Perante os resultados e algumas declarações de atletas portugueses que participaram no Jogos de Pequim 2008, o presidente do Comité Olímpico Português veio a público exigir "apenas profissionalismo" por parte dos atletas, lamentando alguns dos seus comportamentos e discursos. Ao menos implicitamente, aquele responsável atribui ao nível cultural e educativo dos desportistas as reacções que neles critica, embora reconheça a incapacidade institucional, e não apenas pessoal, para ultrapassar o problema. Como reconheceu, enfaticamente, "Nós preparámos os atletas desportivamente, mas culturalmente não, a educação não é connosco".
A frase comporta todo um programa que, em boa verdade, nos caracteriza historicamente como Estado-Nação, com um passado marcado por políticas educativas não democráticas e por elites mesquinhas e de vistas curtas, descomprometidas face à elevação do nível cultural e educativo dos seus concidadãos. Neste sentido, a cultura e a educação das elites nacionais representa, de há muito, um sério obstáculo à democratização da educação e da cultura. E por isso se continua a afirmar que "temos doutores a mais", em vez de empregos a menos, "défice de qualificações", esquecendo uma economia débil, com empresários pouco escolarizados e que, em muitos casos, não querem pagar a quem saiba mais do que eles. E por isso se continua a exigir demais de políticas de curto prazo e de crescimentos orçamentais recentes, intermitentes e não consolidados, como se a educação e a cultura fossem rapidamente incrementáveis, especialmente através de ganhos de eficiência interna, talvez à semelhança de outros países, embora com a diferença, abismal, de cerca de um século de políticas públicas de desenvolvimento do sector por parte desses Estados. Não há pior "Estado Educador" do que o "Estado Educador" novo, sem recursos mas mantendo o controlo, já em estádio de mutação e em busca de novas formas de regulação de inspiração mercantil. É precisamente nos novos contextos de supervisão estatal, de parceria, de contratualização e de gestão por resultados que a performance competitiva atinge o clímax.
Mas, com efeito, a educação nunca foi connosco, tal como a promoção da cultura e da cidadania democrática. Mais grave, porém, que a situação passada, é a ideologia dominante do presente: a educação continua a não ser connosco, pelo menos expressa através desse conceito, que agora saiu de moda, sendo substituído no discurso político-mediático por novos vocábulos com potencialidades salvíficas, como "habilidades", "qualificações", "competências", apanágios da "aprendizagem ao longo da vida", agora considerada um pré-requisito da "empregabilidade", em direcção a uma mão-de-obra mais competitiva.
A este propósito, num texto notável sobre a mercadorização das universidades e as contradições culturais do capitalismo académico, o sociólogo Hermínio Martins criticava recentemente, com humor ácido, o abandono (modernizante) do vocábulo educação (arcaízante), lembrando que em Inglaterra o respectivo ministério passou a ser designado "Department of Education and Skills", em vez de "Department of Education and Science". "Ministério das Qualificações" ou, em alternativa, "Ministério das Competências" também não seriam designações surpreendentes em Portugal.
O que é necessário é "contratualizar objectivos" e proceder a uma "gestão por resultados". A "alta competição" exige elevados níveis de competitividade e de performance, mensuráveis através de resultados e dos respectivos rankings, num contexto em que a competição olímpica é muito mais do que uma simples metáfora das políticas educativas no novo capitalismo. No limite, a competitividade exacerbada e insular revela-se incompatível com uma educação democrática e humanista, mas em todo o caso partilha o carácter olímpico da sua racionalidade técnico-instrumental, pretensamente superior e capaz de alcançar a solução óptima.
Sob estas condições, falhar, não atingir os objectivos contratualizados, é simplesmente horrível e insuportável. Um sinal de fraqueza humana, de falta de esforço e de objectividade, de falta de brio; também mesmo no domínio da "aprendizagem ao longo da vida", da "aquisição de competências para competir" ou das "qualificações para o desenvolvimento económico", esquecendo já o valor educativo dos processos, a incerteza e diversidade humanas, a importância pedagógica da tentativa-erro e de um certo grau de experimentação social e de criatividade. E, nestes termos, temo que a educação possa continuar a não ser connosco.
Licínio C. Lima
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