n. 26 de novembro de 1809.
f. 3 de novembro de 1862.
Notável orador político, bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, jornalista, deputado, etc.
Nasceu em Aveiro a 26 de novembro de 1809, faleceu em Lisboa a 3 de novembro de 1862. Era filho do médico Luís Cipriano Coelho de Magalhães (V. este nome), e de sua mulher, D. Clara Miquelina de Azevedo Leitão.
Quando em 1810, os exércitos franceses invadiram Portugal, vendo-se o Dr. Magalhães obrigado a fugir de Aveiro, mandou o filho para casa da avó materna, D. Ana Joaquim Ribeiro da Costa, que era muito extremosa pelo neto, e de cuja educação cuidou até que em 1821 seu pai novamente o chamou para junto de si. José Estêvão teve então o grande desgosto de perder sua mãe. Seu pai tratou da sua educação literária, e mandou-o para a aula de instrução primária dum professor de Aveiro, chamado Custódio José Baptista, e depois passou a ouvir as lições de latim de José Lucas da Silveira, estudando juntamente lógica com Francisco Inácio de Mendonça, e retórica com o padre Manuel Xavier, poeta e pregador muito respeitado. Terminados os estudos preparatórios, o moço estudante desejava seguir a vida eclesiástica, mas o pai tratou de o dissuadir dessa ideia, e José Estêvão matriculou-se em 1825 no 1.° ano de direito na Universidade de Coimbra. Cheio de ardor, de crenças, de aspirações e de mocidade, sentindo o fogo da eloquência que o arrebatava, começou a manifestar, nos clubes políticos que se formatam entre os académicos, o seu decidido amor à liberdade e o arrojo e energia de que mais tarde nos campos da batalha, nas lides da imprensa e nas lutas parlamentares, deu tão elevados testemunhos.
José Estêvão continuava a cursar as aulas no meio da grande agitação que lavrava no país, e chegando o mês de maio de 1828, em que os liberais resolveram protestar pela força contra o procedimento do infante D. Miguel, o moço estudante entrou de corpo e alma na conspiração, que abortou, fazendo parte do batalhão académico que então se organizara, e em que tinha o posto de cabo. Começaram logo as perseguições de que havia de ser vítima, e aos dezanove anos de idade, ainda incompletos, teve de emigrar para a Galiza, com os seus companheiros, e embarcando em Ferrol com destino a Inglaterra, e desembarcando em Plymouth, ali se conservou até ao momento de poder ir associar se aos liberais que levantaram a sua bandeira na ilha Terceira, Com o seu modesto posto de cabo da companhia de artilheiros do batalhão académico serviu José Estêvão durante todo o tempo que as forças constitucionais se conservaram nos Açores, e não tendo entrado na acção da Vila da Praia por estar destacado no interior da ilha Terceira, tomou parte na conquista das ilhas do arquipélago, e com o exército de D. Pedro embarcou para Portugal, vindo desembarcar no Mindelo em 8 de julho de 1832. Os bravos académicos foram encarregados da defesa da Serra do Pilar, e da forma como se houveram nos ataques dos dias 13 e 14 de outubro do mesmo ano de 1832, o general Ponce de Leão, mais tarde visconde da Serra do Pilar, no seu relatório ao governo elogiava muito os voluntários académicos e o seu comandante, especializando no combate do dia 13, José Estêvão Coelho de Magalhães, José Silvestre Ribeiro e o alferes Alexandre Carvalhal Silveira, que encarregados dos trabalhos de fortificação, dirigiram o estabelecimento da brecha debaixo dum vivíssimo fogo da artilharia, e no dia imediato tiveram um comportamento igual ao dos seus camaradas. Por essa ocasião José Estêvão recebeu o hábito da Torre e Espada. Continuando a servir no cerco do Porto como voluntário académico, deu novamente provas da sua bravura em diferentes ocasiões, e sendo despachado 2.