A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA
Do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, publicado pela Academia das Ciências de Lisboa (2001), retiro duas definições fundamentais.
Cidadão – pessoa em plena posse dos seus direitos cívicos e políticos para com um Estado livre, e sujeita a todas as obrigações inerentes a essa condição.
Cidadania – Condição ou qualidade de cidadão, membro de um estado, de uma nação ..., no pleno gozo dos seus direitos políticos, cívicos e deveres para com esses estado ou essa nação.
Democracia e Cidadania são torres gémeas do moderno Estado de Direito.
Democracia sem condições de plena participação na vida da cidade é como árvore sem seiva. Cidadania na ausência de condições livres de exercício é como semente sem rega. Uma sem a outra condena‐se à inexorável atrofia.
A escola é, por excelência, uma instituição social e cívica.
Por isso, a escola é um pilar imprescindível da nação cidadã e do estado democrático.
Segundo Aristóteles, no Livro III da Política, 'um cidadão nasce de dois cidadãos'. Assim entendida a cidadania pessoal ela não resulta primariamente da condição – ou da mera contingência humana – mas tão só da oikos ou seja da casa ou origem cidadã. O bom cidadão é então aquele que adquire os saberes e a capacidade de bem governar e de ser bem governado.
Na oratória fulgurante de Péricles, o cânone da democracia ateniense repousa sobre uma educação que leva cada geração a reconhecer‐se solidária com todas as demais – as que a precedem ou lhe sucedem – e a, perante elas, se responsabilizar moral e civicamente pela continuidade dos valores de comunidade e de identidade. Atenas – cidade democrática – é, por isso, elevada à condição de cidade educadora da Grécia.
A escola é a nossa grande casa comum de produção – e reprodução – de cidadania e de vida em comunidade alargada. Nesta acepção ela é uma verdadeira cidade onde a educação se forja a partir do conhecimento da polis e no desenvolvimento das competências necessárias para nela participar em plenitude de direitos e de deveres. É um lugar de onde se olha o mundo com o propósito da formação de sentido crítico e no qual se realiza um compromisso constante entre bens públicos e visões privadas, uma arte negocial entre interesse comum e perspectiva individual.
A escola de cidadãos é, acima de tudo, uma aprendizagem da cidadania da deliberação, da escolha e da actuação em grupo, ou seja daquela forma de relacionamento uns com os outros que é a fonte genuína de soberania sobre os 'negócios da comunidade' (H. Arendt).
Consequentemente, a cidadania democrática assenta na relação de pares na construção activa do bem comum.
Não espanta, pois, que na acepção da modernidade de Rousseau a principal responsabilidade do Estado seja a educação dos seus cidadãos, alicerce da democracia e da república, entendida esta como res publica.
Portugal vive hoje uma democracia consolidada mas, reconheçamo‐lo, feita de uma cidadania ainda frágil.
O principal obstáculo ao florescimento de uma cidadania de efectiva participação foi a negligência acumulada traduzida em décadas de desinvestimento na educação das suas gentes.
Exibimos ainda os índices mais baixos de escolaridade média da população adulta no conjunto dos Estados Membros da União Europeia ainda que tenhamos conseguido recuperar atrasos estruturais no acesso de crianças e jovens à escola, num esforço sem precedentes realizado nos últimos 30 anos.
Neste quadro todo o investimento na escola e numa educação cidadã, verdadeiramente empenhada na formação de cidadãos livres, capazes de realizar escolhas criteriosas, com sentido crítico sobre a vida da cidade, dotados de competências básicas de interpretação autónoma dos fenómenos da complexidade comunicacional numa sociedade cada vez mais mediática, tem de ser considerado prioritário.
Esse constitui o cerne do programa Media Smart.
