Todos os meses, as mulheres em idade fértil recebem um aviso na forma de dores de cabeça, fadiga repentina e uma longa lista de moléstias. É a síndrome pré-menstrual, que os médicos, finalmente, já conseguem tratar com eficácia.
Desde que a mulher é mulher, o começo da sua vida fértil sempre foi assinalado não só pelo aparecimento do período como pelo mal-estar prévio que frequentemente implica, a chamada tensão pré-menstrual (TPM). Embora não haja propriamente estudos e números oficiais, estima-se que a TPM atinge aproximadamente entre 75 e 80 por cento das mulheres, e que surge habitualmente entre dez e sete dias antes do início da menstruação. Varia, também, de mulher para mulher: desde as que sentem os sintomas de forma muito ligeira até às que sofrem os efeitos com tal intensidade que estes interferem significativamente na sua vida pessoal e profissional.
Trata-se, pois, de um distúrbio recorrente do ciclo menstrual que surge antes do período e pode prosseguir até quatro dias após o seu início. A lista de sintomas é impressionante: cefaleias, tensão e maior sensibilidade mamária, retenção de líquidos, irritabilidade, ansiedade, fadiga, tendência depressiva, nervosismo, dores musculares, diminuição do interesse pelas actividades sociais e laborais... Além disso, existe uma variante mais grave, a desordem disfórica pré-menstrual (DDPM), diagnosticada quando a paciente manifesta cinco ou mais dos sintomas já referidos. As afectadas podem ter ideias suicidas, pensamentos paranóicos ou ataques de pânico.
Em Portugal, “as perturbações comportamentais disfóricas são pouco frequentes e significativas, uma realidade que não se concilia com o retrato traçado pela literatura norte-americana neste domínio”, afirmou Daniel Pereira da Silva, director do Serviço de Ginecologia do Instituto Português de Oncologia de Coimbra, em declarações ao Jornal do Centro de Saúde. Sublinhava ainda que os sintomas mais recorrentes da síndrome pré-menstrual “acompanham a menstruação e não se manifestam durante a gravidez ou após a menopausa”. Independentemente da intensidade dos efeitos, apenas uma pequena minoria das mulheres admite que interferem na sua vida, em especial na relação familiar, mas a esmagadora maioria não pede ajuda ao médico.
O motivo evocado para não ir a uma consulta médica costuma ser o mesmo: pensam que faz parte de ser mulher, ou, como explica Pereira da Silva, “às vezes, as mulheres desvalorizam os sintomas, porque consideram normal ter certas perturbações resultantes da menstruação, o que dificulta o tratamento”. A verdade é que, se ocultam este género de “moléstias”, é porque sempre foram obrigadas, historicamente, a desvalorizá-las.
Já na Antiguidade as alterações causadas pela menstruação eram motivo para marginalização. Naquele tempo, não se sabia o que causava as perturbações, mas percebia-se que algo acontecia à mulher e que esse algo provocava mudanças drásticas, retratadas de forma crua na literatura. Hipócrates (460–370 a.C.) chamou “matriz” ao seio materno: foi sobre essa base que elaborou a teoria de que o útero flutuava pelo corpo feminino e, quando chegava ao peito, alterava o estado de humor (deu o nome de “histeria” ao momento). Galeno (130–200), outro influente médico grego, descreveu uma substância tóxica presente no útero, a menotoxina, como responsável pelas alterações de humor. Numerosos estudiosos repetiram, ciclicamente, especulações deste tipo sem qualquer base científica.
Mesmo nos primórdios do século XX, continuaram a atribuir-se explicações peregrinas aos sintomas pré-menstruais. Algumas dessas crenças prolongaram-se quase até ao fim: em Espanha, por exemplo, um prestigiado ginecologista continuava a falar, em 1982, de uma substância tóxica presente nos restos da mucosa uterina que seria responsável por transtornar por completo a mulher nos dias que antecediam a menstruação e quase obrigavam a isolá-la como um leão numa jaula...
Em termos globais, a medicina sempre se interessou mais pelas doenças masculinas do que pelas do sexo oposto. Um dado é suficiente para demonstrá-lo: na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, há 3536 artigos sobre a TPM, face a 15.355 estudos acerca da disfunção eréctil. Desde a segunda metade do século passado, a investigação está também centrada na mulher, embora a maior parte dos estudos esteja relacionada com a perspectiva psiquiátrica ou com a DDPM, devido à sua gravidade.
Seja como for, a etiologia (a causa precisa da tensão ou síndrome) continua a ser uma incógnita. Os estudos elaborados até agora relacionam a TPM com a actividade ovárica cíclica e as hormonas estradiol e progesterona, que afectam os neurotransmissores envolvidos na regulação do sono e do estado de humor: a serotonina e o ácido gama-aminobutírico. No caso da DDPM, os últimos resultados indicam que a causa para as alterações hormonais afectarem de forma mais drástica determinadas mulheres decorre de uma variante genética.
