A escola, na sua globalidade, não desenvolve destrezas ao nível do discurso oral. Deveria fazê-lo. Somos anestesiados do debate público porque, desde cedo, não somos treinados e motivados para argumentar.
O final do primeiro semestre na universidade é dedicado a provas orais. Desta vez, com o 2º ano do Curso de Ciências da Comunicação. Os estudantes avaliados assim já tiveram essa experiência o ano passado noutra cadeira leccionada por mim e mais colegas. Não sendo propriamente algo novo para eles, nota-se que essa é uma modalidade em que não estão muito à-vontade. Para quase todos, a prova oral do ano anterior constituiu uma novidade no seu percurso académico. A escola, na sua globalidade, não desenvolve destrezas ao nível do discurso oral. Deveria fazê-lo.
Trabalhando com grupos numerosos, não é fácil, em certas disciplinas, perceber, dentro da sala de aula, as competências de cada aluno. Mas há formas de nos aproximarmos dos estudantes. Por exemplo, fomentado o debate em torno das matérias leccionadas, promovendo o confronto de ideias, procurando que cada um dos elementos da turma seja uma parte activa no processo de aprendizagem. Isso implica que à voz do professor se juntem outras: a dos alunos cuja participação se quer diversificada, viva, pertinente. E é aqui que, por vezes, começam alguns problemas. Nem sempre ouvimos discursos articulados, com uma sintaxe fluida e com uma pronúncia sem ruídos. No caso das turmas das Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, notamos, ao longo do curso, uma grande evolução a este nível. Certamente porque os estudantes começam a perceber que essa é uma dimensão importante no seu percurso académico. E, futuramente, na sua vida profissional.
Não sei como actualmente os ensinos básico e secundário trabalham o discurso oral dos mais novos. Quando me convidam para participar em conferências em escolas, noto que os estudantes, podendo evidenciar algum à-vontade na colocação de perguntas, não têm muitas destrezas na forma como o fazem. Estão em crescimento, poder-se-á dizer. E ainda em aprendizagem, acrescentar-se-á. Pois claro. Acontece que essa é uma limitação que a escola, por norma, não resolve. Por isso, já adultos, muitos de nós não se sentem capazes de falar (bem)em público. Bloqueiam. Recuam. Não participam. Muitas vezes, porque custa falar(pensar) diante dos outros. Ninguém nos habilitou a fazer isso.
Chegada ao final das provas orais, sinto que esse tipo de avaliação é muitíssimo cansativo para quem, durante vários dias, tem de fazer perguntas a dezenas e dezenas de pessoas. Mas penso que isso, a médio prazo, reverterá positivamente para os estudantes. Que se colocam à prova de uma forma espontânea, directa, sem rede. Estão ali, diante de nós, e valem por aquilo que demonstram saber. Ali. Naquele momento. O empenho aqui tem de ser enorme. A concentração máxima. Não é isso que muitas vezes exige o mercado? Será uma boa estratégia esperar que amanhã seja um bom dia para sermos mais produtivos e desenvolvermos um trabalho com mais qualidade?
Não podemos ambicionar que a escola forneça todos os instrumentos que habilitem os estudantes a exercerem com sucesso uma profissão. Hoje a aprendizagem deve ser contínua. Mas há competências que o ensino deveria incorporar desde muito cedo. Escrever e falar bem são importantíssimos aliados na tarefa de saber pensar. Os mais novos tendem a desvalorizar estas preocupações. Escrever é mandar SMS’s do tipo “n kero saber+”. Saudar alguém é dizer “Tá-se bem?”. E lá vamos nós, encolhendo os ombros e empurrando para a frente um problema que, mais tarde, se revelará ruidosamente.
Curioso o facto de valorizarmos, enquanto adultos, pessoas que escrevem e falam bem, mas parece ser indiferente o facto de as nossas crianças e jovens não terem uma aprendizagem contínua a esse nível. Quanto muito estas são tarefas acantonadas na área das Letras. Por isso, não podemos estranhar quando encontramos profissionais tecnicamente competentes, mas incapazes de transpor o seu pensamento para um texto escrito ou para um discurso oral. E essa incapacidade tem reflexos numa cidadania de baixa intensidade, que é a nossa. Somos pessoas anestesiadas do debate público, porque também, desde muito cedo, não somos treinados e motivados para argumentar a favor daquilo que julgamos ser o caminho mais eficaz a seguir. E se começássemos a inverter isto a partir das nossas salas-de-aula?
Felisbela Lopes
P.E. N.º 185, série II
P.E. N.º 185, série II
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