º tenente de artilharia em 4 de abril de 1833, logo na acção de 25 de julho se assinalou no reduto que se tornou célebre com o nome de flecha dos mortos. Acompanhado unicamente de vinte soldados, defendeu tenazmente esse ponto das fortificações, e vendo cair mortos a seu lado os seus subordinados, sem perder o ânimo, ia sempre continuando o fogo, dirigindo as pontarias com tal acerto, que nas fileiras miguelistas era grande o estrago. Quando lhe restava apenas um soldado e não podia, portanto, continuar o serviço da peça, ainda se conservou no seu posto, até que o oficial inimigo entrou no seu reduto, e então com o atrevimento que lhe era próprio, chamuscou as barbas do adversário com a vela mista que tinha na mão, e sob um chuveiro de balas deitou a correr para a retaguarda a unir-se ás forças liberais. Por essa heróica defesa recebeu José Estêvão e grau de cavaleiro da Torre e Espada, por decreto de 15 de agosto de 1833. mas como essa distinção já lhe havia sido conferida, conforme citámos, foi em 7 de fevereiro de 1834 elevado a oficial da mesma ordem, por um decreto muito honroso. Nos últimos tempos da campanha José Estêvão fez parte das forças, que ás ordens de Saldanha, continuaram a luta contra os miguelistas, e terminada a guerra foi promovido a 1.º tenente em 24 de julho de 1831. Em outubro seguinte matriculou-se no 3.° ano da faculdade de direito, porque tinha sido dispensado do exame do 2.º ano, pelo decreto de 8 de março de 1833, que deu perdão do acto aos académicos, que se alistaram no exército constitucional.
Em 1837 concluiu o curso de Direito, e estava resolvido a deixar a carreira militar para ir exercer a advocacia na cidade do Porto, mas o pai contrariou-o nesse desejo, e fazendo-o eleger representante dos povos de Aveiro, no congresso constituinte que se ia reunir depois da revolução de Setembro, conduziu-o assim ao campo em que tanto se havia de assinalar. Foi na tribuna parlamentar, sustentando os princípios e as ideias liberais, ou defendendo a honra da pátria ultrajada por nações mais poderosas, que José Estêvão ganhou os direitos à imortalidade e o nome de notável orador português. Entusiástico democrata acolheu com aplauso a revolução de Setembro de 1836, pronunciou o seu primeiro discurso parlamentar em 5 de abril de 1837, que foi como uma profissão de fé politica, o seu programa de partidário ardente das ideias progressistas, que queria ver afirmadas na constituição que se estava discutindo, e foi decretada no anho seguinte. Rodrigo da Fonseca Magalhães e Costa Cabral, inimigos da constituição democrática, tiveram nele um dos seus mais terríveis adversários. Não se contentando com a tribuna do parlamento, e julgando que para melhor propagar as suas ideias, era preciso ter um jornal à sua disposição, fundou, com Manuel António de Vasconcelos, O Tempo, cujo primeiro número saiu a 29 de janeiro de 1838, sendo o artigo de fundo escrito por José Estêvão, que nele combatia os planos financeiros do governo e as propostas feitas pela direcção do Banco de Lisboa, para um empréstimo ao tesouro. A oposição o de José Estêvão não se limitava, porém, só aos seus artigos no Tempo e aos seus discursos no parlamento e no Clube dos Camilos, que foi uma das sociedades politicas dessa época, que mais celebridade, alcançou; também José Estêvão, com a sua palavra inflamada, não se cansava de verberar os actos do ministério, que julgava não ter força necessária para defender a revolução contra as intrigas e manejos dos adversários dela. Discutiam-se nos Camilos as proposições mais exaltadas, e como se sabia que a rainha só constrangida havia aderido à revolução, alguns membros do clube envolviam o trono nos seus ataques ao ministério; mas José Estêvão, que na sua profissão politica, dissera querer um rei só com ministros responsáveis a executar só, conservava-se firme nessas ideias.
