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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Vinte conselhos para ser bom professor


Inspirado em grandes professores do passado, mas sem esquecer a ligação dos alunos do presente com as novas tecnologias, Jorge Rio Cardoso escreveu o livro ‘O Professor do Futuro', que deixa algumas dicas aos docentes para melhorarem as suas aulas.
Nem todos os professores têm o dom de captar a atenção dos alunos nas aulas e de lhes mostrar o que fazer com o conhecimento que adquirem. O professor universitário Jorge Rio Cardoso foi buscar inspiração a professores do passado, aliou-se a nomes do presente, como Marcelo Rebelo de Sousa, professor catedrático na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e escreveu o livro ‘O Professor do Futuro' para dar alguns conselhos a quem trabalha a escola em Portugal.
Apesar de deixar dicas aos seus colegas de trabalho, Jorge Rio Cardoso não se considera um bom professor. "Ninguém se pode considerar bom em nada, isso é o fim de tudo, mas tento melhorar todos os dias. Deve haver uma insatisfação em toda a gente no sentido de poder melhorar", explicou o professor universitário.
Na opinião de Jorge Rio Cardoso, um bom professor tem de "ver as diferenças entre os alunos e levá-los a entendê-las e respeitá-las". Mesmo com a situação de instabilidade que muitos professores atravessam em Portugal, o docente não têm dúvidas de que ainda há motivação entre os professores. "A maioria dos que abraçam a profissão para toda a vida têm dado provas disso", acrescentou.
Na obra ‘O Professor do Futuro', Jorge Rio Cardoso e outros professores do País deixam alguns conselhos para melhorar as formas de transmitir conhecimento.

Retirada do Correio da Manhã
Por:Cátia Carmo

domingo, 10 de março de 2013

Dormirei, boas novas acharei


Os problemas de comportamento e de falta de concentração de muitos estudantes encontrariam resolução (pelo menos em boa parte) com uma boa higiene do sono.

Dizia-me há pouco tempo uma menina de 11 anos, excelente aluna e com uma motivação incomum para se envolver em todos os desafios que lhe surgem, desde os académicos até aos sociais e aos lúdicos: "Porque tenho que dormir? Que perda de tempo. Tantas coisas interessantes que tenho para fazer!". Confesso que houve tempos em que me identifiquei com este pensamento, mas o peso da experiência acumulada com a idade já me faz sentir no corpo que "O dormir é meio sustento" (ou mais do que meio!). Poderia, a estes provérbios, acrescentar uma ideia que o meu corpo me obriga a reconhecer como verdadeira: "Não dormir é um autêntico veneno." Há muitas pessoas a quem o corpo não fala tão claramente, e lá se vão elas deixando seduzir por ocupações noturnas como programas de televisão, jogos no computador ou saídas até tarde, acreditando que dormir é desperdício de tempo. E como "O uso adquirido, sono perdido", lá se vai o hábito de "Deitar cedo e cedo erguer [que] dá saúde e faz crescer." No meio de tantos provérbios, onde está afinal a verdade?

Nas nossas salas de aula, vemos com alguma frequência alunos que cabeceiam ou então chegam mesmo a adormecer. Vemos outros que têm dificuldade em manter a atenção ou então se mexem constantemente na cadeira. Se o sono indicia claramente uma noite mal dormida (ou mais), já a irrequietude ou a dificuldade de concentração podem ter muitas causas, mas uma delas é o não se ter dormido o suficiente. O que acontece com um bebé quando não dorme? Fica rabugento e ninguém tem dúvidas das razões dessa impertinência. E quando não dormimos, não sabemos perfeitamente que ficamos mais irritadiços, com menos paciência, menos tolerantes, com mais dificuldade para nos concentrarmos, com tendência para fazermos leituras mais "negras" dos problemas? O mesmo acontece com as crianças e os jovens. Torna-se difícil estar com atenção nas aulas; o corpo começa a pedir movimento e a torcer-se na cadeira; a piada que um colega diz é interpretada como um insulto e paga com um estalo bem dado, ao qual ele responde com um murro, a que se pode seguir uma luta a sério.

Vistas as coisas assim, percebe-se que "não dormir, é um veneno". E daí até podermos convencer-nos de que "Dormirei, boas novas acharei."? Como posso ajudar a minha amiguinha a compreender que o tempo passado a dormir não é desperdiçado?

Dormir o suficiente é fundamental para a aprendizagem de coisas novas e para reforçar a memória. Quando aprendemos algo, a informação é retida na memória de curto prazo. Esta precisa de ser consolidada, processo que se prolonga enquanto dormimos, levando a um aumento da memória. Durante o sono também relacionamos informações que estão dispersas e conseguimos encontrar ideias criativas, por exemplo, para resolver problemas. Quem é que ainda não teve a experiência de acordar com uma ideia genial para resolver um problema para o qual, até aí, não tinha conseguido encontrar solução? Estas são algumas das "boas novas" que poderemos achar com um sono repousado. Mas as "boas novas" não vêm só da possibilidade de termos ideias criativas. É também uma "boa nova" a descoberta de se conseguir ter uma melhor concentração nas aulas e de as explicações e atividades aí surgidas começarem a fazer sentido mais rapidamente, tornando-se mais interessantes. Os problemas de comportamento e de falta de concentração de muitos estudantes encontrariam resolução (pelo menos em boa parte) com uma boa higiene do sono (cumprimentos de regras de sono adequadas).

"Boas novas" resultam também da recuperação do equilíbrio necessário para lidarmos com as emoções e memórias, particularmente com as negativas. Com efeito, a falta de sono contribui para uma maior irritabilidade e para uma maior dificuldade de autocontrolo. Depois de se ter dormido bem, a tal piada dita pelo colega, embora possa não ser muito engraçada e até um pouco infeliz, pode receber o desconto que merece ou ter uma resposta mais ajustada do que um estalo. Ignorar o que se ouviu, responder assertivamente "Não achei graça ao que disseste." são duas possibilidades. E, desta forma, se torna mais fácil adquirir competências de relacionamento interpessoal e evitar situações de conflito. Uma vez mais, alguns problemas de disciplina deixariam de existir e o relacionamento entre as crianças poderia melhorar. Ressalvo que a falta de um sono reparador não é a única justificação e dormir bem não é uma solução milagrosa; é, contudo, um fator a considerar.

E para quem acha que "não consegue adormecer cedo", será boa ideia analisar as rotinas que antecedem a hora de deitar. É frequente as crianças e os jovens resistirem a ir para a cama. A televisão e o computador no quarto em nada ajudam, pois torna-se difícil aos pais conseguirem efetuar uma vigilância eficaz. O que fazem muitas das crianças/jovens renitentes em ir para a cama à hora devida? Normalmente navegam na net, jogam videojogos ou veem televisão. Claro que, com estas tentações, não há sono que se aproxime. Só a firmeza dos pais na negociação e aplicação de rotinas saudáveis pode "curar" esta falta de sono. É indispensável ser definida e estabelecida uma rotina com uma hora de deitar adequada, à qual se antecede um período em que o computador e a televisão já estão desligados e são praticadas atividades relaxantes, como, por exemplo, ler, conversar um pouco ou tomar banho.

"A quem dorme descansado, dorme-lhe o cuidado." Torna-se, com efeito, mais fácil ver os problemas com uns óculos mas mais otimistas (embora não irrealistas) e mais capazes de analisar as situações pelo lado positivo, facilitando a procura de soluções. Nesse sentido se diz também que "O sono é bom conselheiro:" Por fim, relembro o provérbio com que comecei: "Dormirei, boas novas acharei." Enquanto dormimos, aprendemos, descansamos e preparamos o nosso corpo e o nosso espírito para um novo dia.
Nem sempre é tarefa fácil para os pais, com o difícil quotidiano dos dias de hoje, encontrarem horários que permitam a conciliação do convívio familiar e do cumprimento das tarefas do fim do dia com a instituição e manutenção do hábito de as crianças se deitarem cedo. Se elas perceberem que dormir não é desperdício de tempo, poderão ser mais colaborantes. A negociação das regras pode ajudar. No entanto, a firmeza dos pais na sua aplicação não pode ser dispensada. "O sono é bom conselheiro." O bom senso, a coerência, a persistência e a assertividade também são.


Armanda Zenhas/Educare

domingo, 13 de janeiro de 2013

Aprender a resolver problemas


Quando as crianças observam o que os pais fazem para resolver um determinado problema, estão a aprender estratégias que depois tendem a aplicar também.

Tal pai, tal filho ou quem sai aos seus não degenera são alguns provérbios que apontam para a importância dos pais como modelos para os filhos. Considerando a aprendizagem, se os pais revelam gosto por aprender e o demonstram, tanto no que dizem como nas suas atitudes e no que fazem com os filhos, provavelmente estes irão igualmente gostar de aprender e tentarão fazê-lo nas mais diversas situações e contextos, dos quais a escola será apenas um exemplo.

A necessidade de resolver problemas surge a cada momento da vida. Consistindo a resolução de problemas num processo de aplicação de conhecimentos adquiridos previamente a situações novas e não familiares, ela requer determinadas competências, entre as quais: identificação de pormenores importantes, flexibilidade de pensamento, perseverança, avaliação da razoabilidade da resposta.

Para ajudarem os filhos a desenvolver gosto e competências de resolução de problemas, os pais podem propor-lhes a resolução, em conjunto, de problemas do quotidiano ou de situações lúdicas. Seguem-se alguns aspetos importantes a considerar nessas atividades:

- enfatizar a importância da resolução de problemas e o prazer e a autossatisfação que ela proporciona;
- aproveitar a curiosidade natural da criança, fazendo perguntas e/ou respondendo às perguntas dela;
- ajudar a criança a tomar consciência da forma como pensa quando resolve um problema;
- ajudar a criança, através da colocação de perguntas e da realização de atividades em conjunto, a desenvolver estratégias de pensamento eficazes para resolver problemas;
- resolver problemas variados, em conjunto com a criança, de forma regular.

Quando as crianças observam o que os pais fazem para resolver um determinado problema, estão a aprender estratégias que depois tendem a aplicar também. Quando observam o prazer que eles colocam na atividade, aprendem e experienciam o mesmo prazer e sentem vontade de tentar resolver novos problemas. As perguntas que os pais fazem aos filhos durante a resolução conjunta de uma situação problemática ou de um jogo podem contribuir para orientar a sua atuação e para os consciencializar da forma como pensam, das estratégias que utilizam, da maneira como ultrapassam obstáculos que surgem, dos processos que utilizam para avaliar a razoabilidade do resultado encontrado.

O grau de dificuldade dos problemas e os conhecimentos que são requeridos dependem da idade e do nível de escolaridade da criança. Vejamos alguns exemplos de atividades simples:

1. A família vai ao cinema, mas precisa de estar em casa a uma determinada hora: 
- Que sessão deverá escolher?
- A que horas precisa de sair de casa? (É necessário contar com o tempo de viagem e com o tempo de espera para adquirir o bilhete.)

