Em época de exames nacionais, lembrei-me de convocar um assunto correlacionado que, estando há muito presente como prática social e educacional em diferentes países, como Portugal, só agora, todavia, começa a ter, entre nós, a visibilidade académica necessária enquanto objecto de estudo e pesquisa. Estou a referir-me ao fenómeno que, em Portugal, é conhecido como explicações. Esta prática educativa (e, sobretudo, instrutiva), informal ou não-formal, constitui uma estratégia de acompanhamento e/ou reforço académico de estudantes de todos os níveis de ensino, e chega a substituir, em alguns casos, os processos, tempos e lugares escolares (normais) de ensino e aprendizagem. Trata-se de uma prática predominantemente remunerada, frequente ou esporádica, individualizada ou envolvendo grupos de estudantes, exterior ao sistema educativo escolar público mas desenvolvida com ou sem professores vinculados a escolas públicas ou privadas, que se insere, muitas vezes, em actividades da economia informal e que, actualmente, decorre também de uma oferta crescente (de iniciativas da economia formal) por parte de organizações ou centros educativos específicos (nacionais ou em sistema de franchising com organizações similares internacionais). A propósito das explicações como facto educativo e objecto de pesquisa, pude este ano, de forma mais assídua e colaborativa, manter um contacto estreito com colegas do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro. Estando estes colegas a finalizar a primeira fase de um importante projecto de pesquisa sobre as explicações (com contributos teóricos e empíricos muito pertinentes e actuais para a compreensão sociológica de uma prática educacional com várias dimensões socialmente relevantes, mas quase não estudada em Portugal antes desta equipa iniciar os seus trabalhos), pareceu-me que era adequado fazer hoje uma breve reflexão sobre este assunto. As explicações (private tutoring) são uma prática social e educacional que pode, como mostra a equipa do projecto XPLIKA, constituir-se como um objecto de pesquisa e reflexão extremamente actual e acutilante. As explicações, enquanto objecto de estudo sociológico, permitem estabelecer pontes teóricas e empíricas com praticamente todos os aspectos que actualmente são centrais em Educação e nas políticas educativas (avaliação, liberdade de escola dos estabelecimentos de ensino, competição e emulação, rankings, ressemantização dos pais e alunos como consumidores, processos de remeritocratização escolar e de crescente selectividade de alguns cursos superiores, mudanças no mercado de trabalho, crise da juventude, "individualismo possessivo", crise da educação escolar, neotaylorização do trabalho docente, democratização versus (re)elitização, desigualdades sociais e educacionais, mercadorização da educação, internacionalização das agendas educativas e sistemas de franchising ?) Assim, para a análise sociológica (sobretudo da sociologia da educação e políticas educativas), nada melhor do que estudar um objecto como as explicações: ele condensa uma série de aspectos muito heterogéneos e amplos (quer do ponto de vista teórico-conceptual, quer empírico), que vão desde as alterações ao papel do Estado à globalização hegemónica ou à internacionalização do capitalismo, passando pelas questões do mercado em educação ao papel da sociedade civil e aos mass media; das políticas sociais e educativas (igualitárias, meritocráticas e elitistas) às mutações no mercado de trabalho e às estratégias das classes sociais face à escola, entre muitos outros. Vale a pena, por isso, tomar contacto com os trabalhos, já realizados e em curso, dos colegas da Universidade de Aveiro para perceber melhor como é possível (e desejável) reactualizar, de forma consistente e pertinente, os nossos objectos de pesquisa. Entre muitos outros aspectos que merecem uma análise cuidada, as explicações, a que muitas famílias (sobretudo da classe média, mas não só) recorrem na esperança de contribuir para melhorar as performances académicas dos seus filhos e, assim, aumentar as probabilidades de manutenção ou de mobilidade social ascendente, interagem com muitos outros factores que podem (ou não) agravar as desigualdades já presentes na sociedade actual e no sistema educativo, nomeadamente quando estas alimentam (e são alimentadas) pela crise da escola pública e potenciadas pela ideologia de mercado (ou por outras expressões de apartheid educacional). Esta é, sem dúvida, uma problemática a retomar nas nossas pesquisas. Aqui reside, portanto, um objecto de investigação e estudo (que adequadamente se tem designado de mercado das explicações) que não pode deixar de contribuir para uma maior reflexividade social e autoconfrontação em torno das mudanças e dilemas actuais da Educação.
Almerindo Janela Afonso
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