Terminada a missão do congresso, reuniram-se em dezembro de 1838 as novas câmaras, e José Estêvão, nomeado relator da comissão da resposta ao discurso da coroa, reprovou com toda a energia a marcha politica do gabinete. Este ministério durou até abril de 1839, em que se formou outro gabinete presidido pelo barão da Ribeira de Sabrosa. A este ministério prestou José Estêvão o seu apoio franco e decidido; a 26 de novembro, eram chamados aos conselhos da coroa Rodrigo da Fonseca Magalhães e Costa Cabral, cujos sentimentos cartistas eram bem conhecidos, e por isso José Estêvão fez a esse ministério uma guerra crudelíssima tanto no parlamento como na imprensa. A demissão do barão da Ribeira de Sabrosa e a formação do ministério, que lhe sucedeu, foram atribuídas à influencia de lord Palmerston e do ministro britânico em Lisboa, e por isso José Estevão escreveu uma sátira pungentíssima, que apareceu no Atleta do Porto, sendo depois transcrita no primeiro numero na Lança, que então começou a publicar-se em Lisboa. Essa sátira, em que se contava o baptizado do ministério, tornou-se célebre, e nela se encontra bem desenhada a situação do governo no princípio do ano de 1840. Reunidas as cortes em janeiro deste ano, a oposição dirigiu ao governo os mais vivos ataques na discussão da resposta ao discurso da coroa, e foi nesse debate que José Estêvão teve por principal adversário outro grande orador, Almeida Garrett, que pertencendo ao centro da câmara, era então um dos defensores do ministério. Foi na sessão de 6 de fevereiro de 1840 que José Estêvão pronunciou o seu primeiro discurso contra o projecto de resposta ao discurso da coroa, e foi ali que ele aludiu ao Porto Pireu, o que deu causa à celebrada réplica de Garrett, que ficou conhecida na história parlamentar portuguesa pelo nome de discurso do Porto Pireu. O debate entre estes dois contendores notáveis, tornou-se imponente durante algumas sessões. Em vista do número e qualidade dos deputados que contava a oposição, entendeu o governo que, devia propor à rainha a dissolução das cortes, mas para a nova legislatura foi ainda reeleito José Estêvão, que continuou a sua luta pertinaz contra o ministério, pronunciando, além de outros, dois importantes discursos, um na sessão de 3 de junho sobre a eleição do 1.° circulo do Porto, e outro acerca do projecto de lei sobre o censo eleitoral. Foi nesse ano de 1840, que José Estêvão alcançou em concurso público a cadeira de economia politica da Escola Politécnica, tendo por competidor nesse certame José Maria Eugénio de Almeida. Deixou muitos apontamentos das suas lições, publicando o excerto dum deles, a respeito da emigração, no Arquivo Pitoresco de 1862. Foi José Estêvão, com o seu amigo e patrício Manuel José Mendes Leite, que fundou a Revolução de Setembro, jornal que principiou a publicar-se em 22 de junho de 1840. António Rodrigues Sampaio foi também um dos redactores, e com a sua pena enérgica e virulenta tornou-se sócio inseparável de José Estêvão nas lutas politicas, e nos perigos e trabalhos que sofreram.