2. A festa de anos da criança aproxima-se: 
- Dadas as características da casa e da organização familiar, o número máximo de crianças a convidar será de 10. Que critérios utilizar para selecionar os convidados?
- Os convites serão feitos no computador. Em cada folha A4 cabem 4 convites. Quantas folhas vão ser necessárias?

Quando pais e filhos se envolvem na resolução conjunta de problemas ou na realização de atividades lúdicas, o termo "problema" despe-se da sua conotação negativa de dificuldade quase inultrapassável para adquirir uma conotação positiva de desafio. A perseverança necessária à ultrapassagem das dificuldades é alimentada pelo prazer do percurso e pela antecipação do sucesso. Três provérbios poderiam servir de lema a essas atividades e ao espírito que elas promovem:

"Grão a grão enche a galinha o papo."
"Quem corre por gosto não cansa."
"Quem porfia sempre alcança."



Armanda Zenhas

sábado, 27 de outubro de 2012

Memórias de professores


E se estas histórias e estes alunos ficaram na memória dos professores, provavelmente muitos professores ficam também na memória dos seus alunos e continuam a ser, para eles, referências positivas ao longo da vida.

fInês, Américo, Dora - três professores de níveis de ensino diferentes, muitos anos de experiência, algumas características em comum: tinham dificuldade em recordar rostos e nomes, mas as histórias de vida, as emoções, os sentimentos ficavam gravados bem fundo na memória e no coração. Histórias inseridas numa relação interpessoal construída ao longo de meses (anos), em que a aprendizagem das matérias de ensino era um dos objetivos e uma das facetas (fundamentais, sem dúvida, mas não os únicos), que implicava outras vertentes, entre as quais a construção de uma relação pedagógica produtiva, na qual os afetos não deixavam de estar presentes, perdurando, às vezes, pela vida fora. São algumas dessas histórias (verdadeiras, mas com nomes fictícios, quer para professores quer para alunos) que aqui ficam.

Inês:
Naquele dia especial, Inês foi convidada por Adelaide para irem à cidade. Adelaide já tinha aprendido a escrever o seu nome nas aulas e ia alterar o bilhete de identidade, que passaria a exibir a sua assinatura. Havia que festejar este acontecimento, antes de dar início à luta por um novo objetivo: aprender a ler e a escrever tudo. Na Conservatória do Registo Civil, Inês presenciou a alegria e a emoção de Adelaide e sentiu-se feliz e realizada.

Américo:
No autocarro, a jovem olhava insistentemente para Américo, que acabou por cumprimentar, explicando-lhe ter sido sua aluna vários anos antes. A cara, já diferente, não despertava memórias; o nome, Anabela, também não; Américo começava a sentir-se embaraçado. Anabela começou então a falar da turma, das atividades e projetos desenvolvidos, de histórias ocorridas com ela própria. A memória de Américo disparou. Continuando, ela perguntou:

"Lembra-se, professor, de quando houve o acidente na fábrica ao pé da escola? O incêndio, o medo de uma explosão, a evacuação apressada, os alunos assustados a chorar? Lembra-se de como nos fez sentir que tudo aquilo era um exagero, contando que o seu filho estava numa casa perto da fábrica e se o perigo fosse assim tão grande já teria ido buscá-lo em vez de estar a cuidar de nós?"

Américo surpreendeu-se. Como é que aquela jovem, já adulta, acreditava ainda naquela história que, com tanto custo (a preocupação com o filho, realmente numa casa perto da fábrica, era grande), tinha contado para acalmar os alunos e garantir que todos tinham familiares com quem ir ter após a evacuação? Sorrindo, comentou com Anabela: "Continuou a acreditar nessa história até aos dias de hoje? Afinal até sou bom ator!". Sentiu-se realizado. O seu esforço nesse dia tinha sido bem sucedido e, pelos vistos, tinha sido marcante para as crianças.

Dora:
No quiosque, Dora foi atendida por um funcionário sorridente, com um amável: "O que deseja, professora?". A cara deixava adivinhar traços de um aluno que há vários anos não via e foi a conversa que se seguiu que lhe recordou Artur, o jovem rebelde, que gostava de dar uns "tiros" às aulas, revoltado, com comportamentos nem sempre muito adequados. As suas patifarias, os atendimentos à sua mãe, as conversas com o aluno, os contratos de comportamento que com ele tinha feito, tudo foi surgindo em catadupa. A verdade é que esse ano letivo chegou ao fim com a passagem de Artur para o ensino secundário.

Dessa revolta, não havia quaisquer traços no rosto bonito. Havia agora um jovem sensato e determinado, que repartia os seus dias entre o trabalho na loja e as aulas da universidade, custeadas por si. Dora sentiu-se feliz e orgulhosa. Tinha valido a pena apertar com ele naquele ano.

Dir-me-ão que este artigo é um pouco (ou muito) "piegas". Talvez o seja. Com ele, no entanto, pretendo mostrar uma faceta do ofício de professor: o relacionamento interpessoal, a preocupação com a formação global do aluno como um ser íntegro e feliz e uma vida feita de histórias significativas, umas vezes muito difíceis, outras vezes muito felizes. De todas as histórias sobressai um elemento comum: o afeto e a empatia como ingredientes fundamentais para o desenvolvimento de uma relação pedagógica saudável e de motivação para a aprendizagem por parte dos alunos. E se estas histórias e estes alunos ficaram na memória dos professores, provavelmente muitos professores ficam também na memória dos seus alunos e continuam a ser, para eles, referências positivas ao longo da vida.

Autor: Armanda Zenha - Educare

domingo, 14 de outubro de 2012

Caça ao erro

Se um filho ou um aluno escreve com muitos erros, se ele cresce e o problema persiste, como se sentem os pais? E os professores? A preocupação pelos erros será sempre justificada? O que origina o erro? Como se pode ajudar uma criança ou um jovem a escrever sem erros? Frequentemente ouvimos atribuir os erros ortográficos a reduzidos ou inexistentes hábitos de leitura. Contudo, eles podem ter outras causas e há que fazer uma análise cuidada do tipo de erros dados e das situações em que ocorrem. 

Quando é que a criança erra? Quando copia? Quando escreve o que ouve? Na escrita livre? Que tipo de erros dá? Falta de acentos? Omissão de letras ou sílabas? Repetição de letras? Inversão da ordem das letras ou das sílabas? Confusão de palavras homófonas? Se os erros se situam apenas na escrita livre, é bem provável que a criança pronuncie palavras de forma deficiente e as escreva tal como as diz. Pode haver erros relacionados com pronúncias regionais, pela mesma razão. 

Poderão aparecer trocas de letras e omissão de vogais ou de sílabas. Se os erros se dão só quando a criança copia, poderá ter dificuldade em se concentrar na tarefa ou em discriminar visualmente semelhanças/diferenças entre letras. Pode saltar letras, sílabas, palavras ou linhas. Pode não colocar acentos. Se os erros ocorrem em textos ditados, será que a criança tem dificuldade em reter estímulos sonoros? Será que consegue discriminar bem os sons? Antes de procurar uma dessas causas, há que equacionar a possibilidade de ela ter problemas de audição. 

Há muitos jogos e atividades que podem ser usados pelos pais para ajudarem os filhos a ultrapassar as suas dificuldades, reforçando o trabalho feito na escola. Para desenvolver a competência de discriminar visualmente semelhanças e diferenças, há jogos muitos úteis: descobrir diferenças; encontrar absurdos em desenhos; sopa de letras; etc. Se se trata de dificuldade em discriminar sons, podem ser feitos jogos de reprodução de sons ou sequências de sons, de identificação de sons (palavras, instrumentos ou vozes numa canção, sons do meio ambiente) ou de distinção de sons semelhantes em pares de palavras. 

A língua portuguesa reveste-se de dificuldades ortográficas e de regras que precisam de ser conhecidas e praticadas (diferentes valores para a mesma letra, por exemplo). Há algumas estratégias a que se pode recorrer, tais como a formação de famílias de palavras, a utilização de palavras em frases e contextos diferentes, a elaboração de fichas relacionando palavras com desenhos ou com histórias. 

As crianças, especialmente as mais pequenas, poderão memorizar melhor se envolverem outros sentidos para além da visão. Podem escrever as palavras, com o dedo, em superfícies diferentes (areia, plasticina lisa), envolvendo também o tato. O diálogo entre os pais e os professores é importante para se fazer uma análise correta da situação e para se definirem estratégias de colaboração. Se a situação for grave, poderá ser pedido auxílio ao professor de apoios educativos. Afinal, a união faz a força. 

Autor: Armanda Zenhas

sábado, 29 de setembro de 2012

O papel da música na Pedagogia Waldorf constatado cientificamente


A música foi durante muito tempo considerada uma matéria escolar clássica quase "de luxo", de difícil acesso para crianças vindas de famílias menos abastadas ou menos cultivadas nas expressões artísticas. Uma linha pedagógica exemplar no que concerne à utilização alargada e democrática da música está representada nas escolas Waldorf, onde o ensino de música está integrado permanentemente no seu currículo contínuo, sem chumbos, com 12 anos de duração. 

Nos primeiros 6 a 8 anos a música está presente não só especificamente nas aulas de música, mas também na Aula Principal (período inicial que inaugura cada dia de aprendizagem) e nas aulas de Inglês e Francês, previstas para todos os alunos já desde o 1.º ano de escolaridade. Nos anos seguintes formam-se pequenas orquestras individuais nas classes, bem como conjuntos de música e grupos corais, que mais tarde são integrados no grande coro e orquestra do nível secundário. 

No currículo Waldorf os conteúdos musicais dos dois primeiros anos baseiam-se em instrumentos pentatónicos, seguidos de cânones e exercícios polifónicos das tradições nacionais, para depois alargarem-se a experiências com folclores e ritmos de todo o mundo, mais a descoberta de instrumentos pouco conhecidos e o estudo das biografias de famosos músicos. Nos anos finais, em plena puberdade, os alunos dedicam-se a aprofundar o seu conhecimento das grandes épocas da música clássica europeia, até chegarem à moderna música e aos estilos populares dos séculos XX e XXI. 

Uma série de recentes experiências conduzidas por entidades científicas independentes veio evidenciar que a música é um fator primordial para um saudável desenvolvimento de crianças e jovens durante o período escolar. Em Francoforte, o Prof. Dr. Hans Gunther Bastian realizou por exemplo testes de longa duração, que mostraram que as atividades musicais criativas não só impulsionam a capacidade musical propriamente dita, mas ainda influenciam de maneira marcante aspetos insuspeitados para todo o processo educativo: competência social, motivação para aprender e trabalhar, inteligência, capacidade criativa, equilíbrio emocional, e até habilidade para resolver conflitos. 

