A liberdade de escolha da escola continua a ser um dos debates que desperta grande atenção política e mediática. É sem dúvida o aspecto de política educativa que polariza de um modo mais claro as posições ideológicas e o âmbito da gestão pública que projecta o difícil equilíbrio entre governabilidade e equidade dos sistemas educativos. Contudo, a politização do debate exclui frequentemente as necessárias reflexões a partir da filosofia política a respeito da dimensão normativa da liberdade de escolha. Uma reflexão imprescindível para determinar o carácter justo ou injusto das decisões de política educativa a respeito da escolha de escola. Perguntemo-nos, portanto, se é justa ou não a liberdade de escolha da escola.
As ópticas a partir das quais se pode dar resposta a esta pergunta são muitas. Procurarei responder a esta complexa questão a partir dos critérios de justiça proporcionados por John Rawls, um filósofo político respeitado e reconhecido mesmo por posicionamentos nada radicais. Segundo Rawls, existem dois princípios básicos de justiça. O primeiro sustenta que cada pessoa deve dispor de um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com similares liberdades para todos. O segundo afirma que as desigualdades económicas e sociais só são admissíveis se existir igualdade de oportunidades e se forem necessárias para que os que tenham menos possam estar «melhor do que estariam em qualquer outra situação viável». Este segundo princípio dá lugar à regra de escolha «maximin», segundo a qual se devem hierarquizar as alternativas de distribuição conforme os seus piores resultados possíveis e escolher aqueles cujos piores resultados sejam melhores do que os das outras opções.
Veja-se que o segundo princípio de Rawls não questiona a possível existência de desigualdades. Os resultados das distribuições justas de recursos e oportunidades podem dar lugar a aproveitamentos desiguais por parte dos indivíduos, sempre que a dita distribuição garanta as liberdades básicas e a igualdade de oportunidades para aceder aos recursos, e sempre que se trate da distribuição que deixe melhor os que pior estejam. Dito de outro modo, as desigualdades de acesso entre os indivíduos, ou de qualquer outro 'bem primário', podem ser justas sempre que as oportunidades que a sociedade lhes proporcione sejam iguais e que os menos favorecidos não só obtenham mais vantagens dessa distribuição do que de outras possíveis, mas que obtenham tantas quantas possam obter, por mais que exista uma distribuição que proporcione resultados mais eficientes ou permita que outros indivíduos ou grupos gozem de maiores benefícios.
Não haja dúvidas de que nas democracias liberais contemporâneas nenhuma instituição como a escola ostentou a legitimidade para fazer valer o princípio de igualdade de oportunidades. A escola, desde a segunda metade do século XX, converteu-se no mecanismo socialmente partilhado para que nenhum impedimento distinto do talento e do esforço dos indivíduos determinasse as possibilidades de ascensão social. À educação, desde então, atribuímos colectivamente a responsabilidade de garantir que o acesso à posição e aos recursos seja merecida e não arbitrária, ou, o que vai dar ao mesmo, que o estatuto social seja adquirido e não atribuído por razões de sangue, herança económica ou favoritismo político. Colectivamente, portanto, convertemos a escola na instituição representativa do princípio de igualdade de oportunidades rawlsiano. Por outro lado, a tradução da regra maximin para o âmbito duma instituição como a escola consistiria em assegurar que nenhum mecanismo de acesso à mesma (para além daquele realizado através do mercado ou da intervenção pública), ou às condições do seu desfrute, pudesse prejudicar as oportunidades futuras dos menos favorecidos.
Cabe perguntar então se o proporcionar liberdade aos pais de escolher livremente a escola que desejam para os seus filhos pode ser aceitável do ponto de vista da justiça. Se, e só se, se considerasse que a liberdade de escolher escola não prejudica as oportunidades dos menos favorecidos estaríamos perante um sistema de distribuição justo. Se, pelo contrário, a liberdade de escolha tiver consequências sobre uma distribuição de recursos que se repercuta negativamente sobre as oportunidades dos menos favorecidos, deveríamos considerar quanto é que se deve limitar a liberdade de escolha de modo a que esta seja corrigida para que os que estão pior maximizem a sua posição em relação a outros cenários possíveis.
E o que é que aconteceu até agora em Espanha, com a liberdade de escolha de escola? A Constituição Espanhola de 1978 garantiu tanto a liberdade de escolha de centro escolar como a faculdade dos poderes públicos de garantir o direito de todos os cidadãos à educação em condições de igualdade através da planificação e regulação das vagas escolares. Tanto a Lei Orgânica do Direito à Educação (LODE) de 1985 como a Lei Orgânica da Educação de 2006 traduzem estes princípios constitucionais numa regulação que permite a liberdade de escolha de escola por parte das famílias, mas restringindo-a, no caso do acesso aos centros financiados com fundos públicos (no caso dos centros completamente privados não existem restrições à liberdade de escolha), nas situações de excesso de procura, quer dizer, nos casos em que o número de solicitações para obter vaga num centro escolar supera as vagas disponíveis. Neste caso, ambas as leis ordenam o processo de admissão de alunos a partir dos critérios de irmãos matriculados no centro, proximidade do domicilio, nível de rendimento da unidade familiar e a ocorrência de incapacidade do aluno ou de algum dos seus pais ou irmãos.
As medidas introduzidas pela LODE para regular o processo de admissão de alunos delimitaram, pois, a liberdade absoluta de escolha de centro com base na consideração de que, sem a intervenção pública, produzir-se-iam situações de distribuição de alunos que se repercutiriam nas oportunidades educativas dos grupos mais desfavorecidos. Uma distribuição que seria injusta, segundo os princípios de Rawls. Contudo, o irónico do caso, para não dizer o dramático, é que apesar de se dispor duma lei tão 'intervencionista' como a LODE, o balanço actual está muito longe de reflectir igualdade nas oportunidades educativas. É certo que a enorme desigualdade de que partia o sistema educativo herdado do franquismo conseguiu inicialmente ser reduzida graças a um processo de democratização que favoreceu o acesso ao ensino por parte de grupos tradicionalmente dela excluídos. Mas hoje, qualquer olhar à distribuição de alunos nas nossas escolas capta o facto de que mesmo com a intervenção pública estamos perante um acesso desigual de dados alunos a dadas escolas. Apesar da 'coerção à liberdade de escolha' que a LODE introduziu, os alunos mais desfavorecidos concentram-se em determinadas escolas, escolas que reúnem a nova imigração e alunos autóctones em situação de risco social, enquanto que outros centros, na sua maioria contratados, mas também alguns públicos, gozam de uma homogeneidade social que lhes permite desenvolver os processos de ensino-aprendizagem sem terem que se ocupar em saber se os seus alunos conhecem a linguagem de ensino, ameaçam ou não os professores ou se vêm todos os dias às aulas.
Sempre haverá quem defenda que o facto de serem sempre os grupos socialmente mais desfavorecidos aqueles que pior pontuam nas provas PISA ou que não conseguem aceder ao Bacharelato ou à Universidade se deve à sua falta de motivação, ao seu escasso esforço ou à sua inferioridade intelectual. Mas todos aqueles que acreditamos que estes factos têm que ver com uma distribuição desigual das oportunidades educativas, estamos em condições de responder que a liberdade de escolha de escola, na medida em que supõe um sistema de atribuição insuficiente para maximizar a situação dos que estão pior, é injusta. Poder-se-á, se se quiser, defender a liberdade de escolha a partir de valores isolados ou unilaterais como a liberdade individual ou a utilidade pessoal, mas não a partir da justiça.
Xavier Bonal
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