Depois de levada a cabo a restauração da Carta em 1842, José Estêvão continuou na Revolução de Setembro a combater o governo mostrando-se também vigoroso na câmara, onde entrou como representante de Lisboa, porque o ministério tais diligencias empregou para lhe contrariar a eleição, que o distinto deputado não pôde fazer vingar a sua candidatura por Aveiro, que sempre o elegera. Nessa legislatura a oposição contava um pequeno numero de deputados, e embora entre eles se contassem alguns dos homens mais distintos do partido liberal, as suas vozes eram abafadas pela, importância numérica da maioria, e o governo tinha a certeza da aprovação de todos os seus actos. Foi então que António César de Vasconcelos, depois conde de Torres Novas, saindo de Lisboa para aquela vila, em fevereiro de 1844, se pôs à frente do Regimento de Cavalaria n.º 4, e levantou o grito de revolta contra o ministério. José Estêvão e muitos outros militares e paisanos do partido progressista, foram juntar-se a César de Vasconcelos, o qual, com as forças que pôde reunir, marchou sobre Almeida. José Estêvão fora mandado antes a essa praça para dispor e preparar a revolução popular nas províncias do norte, e lá estava ainda quando as tropas do governo, sob o comando do conde de Fonte Nova, puseram a Almeida um apertado circo. A posição dos sitiados agravava-se de dia para dia com a falta de víveres, e era indispensável que os povos do norte se levantassem para chamar a atenção das forças do governo, pois doutro modo a praça fatalmente havia de capitular em pouco tempo. No meio da irresolução dos chefes e da desanimarão que já começava a manifestar-se entre os soldados, José Estêvão ofereceu-se para atravessar as linhas do inimigo e ir preparar a revolução na Beira e Trás-os-Montes. Na noite de 7 de abril, com o maior segredo e as possíveis precauções, saiu da praça pela paterna de S. João de Deus, acompanhado de João Bernardino da Silva Borges, Germano José Guedes, António Maria, proprietário na vila de Almeida e um guia prático daqueles sítios. Caminharam toda a noite espreitando o movimento das patrulhas dos sitiantes, até que chegaram de madrugada a uma ceara de centeio, onde o guia os deixou para se ir orientar no terreno. Voltando pouco depois, anunciou-lhes que estavam perdidos. José Estêvão decidiu caminhar até um outeiro próximo para dali descobrir campo. Apenas chegaram ao alto, as cornetas e os tambores das tropas do governo e um tiro de peça disparado contra a praça, demonstraram a José Estêvão e aos seus companheiros que estavam na retaguarda do quartel general do conde de Fonte Nova, e que por trás deles ficava a raia portuguesa. Desceram o outeiro, tendo já nascido o sol, e depois duma marcha forçadíssima passaram ás nove horas da manhã o rio que divide Portugal da Espanha. A pouca distância do lugar onde descansaram, viram um pastor de cabras, e chamaram-no para junto de si; o qual vinha acompanhado duma rapariguinha loura e esperta, que foi um grande auxiliar para José Estêvão e dos seus companheiros, porque tendo-lhe feito perceber a sua situação e o estado de fraqueza em que estavam, imediatamente a rapariga lhes improvisou um almoço com o leite das cabras e um pedaço de pão de centeio que o pastor possuía. José Estêvão informou-se que estavam na aldeia de Almofala, e como tinha ali um amigo, mandou pedir-lhe que viesse ter com ele. Não tardou que aparecessem três homens que levaram os fugitivos para a casa duma fazenda próxima, onde foram servidos com um bom jantar, tudo feito com as maiores precauções, porque a raia estava cheia de tropas espanholas. Pela meia-noite os amigos de Almofala mandaram três boas cavalgaduras, em que os revolucionários montaram, e guiados por um contrabandista marcharam para Subradillo, onde se esconderam dentro dum palheiro, e ali estiveram o dia todo. Às nove horas da noite seguinte marcharam sobre o Douro, que atravessaram numa barca espanhola. Esconderam-se depois todos três atrás dumas grandes pedras que ficavam a pouca distância, e ao romper da manhã destacou José Estêvão o Guedes para Moncorvo, com