A importância que a Pedagogia Waldorf confere, de maneira pioneira e há quase um século em todo o mundo, à música na vida escolar foi ainda confirmada por estudos do novíssimo setor da medicina chamado investigações neurocerebrais. Na Universidade Ludwig Maximilian, em Munique, o famoso investigador Ernst Poeppel verificou que uma formação musical oferece um auxílio ideal para o desenvolvimento de crianças e jovens. Em orquestras ficou evidenciado que a aprendizagem de um instrumento, mais as atividades musicais em grupo, tem a extraordinária capacidade de preparar os jovens para mostrarem-se mais tarde equilibrados psíquica e emocionalmente. 

Em comparação com alunos que não haviam praticado qualquer atividade musical, os alunos com hábitos musicais regulares mostraram resultados escolares acima da média e até um desempenho superior em desporto e atividades profissionais. A deficiente atenção que muitas escolas dedicam hoje ao ensino da música e das artes constitui um verdadeiro problema social com sérias consequências para o futuro. 

Um abandono precoce da música na escola pode promover uma tendência para mobbings e violências, bem como uma dificuldade na integração de jovens de diferentes extratos sociais, e até problemas na interação com crianças de famílias oriundas de outras regiões. Yehudi Menuhin, um dos mais celebrados músicos dos tempos modernos, afirmou uma vez: "A música é a verdadeira língua materna da humanidade."

Texto: Raul Guerreiro

domingo, 2 de setembro de 2012

Os perigos de um diagnóstico errado!

Pedi-te para me descreveres por escrito o teu fim de semana (...) Tremulamente e, muito agitado, escreveste apenas três linhas. Observei a tua caligrafia (disgrafia) e os erros ortográficos cometidos. Porém, o que mais me doeu foi a confirmação da tua "dor" ainda por explicar.

O Raul era um menino que frequentava o 4.º ano de escolaridade, com algumas retenções pelo meio. Este "caso" nunca tinha chegado até mim.

Um dia, quando fui ao território para dar apoio a Vânia e a Eliana, a professora da sala de aula vizinha abordou-me falando das graves dificuldades de aprendizagem do Raul:

- Não sei mais o que fazer com ele! Já tentei tudo!, dizia-me a professora, angustiada!

Não fiquei indiferente e fui ter com o aluno.

Quando o Raul me viu, senti-lhe o corpo a tremer. Ele não sabia quem eu era.
Perguntei-lhe, ternamente, se me poderia sentar na sua carteira, e muito timidamente respondeu que sim.

Apresentei-me e disse-lhe que estava ali para o ajudar a ler e escrever melhor.
Ah! Como estavas assustado Raul!

Passei-lhe as mãos pelo cabelo, agarrei-lhe as mãos e expliquei o queria dele. Perguntei-lhe, de seguida, se estava disposto a colaborar. Ele, sem saber o que se estava a passar, respondeu, muito baixinho, que sim.

O Raul falava muito baixinho e fixava-se morosamente no meu rosto! Não achei "normal"!

Lembras-te, Raul?

Foi numa segunda-feira, pedi-te para me descreveres por escrito o teu fim de semana, em jeito de composição. Tremulamente e, muito agitado, escreveste apenas três linhas. Observei a tua caligrafia (disgrafia) e os erros ortográficos cometidos. Porém, o que mais me doeu foi a confirmação da tua "dor" ainda por explicar.

Acabando a minha análise, sorri-te e dei-te "os parabéns", preparando-te assim, para a tarefa seguinte. Pedi-te que lesses o que tinhas escrito. E tu, e tu... não conseguiste, não entendias a tua própria escrita.

Eis quando me perguntaste:
-Não diz nada? Não diz que está mal? Eu sei que sou burro!

Ah, Raul como estas tuas palavras mexeram comigo!

E eu respondi-te:
- Tu não és burro! Ninguém é burro! Nunca mais voltes a dizer isso de ti próprio! Eu vou ajudar-te Raul... eu vou ajudar-te!

Sem nenhuma observação depreciativa ao teu trabalho, sem nenhum comentário negativo, apenas com o meu sorriso, com o poder dos afetos e com a minha " fé" que poderia ajudar-te, ficaste feliz. Reconheci-te o "desespero" na imensa vontade que tinhas em aprender e na tua "não aceitação" em não conseguires estar ao nível dos teus pares.

Peguei na folha e fui-me embora, tinha outros meninos à minha espera... Em casa voltei a analisar "a folha". Não era dislexia com toda a certeza... as dúvidas persistiam...

Li os relatórios dos professores anteriores: "Desinteressado; está sempre na lua; não participa; não faz os trabalhos de casa; alienado..."

Tinha de conhecer a tua mãe! Alguma "coisa" não batia certo! Pedi-lhe que me descrevesse o filho e em "tom triste" reiterou as suas dificuldades de aprendizagem. Perguntei-lhe se o filho tinha tido algum problema de saúde, se o parto fora normal, aquelas perguntas do costume, mas fundamentais.

- Não! Respondeu imediatamente a mãe.

E no meio de tanta pergunta, de tanta ponta solta, a mãe lembrou-se:
- Ah, espere! Lembrei-me agora, ele já foi operado aos ouvidos, mas foi em pequenino! Acrescentou.

Deu-me imediatamente aquele "clique". Perguntei-lhe então se achava que o Raul ouvia bem.

- Acho que sim, embora às vezes eu falo com ele e parece não ouvir, mas é porque é distraído!

(Quero salientar que esta mãe nunca descurou do seu filho. Acompanhava o seu percurso escolar e levava-o frequentemente ao médico de família porque ele se queixava de fortes dores de cabeça.) Aconselhei-a ir o mais rapidamente possível a um otorrino. Que estúpida que fui! Nem me tinha lembrado das barreiras económicas daquela mãe. Mas, lá consegui uma consulta! Eu tinha prometido ao Raul que o iria ajudar e foi o que fiz!

Foi no hospital da cidade que lhe diagnosticaram um nível de audição muito abaixo do normal.

Vês, Raul? Afinal tu nunca foste burro! Como não ouvias, como poderias tu aprender? Nunca foste distraído! E quando te fixavas no rosto das pessoas, não eras "estranho", apenas tentavas fazer a leitura labial!

Começámos a tua "aprendizagem" novamente e hoje já tens o teu curso (CEF). Se assim não fosse, eras mais um a abandonar a escola.

Fiquei tão revoltada com o sistema! Como foi possível aquele menino andar anos a fios sem nunca ninguém ter percebido do seu real problema?!: um nível de audição muito abaixo do "normal".

Imaginem só, caros leitores, o grau de sofrimento silencioso daquela criança ao sentir-se revoltado por não aprender como os outros. Ele não aprendia porque não ouvia. E claro está, que ele nunca teve a perceção que ouvia mal, pois sempre "ouviu" assim.

São estes alguns dos "perigos" de diagnósticos nem sempre bem "diagnosticados" que... deixam marcas irreversíveis, na vida dos nossos filhos!

Texto:Manuela Cunha Pereira

sábado, 1 de setembro de 2012

Educação para a segurança rodoviária

De cada vez que uma criança, mesmo que muito pequena, sai à rua com os seus pais ou familiares, recebe uma lição sobre regras de circulação. Os adultos servem de modelos e os comportamentos adotados, principalmente se forem sempre repetidos, ensinam mais que mil palavras.

"Tal pai, tal filho.". Este é o provérbio que me ocorre quando se fala de educação para a segurança rodoviária. Não desprezando o papel que a escola pode ter na educação neste âmbito, gostaria de colocar a tónica na ação que deve ser desenvolvida pela família. Esta, se não promove essa educação de forma intencional, não deixa contudo de o fazer de forma inconsciente, quanto mais não seja modelando atitudes e comportamentos.

De cada vez que uma criança, mesmo que muito pequena, sai à rua com os seus pais ou familiares, recebe uma lição sobre regras de circulação. Os adultos servem de modelos e os comportamentos adotados, principalmente se forem sempre repetidos, ensinam mais que mil palavras.

Imaginemos um percurso a pé. Como se comporta o adulto que a acompanha a criança?

- Atravessa na passadeira ou opta por o fazer em qualquer outro sítio para evitar dar mais uns passos (mesmo que muito poucos)?

- Respeita os semáforos ou prefere poupar tempo?

- Caminha pelo passeio ou vai pela rua?

- Quando não há passeio, qual a berma que utiliza? Segue pelo lado esquerdo, pelo direito ou por qualquer um?

As opções dos pais são as lições que os filhos recebem e aprendem. Se elas não as mais adequadas, o ensinamento geral que as crianças podem retirar é o desprezo pelas regras básicas promotoras de segurança na circulação a pé. O cuidado que alguns desses pais poderão ter quando os seus filhos começam a ir à rua sozinhos, pretendendo dar-lhes bons conselhos ("Atravessa sempre na passadeira.", "Espera que o semáforo passe a verde.") esbarra com as aprendizagens já consolidadas realizadas nas saídas em família. "Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço." revela-se um princípio educativo pouco fiável e completamente ineficaz.

Quanto às regras de circulação no carro da família, muito há também a considerar e a refletir. Aqui fica apenas um exemplo, escolhido pela sua gravidade: o que dizer das situações (infelizmente tão frequentes) em que se vê crianças sem cinto de segurança, ajoelhadas no banco, dizendo adeus aos ocupantes dos carros de trás? Também o uso do cinto de segurança é um hábito que se adquire, embora muitas vezes seja preciso a tomada de atitudes enérgicas por parte dos pais para que as crianças ou os adolescentes o coloquem.

O caminho para a escola processa-se de forma diferente ao longo da vida de um estudante. De uma maior dependência da companhia e da supervisão dos pais, vai-se passando, progressivamente, para uma completa autonomia, que se pretende esclarecida e responsável. Essa responsabilidade, promotora de segurança, começou a desenvolver-se, desde a mais tenra idade, com a observação das regras de circulação adotadas pelos pais, como já foi referido. No caminho para a autonomia há diversas medidas que os pais podem tomar para tornar a criança mais consciente e responsável, e que dependem de diferentes fatores, entre os quais as características do trajeto casa-escola-casa e a forma de deslocação adotada (a pé, de transporte escolar, etc.). A escolha e realização inicialmente conjunta do percurso mais seguro, acompanhada de treino de comportamentos seguros, é, por exemplo, uma estratégia a considerar e a aplicar.

Para terminar, um outro provérbio, "O seguro morreu de velho.", a que gostaria de acrescentar a ideia "e desenvolve-se de pequenino".

Texto: Armanda Zenhas

domingo, 26 de agosto de 2012

Diferentes produtos culturais como textos didáticos

Há algum tempo a menção a textos didáticos remeteria imediatamente aos escritos, inscritos em livros específicos. Podiam ser acompanhados de ilustrações: imagens que lhes serviam de ornamento, podendo mesmo ter relações bastante tênues com as palavras, mas não deixando de tornar a página mais leve e de atrair a atenção dos leitores.