As flutuações nos níveis hormonais parecem ser a resposta, mas há quem questione esse protagonismo e atribua o aparecimento de sintomas pré-menstruais a factores de tipo social. Jane Ussher, psicóloga da Universidade de Sydney Oeste (Austrália), que estuda essa ligação há cerca de 30 anos, assevera que se fez as mulheres acreditar que “o corpo feminino é biologicamente deficiente e que precisam de medicação para serem umas super-mulheres, o que as faz sentir ainda mais culpadas”.
A TPM, a depressão pós-parto e a menopausa transformaram-se, na opinião de Ussher, numa autêntica salgalhada que atribui a infelicidade da mulher aos seus órgãos reprodutivos. Em oposição a outro tipo de soluções, a psicóloga defende que o sexo feminino “só poderá alcançar uma posição de equilíbrio e paz quando se aperceber de que não deve alimentar estes mitos e os deixar para trás”.
A opinião da investigadora australiana é corroborada por muitos colegas europeus, os quais também destacam o papel desempenhado pelos que rodeiam a mulher; sublinham ainda que um clima social favorável, que evite o isolamento ou a discriminação, é fundamental e pode mesmo revelar-se mais importante do que uma resposta farmacológica.
É preciso ter cuidado para não medicamentar em excesso a vida da mulher e para não criar doenças inexistentes. Se algo causa mal-estar e impede um desenvolvimento social normal, a medicina deve proporcionar uma solução, embora o melhor seja não penalizar nem tornar patológicas as alterações fisiológicas que se produzem no ciclo menstrual.
Daniel Pereira da Silva realça que “o uso de contraceptivos orais é referido na literatura, mas não existe consenso quanto à sua validade”, apesar de “as pílulas com drosperinona terem alguns ensaios onde demonstram uma eficácia muito interessante.” Tanto os resultados da investigação como a prática clínica deste especialista do IPO de Coimbra encorajam uma atitude optimista face a um tratamento à base da pílula. “A minha experiência também vai nesse sentido, mas recorro cada vez mais às pílulas de baixa dosagem em uso contínuo,” afirma, sem deixar de referir os benefícios da conjugação de técnicas de gestão de stress e aumento da actividade física.
Outra forma de abordar os sintomas da TPM para tentar amenizá-los é através da alimentação. De acordo com Rita Almeida, médica especialista em nutrição clínica, se a mulher controlar a ingestão de alimentos excitantes, como o chocolate, o café, os refrigerantes e o álcool, poderá sentir uma melhoria dos estados de ansiedade e irritabilidade. No caso de os sintomas também incluírem mal-estar abdominal, cólicas ou dores musculares, deverá aumentar o consumo de alimentos ricos em cálcio (lacticínios e vegetais de folha verde escura), para favorecer a descontracção muscular. Finalmente, segundo a especialista, citada pelo semanário Expresso, é também importante beber cerca de litro e meio de água, tomar duas ou três chávenas de chá verde e consumir duas ou três peças de fruta fresca por dia, para evitar o típico inchaço desta fase do ciclo menstrual.
No caso da desordem disfórica, as indicações são praticamente iguais no que diz respeito ao estilo de vida, mas podem variar relativamente aos fármacos: nestes casos, os médicos preferem recorrer aos antidepressivos que agem sobre os níveis cerebrais da serotonina. Por vezes, é também necessário que a paciente se submeta a sessões de psicoterapia.
Os especialistas insistem que o importante é estudar cada caso individualmente, a fim de descobrir o tratamento adequado. A verdade é que se trata de um problema que requer uma atenção específica por parte da comunidade médica e científica, pois afecta de forma importante uma significativa percentagem de mulheres no mundo.
Porém, não são apenas os clínicos e os cientistas que têm de esforçar-se mais: as mulheres também terão de admitir que podem ser vulneráveis e aprender a pedir ajuda.
De carácter físico e psíquico, os sintomas da TPM afectam, de forma pouco intensa, 80 por cento das mulheres, e, de modo mais grave, 30%. As queixas desaparecem geralmente com o início da menstruação, mas nem nessa altura chega o alívio. Em mais de metade dos casos, a TPM é substituída pela dismenorreia: uma dor na região abdominal inferior, semelhante a uma cólica, que se prolonga por vários dias. É provocada por contracções uterinas (induzidas pela hormona prostaglandina), geralmente acompanhadas de vómitos e diarreia.
Sintomas físicos: acne, inchaço e sensibilidade mamária, dores de cabeça, fadiga e falta de energia, dores musculares e articulares, retenção de líquidos, obstipação, aumento de peso.
Sintomas psíquicos: insónia ou hipersónia (maior necessidade de dormir), dificuldade de concentração, tensão e irritabilidade, aversão e hostilidade.
E.P./I.J. - SUPER 153 - Janeiro 2011
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