cartas para os setembristas dali. A este tempo, já Costa Cabral havia mandado a todos os governadores civis das diferentes províncias do reino, uma portaria circular, em que se oferecia o prémio de 2.000$000 réis à pessoa que apresentasse ao governo a cabeça de José Estêvão. Depois de vinte e quatro horas voltou o Guedes com muitos homens do Moncorvo, amigos pessoais e políticos de José Estêvão, que todos juntos marcharam logo para Freixo de Espada à Cinta. Naquela vila encontrou já todos os elementos revolucionários da província, que puseram à disposição de José Estêvão o dinheiro enviado pelo centro revolucionário do Porto. Dois dias depois marcharam todos para Moncorvo, e os setembristas dali propuseram que se fizesse imediatamente um grande pronunciamento popular em toda a margem do Douro contando com o destacamento de Cavalaria 6 e com a Guarda Nacional de Vila Flor, Foz Côa e Mirandela. José Estêvão opôs-se ao pronunciamento, receoso da pouca segurança dos meios. Destacou para Chaves João Bernardino e para Bragança Germano José Guedes, com instruções para se entenderem com os setembristas daqueles dois pontos, e intentarem o levantamento dos depósitos de recrutas de Caçadores 3, Infantaria 13 e Cavalaria 6, e ele foi estabelecer a sua residência em Murça, como ponto central. Este plano falhou, porque todos os elementos com que José Estêvão contava em Chaves e Bragança, tinham sido inutilizados pelo governo. Depois desta tentativa em que se perdeu muito tempo, decidiu afinal José Estêvão o pronunciamento popular da província, e com esse fim mandou João Bernardino para Veiga de Lila, o qual, de acordo e debaixo da direcção de Júlio do Carvalhal, conseguiu levantar algumas forças populares na montanha auxiliadas pelos setembristas influentes de Vila Pouca de Aguiar. Tudo estava pronto e habilmente preparado para o dia designado. José Estêvão devia sair de Murça com os populares que estivessem armados, e marchar com eles a tomar o comando das forças revolucionadas por Júlio de Carvalhal, enquanto nos outros dois pontos da província os demais caudilhos, já, prevenidos, levantariam simultaneamente o grito a favor da causa sustentada em Almeida. No dia designado para a partida de José Estêvão, recebeu se a notícia da capitulação da praça, e soube-se que, as forças cabralistas marchavam sobre Trás-os-Montes. José Estêvão ainda tentou resistir, mas os ânimos estavam desmoralizados, e os populares abandonaram-no. Nestas circunstancias partiu sozinho para Espanha pela raia de Castela, e foi encontrar-se com os emigrados em Salamanca, onde entregou o dinheiro que tinha recebido no Porto para acudir ás necessidades da emigração, e pedindo licença a César de Vasconcelos, tomou passaporte para Paris.
Pouco depois dessa revolta, na sessão de 18 de outubro de 1844, Passos Manuel proferiu um notável discurso em que se referiu a José Estêvão com algumas palavras muito elogiosas. José Estêvão conservou-se quase dois anos em Paris, voltando depois da revolução de maio de 1846, porque só então é que puderam regressar a Portugal os emigrados de Almeida. Apenas chegou a Lisboa tomou parte activa na política, e de acordo com António Rodrigues Sampaio e com os seus amigos políticos redigiu o programa da Associação eleitoral setembrista, que o golpe de estado de 6 de outubro não deixou pôr em pratica. Depois de andar por alguns dias escondido em diferentes casas, disfarçou-se com hábitos eclesiásticos, e passou a Salvaterra, donde em companhia de César de Vasconcelos foi a Santarém promover a revolução a favor da junta do Porto. Com o mesmo intento visitou as Caldas, Alcobaça e Nazaré, e voltando a Santarém foi nos princípios de dezembro mandado a Setúbal para organizar a defesa dessa terra, e com as forças que pudesse reunir, tentar um golpe de mão sobre Almada. Chegou a Setúbal na madrugada de 10 de dezembro, acompanhado pelo seu ajudante de ordens Domingos Ardisson, e fez logo organizar uma comissão delegada da junta do Porto, mas não se encontrando ali armas nem munições, desistiu do projecto de fortificar a vila, que pouco