Analisando a aventura do livro, no percurso do leitor ao navegador, Roger Chartier [“A aventura do livro: do leitor ao navegador”, São Paulo, UNESP, 1998] dá conta da história desta relação centro-margens, da disjunção palavra-imagem, tanto do ponto de vista do controle religioso e estatal dos gestos de leitura, quanto das condições técnicas da sua produção. O autor destaca que não apenas o Verbo sempre foi central, como, para imprimir caracteres tipográficos e gravuras em cobre, eram necessárias prensas diferentes, duas oficinas, duas profissões e duas competências. Não havia junção possível.

Agora, quando as tecnologias dos novos suportes permitem as mais diversas junções, a concepção de texto foi ampliada, passando a abranger configurações tecidas por múltiplas linguagens ou, na perspectiva estritamente linguística, por materiais semióticos variados: palavras, imagens, sons, etc., não apenas presentes no mesmo texto, mas “jogando juntos” em articulações que interferem nos sentidos produzidos. Enquanto isso, a concepção de leitura, especialmente no que se pode chamar de tendência escolar, parece mais resistente, arraigada à configuração do texto escrito.

Assim, sem que as questões relativas às leituras (importante marcar o plural) tenham sido superadas, o desafio se torna muito mais complexo, na medida da possibilidade de acesso a textos tão variados que, mesmo não entrando pela porta da frente nas escolas, estão presentes, ainda que obliquamente, no cotidiano das práticas desenvolvidas naqueles espaços. Considerando este contexto, a questão central aqui é: que lugar(es) eles ocuparão?

Esta pergunta remete à discussão do que caracteriza o “texto didático”, uma vez rompidos os limites da intencionalidade da sua produção. Lembrando que os chamados “programas educativos” também parecem marcados por uma inquietante monotonia, quero defender a apropriação educacional dos textos que circulam socialmente. Para além das intenções da produção e dos formatos assumidos, os mais diversos produtos culturais podem ser apropriados como textos didáticos. Produções fílmicas, peças teatrais, videoclips, esculturas, pinturas, instalações, peças publicitárias etc. podem ser incorporados em processos de reflexão coletiva, sustentando abordagens conceituais em trajetórias inovadoras, no melhor sentido do termo, como o “novo” que instaura diferenças qualitativas, redimensionando as práticas desenvolvidas nas escolas, imprimindo-lhes mais sentido(s).

A esta altura, alguém pode estar pensando nos produtos de qualidade “discutível” que circulam em diferentes espaços. Trazê-los para a escola? Eu diria que sim, até para discutir as razões deste sucesso, enquanto outros permanecem restritos a alguns pequenos círculos. Até para lidar com a provisoriedade que marca a cultura do descarte, no movimento de trabalhar os contrapontos e as contradições que constituem as práticas sociais, entre as quais estão inscritas as escolares. Se as produções que circulam socialmente não forem objeto de análise, nas suas várias dimensões, nas escolas, onde serão? E que cidadãos estarão sendo formados se mantidos distantes das questões que pulsam na vida fora da escola?

Finalmente, esta proposta de que os mais variados textos podem ser apropriados didaticamente não dá conta aqui de vários dos seus desdobramentos, o principal deles sendo espaço-tempo para abordar tantas dimensões envolvidas. Esse mesmo que me faz encerrar este texto neste ponto, na compressão presente. Quem sabe no(s) futuro(s)?

A Página da Educação
N.º 187, série II
Inverno 2009

sábado, 25 de agosto de 2012

Em Torno da Inclusão

Ela tem oito anos. Na sua curta vida, já passou por situações complicadas. Até chegar à idade em que, pressupostamente, tinha que começar a ir para a escola todos os dias, ficou com a mãe e as crianças do local onde vivia. O vocabulário de que dispunha era reduzido, mas servia perfeitamente para as conversas do dia-a-dia e para as brincadeiras, sem brinquedos, imitando o mundo dos adultos.

Quando a escola chamou, não se pode dizer que foi com grande alegria que entrou neste mundo desconhecido, repleto de crianças e adultos que utilizavam palavras que ela não entendia. Faziam-lhe o que pareciam perguntas, para as quais lhe faltavam as palavras da resposta. Não se pode dizer que era uma frequentadora assídua daquele estranho lugar, mas quando tinha companhia do bairro, até passava bem a manhã, pensando na refeição quente que a seguir iria receber.

Um dia, o legítimo encarregado do poder na cidade, eleito para o efeito, decidiu remover as casas das pessoas com quem ela vivia. A palavra “casa” até era um eufemismo para o abrigo onde morava, mas, uma vez demolido, nem tecto ela tinha. Ninguém parecia querer disponibilizar outro lugar onde se instalar. Passou longas noites ao relento, aconchegada pelos adultos da família, sem perceber porque é que tudo isto lhe acontecera. A escola proporcionava-lhe agora um lugar seco, onde muitas vezes adormecia. E a estadia continuava com refeição incluída.

Como perdurava sem local para viver, houve quem tornou pública a situação. O legítimo encarregado do poder não parecia avançar com uma solução, pelo que um outro encarregado, responsável pelos destinos da povoação e do povo ao lado, aceitou financiar um realojamento provisório para ela, a sua família e os seus vizinhos.

Quando a família procurou integrá-la numa das escolas da zona para onde foram viver, tinha ela sete anos, a resposta era: “Aqui não há vaga” ou “A sua residência não é aqui”. Ela ficou algum tempo sem ir para a escola, como as outras crianças com quem foi realojada. Não parecia haver outra opção: a escola da sua desaparecida residência continuava aquela que podia frequentar.

Resolveu-se então financiar também o transporte diário do grupo de crianças que a incluía. Sujeito ao sabor do trânsito, o grupo atrasava-se, diariamente. Improvisou-se uma mini sala de aula, para as doze crianças dos 5 até aos 11 anos, por duas razões: o grupo não tinha horas certas de chegar, nem de sair, e, com estas aventuras todas, tornava-se a prova paradigmática de que turmas homogéneas só existem na cabeça de burocratas que pretendem ensino normalizado.

Começou um trabalho notável por parte das crianças e da professora, em parceria. Era preciso quebrar o muro invisível, resultado de um vocabulário demasiado tempo confinado ao contexto imediato, e para o qual poucas palavras chegam. Tiveram um contributo de mais uma professora, duas horas por semana, que combinava expressão verbal e não verbal, propondo momentos de trabalho relacionados com o que o grupo fazia na sala de aula.

Cinco meses depois, a menina de oito anos explica-me com grande à-vontade o plano individual de trabalho que ela gere, a partir da agenda semanal, discutida com o grupo e a professora. Comenta o que faz, mostra-me os textos que já sabe ler. Conta-me o projecto de trabalho que desenvolveu com uma colega, sobre bailarinas, e outro acerca de golfinhos. Consegue raciocinar sobre um problema simples.

A turma ao lado da sala improvisada, trabalha de porta aberta e, com alguma frequência, as crianças misturam-se para realizarem alguns trabalhos. Durante o intervalo, as professoras mostram-me o material que desenvolveram, pensando neste pequeno grupo de crianças e na urgência de lhes proporcionar um aumento de vocabulário necessário para conceptualizações mais abstractas e para as quais o léxico disponível era, de longe, insuficiente. Entretanto, a menina procura, no recreio, algumas das novas amigas de fora do círculo realojamento-transporte-turma-transporte-realojamento, constituído invariavelmente de 11 colegas, seis dos quais da sua família.

É fácil falar de inclusão. Difícil é consegui-la. Em Portugal, perto da capital. Em dois mil e nove.

A Página da Educação
N.º 187, série II
Inverno 2009

domingo, 1 de julho de 2012

Escolhas e distinções

Na reconfiguração da geografia complexa dos múltiplos processos de regulação da Educação, como enfatizam diversas análises, um dos vectores da política educativa mais em saliência ao longo das últimas décadas tem consistido na progressiva deslocação do controlo do produtor para o consumidor na prestação do serviço educativo. Esta translação assenta num novo regime de verdade que supõe a desconstrução e deslegitimação das velhas narrativas que sustentavam a bondade do “controlo democrático”, agora denunciado como a “raiz do problema” (J. Chubb, & T. Moe), contrapondo-se-lhe uma nova retórica política que eleva a soberania do consumidor à condição de “verdadeira solução institucional”, uma espécie de amuleto capaz de esconjurar a crise da Escola do tempo das incertezas e de, finalmente, lhe permitir cumprir as suas eternas promessas adiadas.

A livre escolha da escola pelos pais surge nesta nova narrativa como o dispositivo que, além de expandir a liberdade individual, tornará as escolas mais responsáveis perante os consumidores, eliminará desperdícios, diversificará a oferta, elevando ainda a qualidade geral da prestação do serviço educativo. Para que tal desiderato seja alcançado, bastará que as “peias burocráticas” que domesticam e alimentam as escolas, garantindo-lhes um público certo, sejam quebradas e que aos pais seja proporcionada a informação relevante para efectivarem boas escolhas, cumprindo aqui os rankings uma função instrumental.

Devolver as escolas à sua condição de “organizações selvagens” (R. Carlson), obrigá-las-á assim a lutar para sobreviver, isto é, a disputar públicos, induzindo uma salutar concorrência entre si, o que supostamente redundará numa selecção natural, com sobrevivência das melhores. Deszonificar (liberalizar as matrículas) e financiar as escolas em função do número de alunos que estas forem capazes de atrair constituirá a mecha que fará detonar todo o processo. Este verdadeiro “ovo de Colombo”, como alguém já o designou, bastaria, só por si, para revolucionar as nossas escolas, livrando-as dos “vícios e perversões” que as atormentam, tendo ainda a suprema vantagem de ser uma reforma de baixo custo.

Contudo, e não obstante a inquebrantável fé dos intelectuais orgânicos do mercado nas virtudes redentoras desta panaceia, as análises que se ancoram na evidência empírica recolhida junto dos diversos actores escolares que efectivam escolhas, mostram, entre outras coisas, que o ideal da liberdade de escolha transporta consigo uma versão idealizada do “consumidor responsável” que despreza a dimensão política do próprio acto de escolher, isto é, que a escolha, além de supor uma disposição cultural específica, envolve uma forma de exercício do poder que implica a mobilização de recursos desigualmente repartidos entre os potenciais choosers.

A Escola de qualidade para todos que acompanha a retórica discursiva em que se sustenta a defesa da livre escolha da escola parece, afinal, assumir a forma de novas formas de monopolização de certas ofertas educativas, a que acedem com vantagem certas fracções de classe, através de complexos e variados processos de investimento escolar e de sofisticados recursos argumentativos através dos quais procuram recriar uma nova ordem social justa que acomode e legitime as suas vantagens relativas (A. Van Zanten).

