Omento: este é o nome de um órgão que tem funções imunitárias, mas quase nem falamos dele. E não é porque seja propriamente invisível. O omento é uma cobertura adiposa que está na zona do abdómen, mesmo à frente dos órgãos viscerais. Já se sabe da sua importância desde o início do século XX, mas agora dois cientistas da Universidade do Alabama, em Birmingham (nos Estados Unidos), publicaram um artigo na revista Trends in Immunology em que voltam a realçar as funções imunitárias determinantes deste órgão tão particular.
Para encontrarmos registos do omento é preciso recuar até ao Antigo Egipto, de acordo com o artigo científico “O omento” publicado em 2000 na revista World Journal of Gastroenterology. Quando embalsamavam os corpos humanos, os egípcios antigos examinavam o omento para perceber através das suas variações os “presságios”. Também o famoso médico da Roma Antiga, Cláudio Galeno, concluiu que esta cobertura adiposa tinha importância depois de um gladiador a quem tirou o omento ter tido muito frio o resto da vida. Então, Galeno ficou a pensar que o omento aquecia os intestinos.
Há muito que se constatou a sua importância e o próprio omento é conhecido como “polícia do abdómen” desde o início do século XIX. Este cognome foi-lhe atribuído pelo cirurgião britânico Rutherford Morison. “Viaja à volta do abdómen com uma actividade considerável”, escreveu o cirurgião britânico em Uma Introdução à Cirurgia, de 1910.
Rutherford Morison considerava ainda que o omento atenuava a inflamação do peritónio (membrana que cobre as paredes do abdómen e dos órgãos do sistema digestivo) e ajudava a cicatrizar as feridas cirúrgicas. “De facto, o omento foi observado a mexer-se sobre a cavidade peritoneal e oclui sítios inflamados, como ovários em ruptura, apêndice inflamado, úlceras nos intestinos e feridas provocadas por traumatismos ou cirurgias”, lê-se no artigo da Trends in Immunology sobre o trabalho de Morison.
Ora, ao longo do tempo foi-se conhecendo melhor este revestimento de gordura e hoje é considerado um tecido visceral adiposo, que deriva de células mesoteliais (que revestem as cavidades), e está ligado ao baço, estômago, pâncreas e cólon. No corpo humano, pode variar de forma e é “consideravelmente largo”, como refere o artigo, podendo ir dos 300 aos 1500 centímetros quadrados. É um autêntico avental. Mas nos ratinhos, por exemplo, é apenas uma pequena tira. “A função primária do omento é a acumulação de gordura e o metabolismo. A função secundária é a regulação da imunidade na cavidade peritoneal”, explica-nos Troy D. Randall, um dos dois autores do estudo.
“Percebemos que a actividade imunitária do omento é altamente especializada”, realça o artigo. Contudo, pode também promover o rápido crescimento de metástases dos cancros. Mas, antes de se perceber como isto é possível, ainda temos de conhecer uma parte determinante do omento: é salpicado por manchas esbranquiçadas.
Estas manchas foram descritas pela primeira vez em 1874 em coelhos, pelo médico francês Louis-Antoine Ranvier. Agora sabe-se que estas manchas se desenvolvem no período fetal e que são leucócitos (células imunitárias) incorporados no tecido adiposo. Estas células têm aí a funções de recolha e resposta a moléculas estranhas ao organismo (os antigénios).
“O fluido à volta dos órgãos abdominais não permanece apenas lá, circula através das manchas esbranquiçadas”, descreve Troy Randall, num comunicado do grupo Cell Press, que edita a revista Trends in Immunology. “As manchas esbranquiçadas recolhem células, antigénios, e bactérias, antes de uma decisão sobre o que vai acontecer imunologicamente.” Afinal, é a análise destas manchas brancas que origina uma resposta imunitária do omento através da libertação de moléculas inflamatórias, tolerando a presença de antigénios ou iniciando um processo de fibrose.
O omento também tem sido motivo de interesse nas cirurgias de bypass gástrico. “Uma vez que o omento é um sítio de grande acumulação de gordura no abdómen, alguns médicos pensam que a sua remoção vai alterar o metabolismo ligado à obesidade”, conta Troy Randall. “No entanto, parece que as funções metabólicas não são muito afectadas pela remoção do omento.” Mas, por outro lado, como também não parece existir grande inflamação devido a esse procedimento, Troy Randall não vê grande problema na remoção do omento: “O procedimento até pode ser bom para doentes obesos, mas não resolve tudo.”
Mas o omento também toma “más decisões”, como refere o comunicado. “Pode decidir fornecer tolerância em vez de imunidade.” A circulação de fluidos leva as células cancerosas até às manchas esbranquiçadas, que ficam aí encurraladas. O omento é assim muito vulnerável a cancros gastrointestinais e dos ovários. “Os estudos publicados mostram que o omento é um bom sítio para os tumores crescerem porque as células cancerosas obtêm energia das células adiposas”, explica-nos por sua vez Troy Randall. “O nosso estudo também sugere que o omento impede uma forte resposta imunitária contra o tumor, o que é bom para o tumor crescer e mau para o doente.”
Os cientistas esperam conseguir atingir com terapias os sítios onde as células cancerosas ficam aprisionadas, para controlar os tumores abdominais. “Se percebermos isto, então podemos avançar nos tratamentos do cancro porque, na maioria dos casos, o cancro dos ovários só se detecta quando já há metástases”, diz Troy Randall.
O conhecimento mais aprofundado deste órgão tão peculiar do corpo humano pode ajudar-nos a combater doenças como a obesidade e os cancros.
Informação retirada daqui
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