depois teve de abandonar precipitadamente, porque ao anoitecer do dia 11 chegou a noticia da aproximação das tropas de Lisboa, que estavam em Azeitão sob o comando do general visconde de Setúbal. José Estêvão marchou com as suas forças para Alcácer do Sal, e unindo-se ali com o célebre Galamba (V. este nome), seguiram todos para Évora. Encontrando-se a meio caminho com as tropas do comando do conde de Melo, marcharam todas essas forças do partido da junta para Alcácer do Sal, e daí para Águas de Moura, onde chegaram no dia 23 com a ideia de atacarem Setúbal no dia seguinte. Segundo as ordens recebidas nessa noite, o conde de Melo aproximou-se do Tejo, mas tendo em Canha na manhã de 25 recebido participação da derrota de Torres Vedras, voltou para Évora, e daí mandou José Estêvão e Anselmo José Braamcamp ao Algarve para nessa província levantarem novas forças e obterem os meios pecuniários indispensáveis para a continuação da guerra civil. Do Algarve vieram reforços ao general da junta, que nomeou José Estêvão seu quartel mestre general. Nesta qualidade serviu o valente tribuno o resto da campanha, até que a intervenção estrangeira veio pôr termo a essa renhida luta, ajustando-se a convenção de Gramido, assinada em 30 de junho de 1847. O partido setembrista que se vira obrigado a depor as armas, preparou-se logo para tomar parte activa nas eleições de deputados, e José Estêvão, como um dos membros mais importantes desse partido, promoveu o primeiro meeting eleitoral que se reuniu em Lisboa, e nele falou com a sua habitual eloquência, arrebatando com as suas palavras entusiásticas, todos os que assistiram a essa assembleia. Tais foram, porém, os meios empregados pelo governo para afastar José Estêvão do parlamento, que ele não pôde alcançar ser eleito por Aveiro, sua terra natal, e até 1851 viu-se obrigado a limitar a sua oposição ao ministério a alguns artigos na Revolução de Setembro.
Com a mudança politica de 1851, que se tornou conhecida pelo nome de Regeneração, José Estêvão voltou a ter assento na câmara dos deputados, e defendendo com todo o vigor o impulso dado pelo governo aos melhoramentos materiais, ele próprio apresentou um projecto para a construção do caminho de ferro de Vila Nova da Rainha ao Porto, e segundo o qual os trabalhos deviam começar infalivelmente no 1.° de janeiro de 1853. Com a queda do gabinete regenerador e a entrada no poder o ministério histórico, José Estêvão passou a militar nas fileiras da oposição, e em vários discursos acentuou bem as suas ideias políticas. Este ministério presidido pelo duque de Loulé foi substituído em 1859 por um gabinete regenerador, ao qual José Estêvão prestou todo o seu apoio; havendo, porém, este ultimo ministério pedido a sua demissão em 1860 sem o comunicar aos homens mais importantes do seu partido, o grande tribuno magoou-se profundamente com o que ele tomou por desconsideração. As suas relações com o partido regenerador esfriaram bastante, até que rebentando a questão das irmãs da caridade francesas, se romperam de todo, porque não quis acompanhar os regeneradores no terreno que escolheram, e pôs-se deliberadamente ao lado do ministério progressista histórico, que se mostrava disposto a não consentir que aquelas religiosas viessem introduzir no ensino português um elemento reaccionário. Foi um dos seus mais notáveis discursos o que pronunciou nessa ocasião, ocupando a atenção da câmara e das galerias, repletas de espectadores, durante duas sessões sucessivas. Desde então parece ter começado a pensar na organização dum partido novo. Voltando o duque de Loulé ao poder, foi dissolvida a câmara dos deputados e José Estêvão, que se apresentou candidato por Aveiro, dirigiu aos seus eleitores uma carta com a data de 15 de abril de 1861, em que apresentava o novo partido que começava a formar-se, declarando os motivos porque se organizara e o plano que se propunha a seguir. Para defender na imprensa o novo partido, criou Freitas de Oliveira o jornal Liberdade, que principiou a publicar-se a 26 de junho de 1861, sendo o primeiro artigo escrito por José