A Página N.º 187, série II Inverno 2009

domingo, 24 de junho de 2012

Escolosfera

“Cada vez um maior número de alunos e professores de todos os níveis de ensino descobrem na criação de blogues uma outra forma de aprender, de ensinar, de partilhar, de publicar, de comunicar”. Maria João Gomes

Os blogues andam pelas nossas escolas; é um facto. Tal significa que muito haverá para dissertar sobre o caso. O que são? Quando surgiram? Quem inventou? Onde? Para quê? Quem faz? Quem consulta? Que mudanças provocam? Qual o interesse? Como têm evoluído? Estas e outras são questões pertinentes que me vêm à ideia quando paro e olho para lá do blogue que tenho nos dedos; questões que aguçam a minha curiosidade. Hoje, contudo, apenas trago factos práticos e pontuais do imenso mundo da blogosfera, procurando, de alguma forma, corresponder ao solicitado no editorial do primeiro número desta Revista.

“Mostra lá” é um blogue escolar. Iniciou-se a 1 de Setembro de 2009 e tem por objectivo dar a conhecer actividades realizadas pelas escolas do 1º Ciclo do Agrupamento Vertical de Montemor-o-Novo. As 34 turmas, mais de 600 alunos e respectivos professores, têm a possibilidade de mostrar um pouco do seu trabalho a um amplo público.

Após uma década de experiências na concepção e dinamização de sites, e algumas dezenas de meses relativamente aos blogues, pensei que seria interessante concretizar um registo colectivo de trabalhos que possa orgulhar tanto os seus autores como os seus navegadores. Muitos dos trabalhos que realizei anteriormente mostravam a minha turma e/ou escola. Agora, com redução da componente lectiva – por conta da coordenação de departamento e da avaliação de desempenho docente –, lembrei-me de ser veículo de transmissão das boas práticas que se desenvolvem no concelho onde vivo.

Cultivar um espaço na internet é, para mim, uma tarefa entusiasmante, tanto no processo como no objectivo. Pretendo, sobretudo, divulgar para aproximar. E, neste ponto, refiro-me a várias aproximações: dos alunos aos seus produtos; da escola à família e vice-versa; das escolas entre si; das escolas à direcção e vice-versa; do departamento aos outros departamentos e vice-versa; das escolas à comunidade local e vice-versa; das escolas ao resto do distrito, ao resto do país e, porque não?, ao resto do mundo, não esquecendo o vice-versa.

Poder-se-á dizer que quem tudo quer, tudo perde, mas também é certo que quem espera sempre alcança (o que mais gosto no saber popular é que há sempre uma frase para contrariar outra que não nos convém); e é isso que me dá alento. Tenho até a esperança de vir a comentar um ou mais blogues que possam surgir de entre as turmas participantes, pois o espaço colectivo que está iniciado não invalida a criação de espaços mais próprios; pelo contrário.

Para que não surjam dúvidas a ninguém, o termo blogue é a grafia portuguesa sugerida pela Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação em Portugal para o estrangeirismo blog ou weblog. Pode dizer-se que um blogue é um documento virtual onde se publica informação de forma cronológica, ou seja, uma espécie de diário de bordo que coloca em primeira página sempre a notícia mais recente. O autor (ou autores) do blogue tem liberdade para publicar informação em diversos suportes (escrita, imagens, vídeo, áudio) na quantidade e tempo que considerar mais apropriados ao seu objectivo. No âmbito da exploração educacional, Maria João Gomes considera que o blogue pode ser categorizado como recurso pedagógico, estratégia pedagógica ou assumir ambas as situações.

O caso do “Mostra lá” pode muito bem ser um exemplo da terceira situação, mas não quero que se preocupem com esse aspecto, prefiro que visitem o já referido blogue que está disponível em http://mostrala1.blogspot.com/. Uma vez lá, façam uso de uma outra característica de um blogue que é comentar a informação. A escrita de um leitor crítico e justo surgirá logo disponível no espaço comentários, mesmo por baixo da informação, e será sempre bem-vinda.

E é precisamente nos comentários que entendo residir a grande força do blogue que tem por principal objectivo divulgar. Particularmente para os alunos, sentir que para lá das oito paredes alguém (des)conhecido deu conta do seu trabalho é motivo de alegria e empenho redobrados.

As ideias e os factos estão lançados. Aguardarei pelo final do ano lectivo para poder confirmar, ou não, as minhas expectativas.

A página N.º 187, série II Inverno 2009

domingo, 17 de junho de 2012

Evidências que não contam

Quem ensina e aprende está à espera, numa tocaia inconsciente, de tocar e seduzir quem aprende e quem ensina. Todas as oportunidades são boas para alegrias vividas por quem compreende e anseia aprender, por quem se deixa seduzir pela alegria de saber e de mostrar compreensão pelo mundo até querer fazer parte dele, parte activa dele, parte crítica dele, parte.

As escolas podem até ter portas largas e grandes salas, como a que conhecemos melhor. Mas, em muitas delas, são os corredores que dominam tudo. Eles guiam-nos ao encontro das turmas e de outros grupos. Parte da escola é a viagem pelos corredores, mastigando passos e pensamentos, sobre como melhorar relações com as pessoas, das pessoas com o conhecimento, das pessoas com o trabalho.

Os professores afadigam-se a produzir evidências daquilo que pensam ser a sua acção e isso raramente é o que lhes acontece, é antes o que transcrevem dos livros e documentos onde se descreve o que é bom que tenha acontecido. Professores em corredores longos e escadas panorâmicas coleccionamos evidências nos detalhes. E a estes damos mais valor do que a outras evidências documentais pré-fabricadas para uso das organizações de profissionais que as escolas também são.

Voltemos à conversa dos corredores onde podemos espreitar o mundo: da linguagem corporal e da babel de sons. Nestes detalhes vivem evidências da acção dos professores e, principalmente, do seu pensamento aguçado para as circunstâncias em que se desenrola a sua acção. Esclarecem-nos a forma ou o molde das nossas inquietações em resposta às condições existentes. Condições de trabalho, sim, mas especialmente de resposta da parte de quem aprende. Quem ensina e aprende está à espera, numa tocaia inconsciente, de tocar e seduzir quem aprende e quem ensina. Todas as oportunidades são boas para alegrias vividas por quem compreende e anseia aprender, por quem se deixa seduzir pela alegria de saber e de mostrar compreensão pelo mundo até querer fazer parte dele, parte activa dele, parte critica dele, parte.

Cansamo-nos a argumentar a favor da rendição, disparando uma série de pequenas informações e perguntas em vez do problema que precisa de ser interpretado e resolvido. Não acreditamos que algum jovem queira esforçar-se e damo-nos por satisfeitos com respostas a partículas de perguntas em que a grande pergunta se decompõe. Olhamos para os jovens como se eles tivessem uma cabeça de pássaro desatento (ou atento a milhares de coisas por minuto) sem poder concentrar-se em leituras atentas e activas, interpretativas.

E damos sentido (talvez sem razão) ao cuidado do professor de Português em transcrever um texto numa só página na esperança que seja lido e compreendido pelos jovens, ao cuidado de publicar as perguntas sobre o texto ao lado do texto para ter esperança em que eles busquem o sentido para as respostas, etc.

Estes detalhes espelham uma baixa expectativa e uma descrença nos jovens. Um detalhe destes por dia e nós sabemos que passámos a estar à espera sem esperança. Sabemos que não há um nexo simples entre ensinar e aprender, porque aprender exige esforço, depende da vontade. E que aprender pelo trabalho, de forma complexa e esforçada, é fonte de muitas alegrias. E que aprender um caminho de migalhas que se debiquem e se guardem, migalha a migalha, pode ser um papo cheio, mas não de alegria.

Não podemos desistir de exigir o esforço de interpretar e construir alguma coisa que exija mudança de página e memória por, em cada momento, não importar o esforço da mudança de página e só interessa saber se o jovem sabe ou faz precisamente isto ou aquilo. E evitamos o que existe sempre e em todo o lado? Não podemos estar sempre a pensar em perguntas livres de todo o mal do esforço, qual minério livre da ganga em que se embrulha e esconde. Não podemos, mas os corredores mostram que o fazemos todos os dias. Sem pensar.

Continuar a empobrecer o nosso discurso até ser o já adquirido pelos jovens, por ser esse que eles percebem, ou motivar por vias estranhas ao nosso ensino e ao que é preciso que aprendam, talvez seja um caminho. Mas é um caminho sem regresso, porque as migalhas que fomos deixando para marcar o caminho de regresso ao futuro, foram parar ao papo de quem não vê a floresta do caminho que vai debicando, não pensa em deixar rasto, nem sabe de onde vem a luz que o guia.

Evidências que não contam. Detalhes que contam.


Página da Educação
N.º 187, série II
Inverno 2009

domingo, 10 de junho de 2012

Exorcizar o ranking na cidade velha

Sei de uma escola que ocupa um dos últimos lugares do ranking nacional. Fica situada na zona histórica de uma das mais assinaláveis cidades portuguesas. Tem à sua ilharga alguns dos mais celebrados monumentos do nosso património arquitectónico e artístico. O seu nome anda associado ao mito e ao imaginário social “de que houve nome Portugal”. E, todavia, os seus meninos e meninas “deixam-se” assinalar, hoje, por esta trágica condição que o malfadado ranking determinou: serem os “últimos” alunos de Portugal. Como se, verdadeiramente, não fossem sequer alunos. Como se, quase, esta escola perdesse a razão de existir. Porque essa é a “verdadeira” função reclamada pelo ranking – decidir quem merece e quem não merece existir.

Aceitemos o desafio e façamos alguma reflexão sobre esta escola que tais alunos têm.

Por onde começar? Pela escola, pelos alunos, pelos pais, pelas mães, pelas avós, pelas famílias, pelo meio, pelo poder à volta, pela apatia social, pela indiferença política, pela traição moral, pela inconsciência colectiva, pela história local?

Um pouco inadvertidamente, ia começando pela história local, e talvez seja essa uma via possível para compreender o que se passa e chegar mais além. Não História com H grande, mas história dos dias comuns, do quotidiano milenar que atravessa gerações sem as mover um milímetro. História de abandono e de marginalidade social e cultural onde a escola e a formação letrada sempre foram bens dispensáveis para “aquela gente” que, afinal, vivia do seu trabalho “sem precisar da escola para nada”. O analfabetismo literal que, ainda nos nossos dias, mora em muitas daquelas casas, bastante acima do que é a média da cidade, é bem expressivo da guetização cultural a que foi condenada secularmente a população.

Não é, assim, por acaso que a Escola ainda hoje é vista (e usada) mais como instituição de assistência social, de garantia de cuidados de inserção e do rendimento mínimo do que como espaço de aprendizagem e de desenvolvimento pessoal e social. Afinal, esses são serviços mais urgentes e determinantes que os da aprendizagem formal propriamente dita, se tivermos em atenção o estado de carência social generalizado aí dominante.

Face a este quadro, seria quase irreprimível um movimento de protesto e de denúncia contra a “insensibilidade” do ranking, se se lhe reconhecesse um último resquício de humanidade. Não é esse o caso. O ranking ocupa-se de outros cuidados...