A publicidade torrencial, intrusiva, que invade o quotidiano da criança e do adulto é matéria que não pode continuar a ser ignorada na reflexão crítica que a escola quer – e deve – levar a cabo sobre a cidade contemporânea. Para o sucesso desse esforço de literacia avançada todos somos poucos: alunos, professores, pais, ministérios, empresas e associações empresariais, sociedade civil. Com humildade – requisito sine qua non da educação – juntos aprenderemos a melhor descodificar a dose de verdade – ou de mentira – que subjaz às mensagens publicitárias.
A pedagogia activa busca incessantemente interpretar a realidade sem dela se esquivar: desenvolve o sentido crítico na leitura dos factos sem os temer; 'fala com o mundo real' e acolhe as suas contradições sem as escamotear; recusa construir muros para se isolar. Nesta linha de pensamento, já há 150 anos atrás Alexis de Tocqueville dizia que uma pessoa 'se educa no processo' através do seu envolvimento nas questões concretas da vida social e da actividade económica de mercado.
O programa Media Smart está ao nível do melhor e mais avançado que se faz no panorama internacional no sentido de uma educação para a publicidade. Portugal ao aderir ao programa adere a essa vanguarda de países que inova nas formas de cultivar uma aprendizagem experiencial.
Amartya Sen, Prémio Nobel da Economia em 1998, propõe que o desenvolvimento não é senão um processo de alargamento de escolhas livres por parte do cidadão. Nesse exercício de 'liberdade positiva' – por oposição ao de 'liberdade negativa' que se limita à ausência de autoridade coerciva – o cidadão tem acesso crescente a opções bem como à informação livre sobre essas mesmas opções.
A condição do exercício da liberdade positiva não reside, pois, na inibição das opções ou na negação da informação legítima que sobre elas se oferece. Pelo contrário, ela brota da educação crítica que sustenta a edificação de uma autonomia esclarecida para o exercício de uma liberdade positiva de escolha.
Constitui para mim, na qualidade pessoal, e ainda na de Presidente do Grupo de Peritos do Programa Media Smart em Portugal, um verdadeiro privilégio poder participar numa cerimónia de tamanha densidade cívica, particularmente porque ela tem lugar numa escola portuguesa, na Sede do Agrupamento de Escolas Eugénio dos Santos.
Formulo votos muito sinceros de que nesta escola, na escola em geral, se consolide um caminho de liberdade e de cidadania democrática que faça da educação para os media e da literacia publicitária um dos seus pilares fundamentais.
Roberto Carneiro, aos 31 de Outubro de 2007
O Programa
Media Smart é um programa sem fins lucrativos de literacia sobre a publicidade nos diversos media (meios de comunicação social), destinado a crianças entre os 7 e os 11 anos de idade.
O objectivo do Media Smart é fornecer às crianças ferramentas que as ajudem a compreender e interpretar a publicidade, preparando-as para fazerem escolhas informadas.
O programa Media Smart é composto por material didáctico que visa a compreensão da publicidade e das mensagens de sensibilização nos diferentes meios de comunicação. O seu objectivo é tornar cada criança capaz de compreender a situação em que se encontra sempre que é destinatária de uma mensagem publicitária. Os temas apresentados neste programa bem como as actividades associadas têm como objectivo dar-lhes as ferramentas necessárias á sua tomada de consciência e assim adquirirem uma visão mais crítica da publicidade.
O programa Media Smart tem objectivos exclusivamente didácticos na sua vontade de conduzir a criança a uma percepção prudente e crítica da mensagem publicitária. A publicidade é indissociável da nossa vida: ela tanto pode realçar as qualidades de um produto ou serviço – publicidade comercial – como pode informar e sensibilizar a população para problemas graves como a segurança rodoviária, perigos do tabaco, etc., com o propósito de mudar atitudes e comportamentos – publicidade não comercial.
O Media Smart aborda estes dois ângulos de reflexão através de imagem e linguagem diferentes, sabendo-se que as mensagens de sensibilização veiculam informação importante.
http://www.mediasmart.com.pt/
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