Estêvão. Entrando no parlamento, logo na discussão do discurso da coroa desenvolveu o seu programa político. Foi também notável o seu discurso na questão da barca francesa Charles et George; o sentimento do acrisolado amor pátrio, protestando contra um acto de brutal abuso da força por parte duma nação, que querendo talvez desfeitear a Inglaterra, ofendia os nossos brios, abusando da nossa fraqueza, tais foram a inspiração daqueles dois eloquentíssimos discursos, que fizeram época nos factos parlamentares. Com a ideia de organizar um partido novo, promoveu José Estêvão no escritório da Política Liberal uma conferência de alguns homens políticos e redactores de jornais, e nessas reuniões se assentou em formular um manifesto que seria assinado pelos jornais ali representados e redigido por José Estêvão. O manifesto apareceu nos jornais de 27 de setembro de 1861, mas pouco efeito produziu. Foi, portanto, necessário adiar a organização do novo partido, e quando em 1862 o marquês de Loulé tratou de recompor o gabinete a que presidia, desejando chamar ao seu partido o grande tribuno, convidou-o para a pasta do reino. Desenvolveu-se então grande intriga procurando afastá-lo do ministério, o que desgostou profundamente o carácter honrado de José Estêvão. Depois de encerradas as cortes, foi José Estêvão passar algum tempo em Cascais, e havendo-se entabulado outra vez negociações para a entrada dele no ministério, quando voltou em Lisboa nos meados de outubro, parece que estava tudo disposto para dentro em pouco lhe ser confiada a pasta do reino, mas acometido de doença mortal no dia 2 de novembro, faleceu dois dias depois.
A sua morte causou a mais profunda impressão; o enterro foi uma manifestação imponentíssima, milhares de pessoas acompanharam o féretro a pé até ao cemitério dos Prazeres; fizeram-se representar as câmaras dos pares e dos deputados, a Sociedade das Ciências Médicas, a Sociedade de Geografia, todas as associações e clubes, colégios, institutos, sociedades de recreio, corporações de bombeiros municipais e de voluntários, asilos, etc. As duas câmaras parlamentares, apenas souberam a triste noticia, levantaram a sessão depois de sentidos discursos dalguns pares e deputados. Por espaço de oito dias se conservou coberta de crepe a cadeira do grande orador. Foi resolvido que a câmara mandasse lavrar em mármore o busto de José Estêvão, para ser colocado na biblioteca do corpo legislativo, e se abrisse uma subscrição nacional para se erigir um monumento fúnebre à memória do notável orador. À beira da sepultura discursaram Luís Augusto Rebelo da Silva, Jacinto Augusto de Freitas Oliveira, José da Silva Mendes Leal e José Manuel Gonçalves, falando este ultimo em nome das criancinhas do Asilo de S. João, de que José Estêvão fora um dos fundadores e presidente. Todos os jornais do país publicaram sentidos artigos necrológicos. O seu cadáver foi posteriormente trasladado para Aveiro em maio de 1864, sendo sepultado em jazigo que ele mandara ali construir. Na casa onde nasceu naquela cidade mandou a respectiva câmara municipal colocar em 1887 uma lápide comemorativa. José Estêvão também se distinguiu no foro, aparecendo ali duas vezes dum modo brilhante; da primeira em defesa do periódico Portugal Velho, e da segunda defendendo um boticário acusado de ter mandado matar seu sogro, conseguindo a absolvição dos seus constituintes.
Era casado com D. Rita de Miranda Coelho de Magalhães, filha do médico Custódio Luís de Miranda e de D. Margarida de Miranda de Moura. Esta senhora era natural do Porto, onde também faleceu a 2 de outubro de 1904.
Para a biografia de José Estêvão Coelho de Magalhães pode ver-se a Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, tomo, I, 1859, artigo de Rebelo da Silva; Os varões ilustres, pelo mesmo escritor; Apontamentos sobre os oradores parlamentares de 1853 por um deputado, de Cunha Rivara; Esboço histórico, de Jacinto Augusto de Freitas Oliveira; Arquivo Pitoresco, vol. V; Dicionário Universal, Português Ilustrado, vol. VI, etc.
Biografia retirada daqui
Sem comentários:
Enviar um comentário