E, no entanto, é preciso que se reconheça que é a via da humanização que está em causa; que se reconheça que os meninos e meninas daquela escola, assim como todos os que estão em processo de abandono ou de insucesso são normalmente os alunos mais fragilizados, os mais susceptíveis de cair em transgressão, os mais inclinados a provocar cenas de afirmação pessoal compensatória do seu anonimato ou da sua insignificância escolar. São, evidentemente, também aqueles que mais resistências oferecem aos programas de recuperação escolar, sobretudo se são programas estigmatizantes, que os assinalem pela negativa, que suscitem compaixão ou falsa valorização. São também os mais esquivos à relação, os mais resistentes à abordagem, os mais antipáticos, “verdadeiramente insuportáveis”, como é comum chamar-lhes. Mas é um profundo erro pensar que esses alunos são insensíveis à sua própria condição de marginais escolares. Não faltam estudos que assinalam a ligação profunda entre o sofrimento desses alunos (recalcado ou mascarado de sobranceria muitas vezes) e o princípio de uma carreira de transgressão, desviância e delinquência...

É aqui que tem lugar a necessidade de aprendizagem do processo de ser aluno, o que nós vimos chamando de “alunização”, que é um processo que exige tempo para aqueles que não trazem do ambiente familiar os hábitos e a cultura escolar, ou ofício do aluno. E lembremo-nos de que hoje a escolarização das nossas famílias com filhos na escola não vai além do ciclo preparatório em 70% dos casos. Ora, isso significa que a familiaridade com a cultura escolar desses adolescentes e jovens não foi oportunamente assegurada e desenvolvida em casa, pelo que os hábitos típicos da cultura escolar (organização do trabalho, disciplina pessoal, autonomia, responsabilidade) têm de ser aprendidos no contexto escolar, o que exige tempo, relações personalizadas professor/aluno, acompanhamento e envolvimento familiar, iniciação ao prazer do trabalho escolar. É absolutamente indispensável aceitar o princípio de que a aprendizagem não é possível sem antes ter criado apetências, disposições que criem o desejo de aprender. Ora, essa dinâmica do desejo supõe uma relação significativa de identificação com alguém que personifique um modelo de identidade que se deseja ser, uma relação singularizante e securizante com um/a professor/a, com um grupo, com um amigo ou amiga que faça a mediação.

Este é um aspecto que está ausente da nossa reflexão sobre a Escola, da nossa reflexão sobre o abandono, o insucesso, a indisciplina, a violência, mesmo que haja profissionais e escolas que são âncoras vivas para o quotidiano dos seus alunos. Quase sempre ficamos pelas lamúrias quanto à nossa incapacidade em Português e em Matemática e não nos interrogamos sobre o que condiciona a sua aprendizagem.

Antes de aprender, está o desejo de aprender. Não é quando se ignora que se aprende – é quando se deseja (Claudine Blanchard-Laville).  Página  da Educação N.º 187, série II, Inverno 2009

domingo, 3 de junho de 2012

Falar é fácil

Desde o início do ano que eu reparava no comportamento daquele meu aluno.

Era um rapazinho tímido, de cerca de 12 anos, frequentando com sucesso o 6º ano. Nunca se atrasava, exemplarmente cumpridor, mas no intervalo ficava muitas vezes isolado e afastado dos colegas. Várias vezes o tinha incentivado a participar com a turma nos jogos e brincadeiras. Embora lhe fosse difícil, percebia-se isso, um dia disse-me, à entrada da aula, “professor, hoje estive a jogar futebol com os outros”. Era um triunfo e quis partilhá-lo comigo, como se eu fosse cúmplice da sua vitória.

Mas na altura em que se aproximavam testes ele ficava ainda mais pálido e olheirento. Nessas alturas isolava-se ainda mais, deixava de sorrir, os olhos à beira das lágrimas, um silêncio a custo quebrado, um rosto que mostrava sofrimento.

Todos os professores, inquietos, tinham já falado do Francisco. Quando ao director de turma falou com os pais, compreendeu que a mesma ansiedade devia estar presente naqueles pais que, eles também, ficavam ansiosos quando da prestação de provas do filho. Mas, mais ainda, o próprio Francisco sofria por si e pelos pais. Apesar dos bons resultados que ia conseguindo, cada nova prova era um sofrimento atroz, nunca acreditava que ia ser capaz, e cada teste era um espasmo de dor e sofrimento. Tinha sido sempre assim desde pequeno, diziam os pais, até já o tinham levado ao psicólogo, mas não tinha mudado muito.

Os colegas gozavam o Francisco: desde chamar-lhe mariquinhas, betinho até inventarem súbitas informações sobre teste inexistentes que o professor de matemática ou português ia dar em breve.

Ciclicamente, quando havia testes, eu via o Francisco pálido, fechado em si, recuando para os cantos no recreio, a deixar-se ficar encostado e escondido junto a um pilar ou a uma árvore, de lágrimas nos olhos e tremendo.

No inverno, quando chovia e não se podia ir lá para fora, a tristeza do Francisco era mais visível. Percorrendo os corredores, ou o polivalente, arrastando atrás de si a mochila com rodinhas, de cabeço baixa, olhos em que podíamos imaginar as lágrimas, ombros caídos e um pouco curvado, ele era a imagem da própria desolação. Então nós, professores e funcionários, já sabíamos que o Francisco estava em vésperas de ter um teste. Depois a um seguiam-se outros e o Francisco nem tinha tempo para se “desangustiar”. Por fim quando os testes terminavam tinha alguns dias de alívio e alegria. Mas durava pouco pois, mal sabia de outro teste, logo ele se desesperava de novo.

Um dia falei com ele sobre a sua grande preocupação. Disse-lhe que não fazia sentido tanta desassossego pois ele era bom aluno, nunca tinha maus resultados, tinha que ter mais confiança em si, pensar que, mesmo se alguma coisa corresse mal, ele poderia sempre melhorar a seguir pois era inteligente e capaz; disse-lhe como tinha que estar mais à vontade, menos triste, que era só pensar que tudo iria correr bem.

Escutou-me atento e simpático mas os seus olhos continuavam aflitos e incrédulos.

Disse-lhe:

- Estás-me a ouvir e a pensar que falar é fácil, não é Francisco?

Então com um grande suspiro e um enorme sorriso de alívio o Francisco respondeu:

- É, professor, falar é fácil!...

Sorri-lhe. Não dissemos mais nada. A comunicação mais profunda tinha sido estabelecida.



Página da Educação
N.º 187, série II
Inverno 2009

domingo, 27 de maio de 2012

Gostam de ouvir histórias, mas têm “preguiça de ler”

Os alunos do 1.º ciclo preferem ler textos clássicos. Mas o gosto pela leitura diminui com a idade. E com o aumento da concorrência multimédia. Por isso, mais difícil que criar leitores é mantê-los. Os estudos mostram que os hábitos de leitura têm de nascer na família. Para que o gosto pela leitura absorva as crianças desde pequenas.

A tarefa estava a deixar o Miguel, de 13 anos, muito enervado. Como trabalho para casa, nas férias de Natal, a professora de Português do 7.º ano tinha pedido à turma uma ficha de leitura com um resumo original sobre um livro à sua escolha.
Como o trabalho não tinha "restrições oficiais", a explicadora sugeriu As Aventuras de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira. "Pareceu-me fácil de ler e com um enredo atrativo para a idade dele", recorda Raquel, que prefere o anonimato. Mas o número de páginas não atendia ao requisito que o miúdo mais queria ver cumprido.

Quando viu o explicando dizer que ia ler a "Carta a El-Rei D. Manuel, por Pero Vaz de Caminha, e outros Textos sobre a Descoberta do Brasil", Raquel não conteve a surpresa: "Fiquei parva!" O critério da escolha do miúdo assentava na comparação da grossura das lombadas. "Disse-me que preferia o livro mais fininho", recorda a explicadora.

A "Carta" tinha chegado às mãos do aluno via distribuição gratuita juntamente com um jornal diário que o pai lia. E era de facto um livro pequeno. "Ele nem se tinha apercebido que o conteúdo da Carta era intragável para a sua idade", graceja a explicadora. Ler uma das páginas ao acaso foi quanto bastou para o demover dessa leitura que o miúdo julgava ser mais fácil.

Os dias de pausa letiva passavam e a cada visita à sessão de explicação, Raquel perguntava pelos avanços na leitura da obra que recomendara. Mas as páginas não se liam sozinhas. E o trabalho para casa teve de tomar outro rumo, confessa a explicadora: "Acabei por lhe contar a história toda oralmente. Ele adorou. Mas ler mesmo, só algumas partes e porque eu insisti." E assim a ficha de leitura acabou por ser feita sem que o livro tivesse sido lido.

O episódio não é único. Durante a atividade de explicadora, Raquel viu repetidas vezes situações como esta em que os alunos "empurram os livros para ler com a barriga". Mas, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a razão da falta de vontade para a leitura é menos óbvia: "O desinteresse pela leitura em livro não significa a ausência de gosto pela história, apenas preguiça de ler, talvez por falta de hábito."

Papel versus multimédia
Pedro Balaus Custódio, professor da Escola Superior de Educação (ESE) de Coimbra, tem uma explicação para este fenómeno. O "convívio muito precoce com diferentes e novos suportes de leitura e de escrita, associado às tecnologias da informação e da comunicação".

"Esta pode ser uma das razões para o afastamento dos jovens, pois cada vez mais cedo se embrenham em aventuras virtuais em consolas e plataformas de jogos, estando frequentemente habituados a enunciados visuais complexos e a elaborados enredos digitais", avança o investigador.

"Muitos desses alunos não conseguem, por vezes, clarificar as fronteiras entre o texto escrito e os outros suportes media que consideram mais atrativos e educativos." Esta constatação leva Pedro Balaus Custódio a concluir: "Há que levar em consideração as competências distintas que os jovens têm perante objetos e produtos culturais diferentes."

Contra o gosto pelos livros parecem jogar também, na opinião deste professor da área de Português, "os vínculos que a leitura mantém com a avaliação escolar", já que "nem sempre é linear" a distinção entre as vertentes educativa e lúdica do ato de ler.

Quando ensinava Português no ensino secundário, publicou duas coletâneas de contos com os seus alunos. Agora, Deana Barroqueiro, autora da odisseia de aventuras do Espião de D. João II Pero da Covilhã, continua a fomentar a leitura em outros moldes. Vai às escolas desvendar os contextos históricos dos cenários dos seus livros e revelar pormenores da atividade literária.

"Lê-se muito mais do que há uns dez anos e isso deve-se muito ao trabalho dos professores e à animação das bibliotecas escolares", constata a escritora. Ainda assim, "a reação dos alunos é de recusa às obras que os professores recomendam", admite. A indisciplina vivida nas escolas "também não ajuda a criar um ambiente propício à leitura". Por isso, Deana Barroqueiro não estranha quando lhe dizem que nos centros de recursos os computadores são mais procurados que os livros.

