de grande importância, que nunca poderá ser desvalorizado. Se dois alunos estão sempre a pôr a conversa em dia, isso significa que têm automaticamente de ser separados.

Se nas reuniões em que contactou o professor ou o director de turma do seu filho, já houve queixas de que o seu educando é muito falador na sala de aula, que medidas tomou? Habitualmente, o discurso dos pais é de desvalorização face a esta questão, limitando-se a ralhar com os filhos. Se na reunião seguinte a queixa se mantiver, a medida tomada pelos pais é geralmente a mesma: uma breve chamada de atenção... e o problema mantém-se. Enquanto este problema não for encarado como verdadeiro problema e os pais não tomarem medidas mais punitivas, ele manter-se-á. Poder-me-ão questionar, os pais, mas como quer que eu controle o meu filho, se não estou na escola? É verdade, mas em casa há imensas fontes de reforço, que poderão ser retiradas à criança e que poderão ajudá-la a repensar a atitude mais correcta a tomar na sala de aula. Se os filhos perceberem que este comportamento também não é tolerado pela família, mais facilmente poderão mudar de atitude.

Saindo um pouco do contexto académico, parece-me que este fenómeno não é totalmente alheio ao facto de, em termos sociais, estarmos em permanente agitação, atropelando constantemente o discurso uns dos outros...

ADRIANA CAMPOS/Educare

domingo, 11 de abril de 2010

Marketing de causas nas escolas


Associação Portuguesa de Anunciantes lança terceira fase do Media Smart, um programa escolar de literacia para a publicidade destinado a crianças dos 7 aos 11 anos. Técnicas usadas em campanhas de solidariedade serão analisadas pelos mais pequenos.

É mais um módulo, o terceiro, totalmente dedicado à comunicação não comercial. O Media Smart, programa escolar de literacia para a publicidade nos diferentes media, concebido para crianças dos 7 aos 11 anos, entra numa nova etapa. A Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN), que promove a iniciativa, quer que os mais novos se debrucem sobre o marketing de causas e percebam como funcionam as técnicas usadas em campanhas de solidariedade, nomeadamente as planeadas pelas organizações não-governamentais.

Pretende-se uma abordagem mais dinâmica nas aulas e, por isso, há diversos materiais, incluindo em suporte audiovisual recente, para analisar vários itens relacionados com o tema. O que vai ser feito? Há muito por onde explorar e os alunos terão ao dispor ferramentas para criar um storyboard ou uma campanha multimédia. Primeiro, é preciso apreender conceitos e assimilar alguns temas importantes para depois usar a imaginação. Os mais pequenos tentam perceber como os profissionais da publicidade não comercial trabalham, quais os objectivos inerentes à divulgação de causas para depois arregaçar as mangas e aplicarem conhecimentos adquiridos.

Esta nova etapa do programa da APAN não descura os resultados de dois estudos de avaliação, utilização e notoriedade realizados para avaliar o impacto do Media Smart, que neste momento se encontra implementado em 33% das escolas do 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico. Dados conhecidos, dois anos depois do arranque do projecto, e que foram tidos em conta na hora de desenhar mais uma fase do programa que está já disponível a professores e escolas.

O Media Smart tem já um plano de acções para este ano e que aposta numa maior proximidade com as escolas, através de um reforço de colaboração com o Ministério da Educação, e na promoção da notoriedade conquistada. Em agenda estão oficinas de formação contínua para professores, workshops regulares, uma newsletter digital e uma campanha publicitária para divulgar o programa.

O Media Smart tem como principal objectivo desenvolver competências nas crianças, de forma a que compreendam e interpretem correctamente as mensagens publicitárias, e está a ser bem recebido pela comunidade educativa. A nota dada pelos docentes é positiva: 92% consideram que os materiais disponibilizados são muito interessantes e 86% garantem que tem havido uma boa adesão por parte dos alunos. Mais de 2 300 estabelecimentos de ensino aderiram ao Media Smart e 89% dos professores inquiridos consideram que os materiais do programa são criativos, 95% apelidam-nos de inovadores e 80% garantem que são eficazes.

Num dos estudos efectuados, os docentes adiantam que a Internet, os colegas e os meios de comunicação social são também responsáveis pela notoriedade do Media Smart. Além disso, o Ministério da Educação é referido como uma font_tage importante para a motivação das escolas na adesão ao programa.

O programa da APAN foi lançado em Fevereiro de 2008, altura em que o primeiro módulo foi disponibilizado às escolas públicas e privadas do 1.º e 2.º ciclos. Com esta actividade, a APAN pretende que os alunos mais novos percebam como funciona a publicidade, que aprendam a absorvê-la para que se tornem cidadãos mais responsáveis, conscientes e capazes de fazerem escolhas informadas.

Manuela Botelho, secretária-geral da APAN, está satisfeita com os resultados obtidos e com o reconhecimento conquistado ao longo dos últimos dois anos. "O Media Smart é, neste momento, uma aposta ganha, que reflecte a nossa posição de zelar pelas necessidades específicas deste público-alvo que são as crianças, e a importância da literacia mediática para o desenvolvimento de cidadãos mais bem preparados para viverem num mundo comercial", salienta, numa nota enviada à imprensa.


Sara R. Oliveira