sábado, 19 de julho de 2014

Destruir, diz ele

Ao marcar a prova de avaliação de conhecimentos dos professores com cinco dias de antecedência, o Ministério da Educação comportou-se como um velho salteador de estradas. O salteador, conhecendo os caminhos que os transeuntes incautamente atravessavam, atacava-os de surpresa para lhes extorquir bens, às vezes a própria vida. O Ministério, jogando também no segredo, apanha desprevenidos os sindicatos e retira-lhes a possibilidade de recurso à greve.

Creio estar à vontade nesta questão. Defendo a realização de uma prova de acesso à profissão docente, que me parece indispensável para, entre outras coisas, repor alguma equidade entre candidatos que se formaram e foram classificados em condições muito díspares Critico também regularmente o uso destemperado de todos os instrumentos imagináveis por parte da Fenprof para contestar qualquer medida.

Mas impressiona-me que o Ministério da Educação recorra a expedientes tão rasteiros e desrespeite tanto as escolas e respetivas direções. E não me impressiona menos o desprezo que assim mostra devotar à prova que quer aparentemente promover. Já a edição de dezembro passado tinha escandalizado a opinião pública pelo seu enunciado ridículo. Agora, a marcação com o intervalo de três dias úteis, como se ela não implicasse outra preparação aos candidatos que não apontar o local e hora de comparência, é um golpe final na sua credibilidade.

É mais um feito a acrescentar à longa lista que Nuno Crato apresenta, em matéria de destruição do que encontrou estruturado. Adaptando-lhe o título de uma conhecida obra de Marguerite Duras (e sem ofensa para esta grande escritora), o que ele diz é apenas "destruir".

O ministro da Educação só tem uma ideia para o setor. Realizando exames com efeitos eliminatórios no fim de cada ciclo de estudos (a começar logo pelo primeiro), seria possível separar o mais precocemente possível os meninos "capazes", destinados às vias nobres de prosseguimento de estudos, dos meninos "incapazes", encaminhados, via cursos ditos vocacionais, para o fado do trabalho desqualificado - ou, mais provavelmente, para o desemprego. Transformada em política, esta ideia coloca Portugal em contramão face aos países desenvolvidos. De passagem, destrói uma das melhores realizações do nosso sistema educativo (aliás, da responsabilidade inicial de um governo do PSD), que é o ensino profissional.

Crato destruiu o programa de modernização escolar (quer física, quer tecnológica). Destruiu o programa Magalhães. Destruiu as Novas Oportunidades. Destruiu a avaliação de professores. Destruiu o Inglês no 1.0º Ciclo. Está a destruir o sistema científico. Está a destruir o ensino profissional. E o que oferece em alternativa é o nada absoluto, ou vagas promessas, ou coisas totalmente absurdas.

Veja-se o caso do Ensino Superior. Rompida a relação de confiança com as instituições, o Governo ficou incapaz de atacar o problema principal, que é reordenar a rede de estabelecimentos. Entretanto, semeia a confusão na fileira profissional e politécnica, com o lançamento de uma coisa sem nexo nem sentido, a que chama cursos técnicos superiores profissionais - mas poderia chamar cursos profissionais superiores técnicos, ou superiores técnicos profissionais, ou superiores profissionais técnicos, que a incongruência seria igual.

Veja-se o caso da ciência. O sistema tão laboriosamente construído é amputado a sangue-frio. Aquilo que devia ser uma orientação política de primeira grandeza - promover o português como língua internacional de conhecimento - serve de critério para eliminar centros e projetos. A avaliação é substituída pela mais completa arbitrariedade. O conhecimento crítico é perseguido.

Agora, pela calada da noite, o salteador interpela os professores contratados. Mas nem sequer sabe o que fazer com o assalto. A única coisa que parece movê-lo é o instinto do sádico, cujo prazer é magoar e destruir.

POR AUGUSTO SANTOS SILVA, SOCIÓLOGO, PROFESSOR DA FACULDADE DE, ECONOMIA DO PORTO
Noticia retirada daqui

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