Mais novos preferem os clássicos
O Cavaleiro da Dinamarca e A Saga, de Sophia Andresen; O Gato Malhado e a Andorinha Sinhã, de Jorge Amado; Sexta-Feira ou a Vida Selvagem, de Michel Tournier; Falar Verdade a Mentir de Almeida Garrett e o Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente, são títulos que a professora Norberta Rodrigue tem identificado na lista de favoritos dos seus alunos de 3.º ciclo.

Os gostos destes jovens entre os 13 e os 15 anos "variam de ano para ano e de turma para turma, para não dizer de aluno para aluno". O motivo por que estas obras são bem acolhidas e outras não só eles sabem. "Explicações não tenho, a não ser talvez a qualidade dos textos", arrisca a professora.


As preferências de leitura dos alunos do 1.º, 2.º e 3.º ciclo do ensino básico de um agrupamento de escolas de Coimbra foram registadas num estudo realizado por Eduarda Seco. Segundo, Pedro Balaus Custódio, conhecedor deste trabalho, os dados obtidos através de inquéritos avançam algumas explicações sobre a relação dos jovens com os livros.


Entre as conclusões, a investigadora verificou que os textos clássicos são os preferidos dos alunos do 1.º ciclo. E, são estes também que passam mais tempo a ler e gostam mais de o fazer. "Ao contrário do que seria de esperar, o gosto pela literatura clássica vai diminuindo ao longo dos ciclos. Apesar de a maioria dos alunos do 2.º e 3.º ciclos gostar de ler e de algumas das obras clássicas fazerem parte do seu currículo, estas não se refletem nas suas preferências", lê-se no estudo.

Pedro Balaus Custódio concorda com as conclusões de Eduarda Seco que apontam ser "profícuo investir em atividades de leitura que envolvam autores clássicos em idades mais precoces, dado que isso influi na formação de leitores". Entre as vantagens da leitura destas obras literárias do passado está "um claro enriquecimento verbal e linguístico do aluno".

"Conclui-se, também, que o conhecimento de autores clássicos resulta, não da sua integração no currículo, mas da forma como a sua abordagem foi feita, de forma precoce, através de adaptações ou livros que se referem a estes mesmos autores", acrescenta o investigador da ESE de Coimbra.

Ler em família
É sempre o Gonçalo a escolher os livros que a mãe lhe lê. Para Liliana Ferreira, "mais do que na escola é no ambiente familiar que se cria o gosto pela leitura". Há histórias que são repetidas noites a fio, até que o filho de quatro anos se canse de as ouvir. "Mas tem mesmo de ser assim", avisa a progenitora, a pensar na fatiga que a repetição pode gerar nos outros pais que vão ler este artigo.

Durante as sessões de leitura, antes da hora de dormir, a mãe vai constatando as vantagens do seu empenho: "O Gonçalo já tem memória visual das palavras que lhe leio." O truque para conseguir esse resultado foi aprendido num manual sobre pedagogia: "Enquanto conto a história aponto a palavra com o dedo para ele ter em atenção o grafismo do que está a ouvir." No final da leitura invertem-se os papéis. E é Gonçalo quem reconta a história à mãe.

Ver o prazer do filho multiplicado pelos colegas do pré-escolar é o motivo por que Liliana Ferreira aceita sempre o desafio da educadora do Gonçalo para ler uma história à turma. Por alturas da celebração do Dia Mundial do Livro, a 23 de abril, a deslocação ao jardim de infância é uma certeza. Há dois anos que é assim. "A maioria dos pais não pode participar por estar a trabalhar durante as manhãs", lamenta Liliana Ferreira, valorizando a iniciativa da educadora.

No ano passado, leu os Três Porquinhos, uma recriação moderna da história de Luísa Ducla Soares. Há dias, foi a vez do Adivinha o Quanto Eu Gosto de Ti, de Sam McBratney. Uma das obras recomendas pelo Plano Nacional de Leitura para o ensino pré-escolar. "Compro sempre o livro para oferecer à sala, porque têm poucos recursos, e depois compro-o para o Gonçalo ter em casa", confidencia a mãe.

José Soares Neves, investigador do Observatório das Atividades Culturais, em Lisboa, confirma as vantagens destes pequenos gestos: "Os estudos mostram a importância do incentivo pelos pais para a formação de hábitos de leitura pelo que iniciativas dos professores que os envolvam poderão ser adequadas."

O autor da tese de doutoramento "Práticas de leitura da população portuguesa no início do século XXI" esclarece que, na opinião dos pais, "alguns dos incentivos mais relevantes [à leitura] passam pela seleção e contacto com os livros adequados à idade, a promoção de atividades lúdicas em torno de livros e autores e o contato com as bibliotecas escolares e públicas".

A competência e o prazer de ler
A diretora dos Serviços do Livro da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas, Maria Carlos Loureiro, defende que "antes de mais" é preciso dar aos alunos competências de leitura. "A escola deve estabelecer como objetivo primeiro a criação de leitores" e os "professores devem transmitir técnicas de indução à leitura, articuladas com uma didática dos sentimentos e das emoções".

Para que o ato de ler deixe de ser "mecânico", mera "junção de sílabas e de palavras" e passe a ser paixão, "não pode desligar-se da formação técnica, da estratégia de compreensão de um texto", sublinha a diretora, insistindo: "É a competência que fará [a criança] ser leitor e lhe dará, no futuro, autonomia para saber escolher e interiorizar."

O "salto para o livro como objeto de prazer só acontecerá "quando a relação com o texto permitir [ao aluno] ter competências para se distanciar da linguagem como veículo denotativo e para se aproximar da reescrita do texto através da capacidade imaginativa", conclui.

Crianças e livros: como incentivar à leitura?
A iniciativa "Ler + em Família" inserida no Plano Nacional da Leitura dá algumas pistas aos pais sobre a relação que as crianças estabelecem com os livros desde os 12 meses aos oito anos e como pode ser potenciado o gosto pela leitura. 


Idades 12/24 meses
A criança já se senta sozinha e consegue agarrar e transportar o livro. Entrega o livro ao adulto para que lhe leia. Volta as páginas, primeiro, várias de cada vez, depois uma de cada vez. Interessa-se muito pelas palavras. Observa os livros. Aponta as imagens com o dedo. Consegue apontar quando o adulto pergunta onde está isto ou aquilo? Nomeia as figuras conhecidas. Intercala palavras nas histórias conhecidas. E "lê" para as bonecas e animais de peluche.

Os pais devem dispor-se a ler, sobretudo quando a criança pede. Ler e reler as palavras do livro. Conversar sobre as imagens e as cenas. Ajudar a criança a virar as páginas. Deixar a criança controlar o livro. Apontar as imagens e perguntar onde está... e deixar a criança apontar. Perguntar "o que é isto?" e dar tempo à criança para responder. Fazer pausas e deixar que a criança complete a frase. Observar a criança para a interessar sem cansar. Relacionar os livros com as experiências da criança. Usar os livros nos momentos das rotinas, hora de deitar ou banho.


Livros mais adequados
Coloridos, com imagens ou fotografias que incluam outras crianças, brinquedos e objetos em situações familiares, como por exemplo dormir, comer ou brincar. Com situações nítidas: por exemplo, pessoas ou animais a dizer adeus ou olá. Com poucas palavras em cada página, com versos e rimas engraçadas e previsíveis. De cartão grosso, de pano ou plastificados. Resistentes e laváveis.

Idades 2/3 anos
A criança aprende a segurar o livro bem e a virar as páginas. Procura para a frente e para trás num livro as ilustrações que já conhece e de que mais gosta. Diz frases completas de cor. Por vezes consegue dizer histórias completas. Relaciona o texto com a imagem. Protesta quando o adulto se engana numa palavra de uma história conhecida. Lê sozinha os livros conhecidos.

Os pais devem continuar a usar os livros nas rotinas diárias. Ler na hora de ir para a cama. Dispor-se a ler a mesma história muitas vezes. Perguntar "O que é isto?" Relacionar os livros com as experiências da criança. Dar à criança papéis, lápis e canetas e incentivá-la a desenhar e escrever linhas imitando a escrita.

Livros mais adequados
Coloridos, com páginas de cartão - mas também com páginas de papel. Livros cómicos. Rimas, canções e textos repetitivos que possam aprender de cor. Livros sobre: crianças e famílias; fazer amigos; alimentos; animais; camiões; carros; comboios e barcos. Livros de palavras associadas a imagens.

Idades 3/5 anos
A criança já sabe segurar um livro corretamente. Voltas as páginas uma de cada vez. Ouve histórias mais compridas. Pode voltar a contar uma história conhecida. Compreende o que é o texto. Distingue histórias contadas de histórias lidas. Move o dedo ao longo do texto. Começa a conhecer as letras do alfabeto. "Escreve" o nome. Pode começar a saber ler palavras e expressões.

Os pais devem continuar a ler os livros preferidos e apresentar outros como surpresas agradáveis. Ler e reler ao ritmo do interesse. Perguntar "O que aconteceu?" Incentivar a criança a escrever e a desenhar. Deixar a criança memorizar e contar a história. Conversar sobre livros. Comparar imagens de dois livros que representam o mesmo objeto e falar sobre as diferenças de cor, tamanho, etc.

Livros mais adequados
Livros de histórias. Livros sobre crianças que são como eles e que vivem como eles - mas também livros sobre diferentes lugares e diferentes formas de vida. Livros sobre ir à escola e fazer amigos. Livros com textos simples que possam memorizar. Livros que ensinam a contar, ensinam o alfabeto ou livros de vocabulário.

Idades 6/8 anos
A criança começa a decifrar o código e vai aprendendo a ler. Está desejosa de conseguir ler sozinha, mas continua a adorar ouvir os adultos a lerem alto. O ritmo de aprendizagem varia. No início gosta de descobrir nos livros as letras, sílabas ou palavras que já reconhece. Vai conseguindo ler frases e, ao sentir os seus próprios progressos, sente-se vitoriosa. Gosta de mostrar os seus progressos.

Os pais devem manter as rotinas diárias. Ler todos os dias. O apoio individual de um adulto na fase de decifração evita muitos problemas e torna a aprendizagem mais rápida e segura. Ler alto e deixar que a criança descubra, e leia sozinha, palavras e frases que já conhece. Completar frases e ajudar com as palavras que ainda não decifra. Encorajá-la a ler cada vez mais. Ouvir ler e felicitá-la pelos progressos.

Livros mais adequados
Livros com imagens coloridas, muito variados: de início com pouco texto para ler sozinha e treinar a decifração; à medida que vai lendo melhor, com texto mais longo para ouvir ler e para descobrir sílabas, palavras e frases; histórias familiares; contos tradicionais; histórias de animais; informações sobre vários temas; histórias alusivas à época do ano, Natal, estações do ano, ir para a escola, tempo de férias. Deixar a criança escolher os livros de que mais gosta e incentivá-la a procurar sempre novos livros.

sábado, 26 de maio de 2012

Profissão docente: lições à volta do mundo

A OCDE mostra uma panóplia de soluções encontradas em diversos países para valorizar a profissão docente. Uma tónica é comum: as grandes reformas na educação implicam consensos.

O Reino Unido e a Finlândia melhoraram o estatuto da profissão docente para atrair candidatos aos cursos de ensino. Em Singapura, os potenciais professores são selecionados entre os melhores alunos do secundário. Na Suécia, os salários são negociados individualmente entre o professor e o diretor da escola, permitindo salários mais elevados em áreas geográficas ou disciplinares de escassez. Incentivos salariais para premiar a competência e a criação de padrões profissionais na Noruega e Austrália, foram as soluções encontradas para dignificar a classe.

O relatório "Construindo uma profissão docente de alta qualidade: Lições à volta do mundo", publicado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), fornece exemplos vindos de todo o mundo de como a colaboração entre ministérios da Educação, representantes docentes e autoridades locais serve de base à transformação da profissão.

Em Singapura, a vocação para o ensino não é deixada ao acaso. O governo seleciona os candidatos a professor entre os melhores alunos do secundário oferecendo-lhes uma bolsa mensal, equivalente ao salário dos recém-licenciados, durante o período de formação. Em troca estes professores comprometem-se a lecionar por três anos no ensino público. O sistema educativo prevê ainda a entrada no ensino a quem está a meio de outra carreira. Acredita-se que seja uma forma de trazer experiência do mundo real para a escola. Quem escolhe a profissão de docente pode seguir três saídas diferentes: professor mestre, especialista em currículo ou investigação, e líder escolar. Cada uma com benefícios salariais específicos. A avaliação, feita anualmente após os três primeiros anos de ensino, tem como objetivo perceber qual das carreiras se adequa melhor às apetências do docente.

A preocupação com a satisfação dos professores reflete-se no modo como o governo tem ajustado os seus salários em conformidade com os dos outros licenciados. Tornar o ensino tão compensatório como as outras profissões é a estratégia usada para atrair candidatos mais qualificados.

Quando tomou posse, o governo de Tony Blair enfrentou a pior escassez de professores de que há memória no Reino Unido. Cinco anos depois, contavam-se oito candidatos para cada vaga. O aumento dos salários, mudanças importantes nas escolas e um programa de atribuição de bolsas de estudo aos candidatos marcaram a reviravolta.

Com forte apoio político e financeiro, no ano 2000, a Agência de Formação e Desenvolvimento (AFD) realizou uma extensa pesquisa de mercado sobre as motivações e barreiras à opção pela carreira docente. Concentrando-se na ideia de ensinar "a fazer a diferença", foi lançada uma campanha para melhorar a imagem do magistério onde também se destacavam fatores como a diversidade de competências que os professores adquirem, a variedade de saídas profissionais no ensino e a possibilidade de fazer do ensino uma "carreira" inicial, antes da passagem para outras.

A abordagem publicitária foi direta. A criação de uma linha telefónica de informação nacional permitiu recolher dados sobre os interessados na via ensino e sinalizar estudantes com competências para áreas de escassez, como a matemática e a física. Em 2005, o número de professores nestas disciplinas já tinha duplicado.

Elevar o estatuto profissional do professor foi também uma estratégia utilizada na Finlândia. Os professores sempre gozaram de grande respeito na sociedade finlandesa. Mas ao elevar a fasquia de acesso aos cursos de ensino e ao conceder maior autonomia aos professores na sala de aula, o governo conseguiu dignificar ainda mais a profissão.

Em 2010, contavam-se 660 vagas disponíveis nos cursos de ensino primário (do 1.º ao 6.º ano), nas oito universidades que formam professores, para 6600 candidatos. Este clima competitivo tem tornado o ensino uma profissão seletiva e altamente qualificada.

Desde 1980 que o recrutamento docente tem como critério a capacidade de transmitir uma educação pública tão profundamente humanista, como cívica e económica. A formação inicial prepara o corpo para assumir a responsabilidade pelo bem-estar e a aprendizagem dos alunos. Durante a carreira espera-se ainda que os profissionais do ensino combinem a prática letiva com a investigação.

O professor é formado para realizar pesquisa-ação durante a prática letiva. As autoridades de Xangai, na China, contam com estas investigações para melhorar o método de ensino individual e, assim, a qualidade do sistema educativo. À semelhança do que acontece na Finlândia, nenhum aluno é, literalmente, autorizado a ficar para trás. Por isso, é essencial ao docente ter a competência e o conhecimento necessários para criar um vasto e atualizado leque de soluções para os problemas de desempenho dos estudantes.

Ao longo da carreira, os professores desta província chinesa participam em grupos de "estudo-ensino", muitas vezes envolvendo outros profissionais que os ajudam a melhorar a forma como ensinam. Durante estas sessões, os participantes elaboram planos detalhados sobre tópicos a lecionar que os guiam durante as aulas e atestam o seu desempenho profissional. Muitas vezes, as aulas dos seniores são observadas pelos colegas mais inexperientes, quando é introduzida uma mudança no currículo ou para que a sua prática sirva de exemplo.

Para subir de escalão, o professor deve contribuir para a formação de novos docentes e publicar artigos em jornais ou revistas sobre educação e ensino. A autoridade provincial muitas vezes identifica os melhores professores que emergem de processos de avaliação e retira-lhes a componente letiva, para que possam dar palestras aos seus pares, proporcionando demonstrações de aulas no distrito, província e mesmo a nível nacional.

Na Austrália, a estrutura da carreira envolve dois a quatro escalões, com aumentos salariais anuais: de professor iniciado a experiente - com ou sem responsabilidades na liderança da escola ou na coordenação de uma área de ensino - de assistente do diretor a diretor, e por último, o exercício de cargos na administração distrital ou regional. No entanto, a subida aos escalões mais altos requer a existência de vagas.

Na Inglaterra e País de Gales, foi introduzido em 1998 na carreira docente o grau de Professor com Competências Avançadas (PCA), que fornece uma rota alternativa para quem deseja permanecer na sala de aula. Estes professores passam 20% do seu tempo de trabalho a apoiar o desenvolvimento profissional dos seus colegas e o restante a lecionar. Os candidatos podem concorrer a este grau em qualquer ponto da carreira sujeitando-se a uma avaliação externa que engloba entrevistas e observação de aulas. Em julho de 2004, cerca de 5 mil professores passaram a avaliação de PCA e a intenção é graduar entre 3% a 5% da classe.

Na Irlanda, 50% da classe docente pode alcançar uma das quatro principais posições na carreira: diretor, diretor adjunto, assistente do diretor e professor com deveres especiais na gestão da escola. Os dois últimos cargos obrigam os docentes a ter responsabilidade sobre assuntos académicos, administrativos e pastorais, incluindo arranjos de horários, na ligação com as associações de pais, e na manutenção de equipamentos escola. Tudo isto a par da componente letiva. A seleção para estes cargos é feita pelo diretor e o conselho de administração da escola.

No Quebeque, Canadá, os professores mais experientes podem trabalhar como mentores dos colegas que lecionam nos cursos de ensino, recebendo uma remuneração adicional ou uma redução na componente letiva. Cerca de 12 mil professores participam no programa mentor. Alguns têm a oportunidade de se tornar copesquisadores nas universidades, participando em estudos colaborativos sobre temas ligados ao ensino, aprendizagem, gestão de sala de aula e sucesso ou fracasso do aluno.

Em 1995, a Suécia aboliu o salário fixo dos professores, como parte de um pacote destinado a aumentar a autonomia local e da flexibilidade no sistema educativo. O governo federal estabeleceu um salário mínimo a partir do qual o montante passaria a ser negociado individualmente. E, comprometeu-se a aumentar substancialmente os vencimentos ao longo de cinco anos, com a condição que nem todos os professores recebessem o mesmo aumento.

Os salários são negociados quando da contratação e anualmente pelo diretor e o professor, que pode solicitar assistência do sindicato. A negociação é feita com base em vários fatores. O nível de ensino é um deles. No secundário os salários são mais elevados que no básico. A situação do mercado de trabalho é tida em conta: os ordenados são melhores nas regiões ou disciplinas onde faltam professores, como a matemática e as ciências. O acordo coletivo exige que o aumento salarial esteja ligado a uma melhoria do desempenho, permitindo que as escolas possam diferenciar a remuneração de professores com tarefas semelhantes ou responsabilidades acrescidas.

O Instituto Australiano Ensino e Liderança Escolar (IAELE) estabeleceu padrões profissionais nacionais para os professores, aprovados pelos ministros federais e estaduais em dezembro de 2010. O objetivo: tornar claro o que os professores devem saber e ser capazes de fazer, ao longo da carreira e nos domínios do conhecimento e da prática profissional. Fazem parte deste instituto os sindicatos ligados ao ensino e um órgão independente para a promoção da excelência profissional e liderança escolar.

Uma ampla reforma focada para melhorar o ato de ensinar, foi a solução encontrada em 2003 pela província canadiana de Ontário para qualificar a profissão. Aos professores foi dada a oportunidade de pôr em prática novas ideias e de aprender com os seus colegas. A estratégia integrou as expectativas dos alunos e dos professores. A reforma ganhou o apoio da classe docente pois viria a ser implementada por especialistas, afastando os burocratas.

Para a aceitação foi central a assinatura de acordos de quatro anos com os principais sindicatos do setor, nos anos 2005 e 2008. O ministério foi assim capaz de negociar itens consistentes com a sua estratégia e os interesses dos sindicatos, que incluíam uma redução do tamanho da classe e a criação de tempo de preparação extra. Medidas que permitiram a criação de 5000 e 2000 novos empregos, respetivamente. Estava criada a paz laboral para ocorrer a mudança necessária.

Na Noruega, os governos e os sindicatos têm colaborado para melhorar e reconhecer a competência dos professores. Em 2008, o leque salarial foi alargado para premiar professores altamente competentes, sempre que identificados pelo diretor da escola.

O Ministério da Educação norueguês, a organização central para governos locais e regionais, instituições de formação de professores e sindicatos criaram um sistema de educação para professores em serviço. Cerca de 2 mil vagas foram reservadas em faculdades e universidades para serem ocupadas a tempo inteiro ou parcial. Aos participantes foi concedida licença laboral com vencimento, sendo os custos da sua substituição na escola suportados pelo governo central e o empregador local.

Apesar do acordo, entre o governo central e os parceiros educacionais, a implementação destas e outras iniciativas para aumentar a competência docente só avança com o aval das respetivas autoridades locais, compostas por 420 municípios e 19 distritos.

Ao longo do relatório, a OCDE sublinha a importância de colocar o professor no centro das mudanças educativas. A avaliação e a recompensa devem andar de braço dado, diz a organização. Autonomia e responsabilidade também são essenciais para elevar o estatuto social da profissão docente.