segunda-feira, 8 de março de 2010

Multiculturalidade, coerência curricular e formação de professores


O currículo "coerente" é aquele que permanece uno, que faz sentido como um todo e cujas peças, quaisquer que sejam, estão unidas e ligadas pelo sentido da totalidade (Beane, J., 2000).

A multiculturalidade é, hoje, uma dimensão essencial da coerência do currículo. Enquanto totalidade integrada, o currículo tem, cada vez mais, o contributo de peças associadas à multiculturalidade. É condição para uma concepção una, inclusiva e pluralista do currículo. As transformações demográficas e culturais ocorridas nas duas últimas décadas, reforçaram o peso da diversidade e colocaram-na no centro do debate e das práticas educativas. Um currículo, qualquer currículo, é hoje, por inerência, multicultural seja qual for o sentido que queiramos atribuir à raiz (?cultura`) do termo. Contempla os conhecimentos, as atitudes e as competências que, numa sociedade e num certo momento, são consideradas relevantes tendo em conta as características da população escolar e as finalidades do sistema educativo. Ignorar a diversidade, enquanto variável constante na construção e realização do currículo, significa ignorar muitos daqueles saberes e atitudes bem como o princípio da igualdade de oportunidades educativas. A razão de ser e grande finalidade da teoria e da prática de organização e desenvolvimento curricular, é, e sempre foi, a concepção e realização das melhores formas de adequar o currículo à diversidade dos seus destinatários. Não será a crescente diversificação cultural da sociedade e das escolas que altera estes princípios. Antes, reforça-os no sentido da afirmação de uma concepção coerente, una e pluralista do currículo e tornando mais óbvia a necessidade de incluir a vertente multicultural na preparação e no desempenho profissional de professores. Hoje, qualquer professor é, por inerência, professor de currículos que são multiculturais. No entanto prevalecem, nos discursos e nas práticas escolares, de modo mais ou menos implícitos, dicotomias curriculares quando entram em jogo variáveis multiculturais. Dicotomias que indiciam, por um lado, a existência de um currículo oficial de um certo ciclo, ano ou disciplina e, por outro, a sua versão multicultural, mais ou menos lateral ou oculta. Ou, ainda, por um lado, a prevalência de uma concepção de currículo dirigido a grupos definidos por uma suposta uniformidade cultural e social para os quais todos os professores devem ser formados e, por outro, de um currículo multicultural a que alguns professores deverão recorrer, como souberem e puderem, quando a composição das classes for marcadamente discrepante daquela uniformidade. As raízes da persistência desta dicotomia encontram-se no peso das práticas monoculturais anteriores, nas ideologias pessoais em relação às diferenças humanas, no discurso pedagógico e social em relação à multiculturalidade que, frequentemente, acentua as diferenças e na formação de professores que, frequentemente, as ignora.
A formação inicial constitui a etapa estruturante de concepções coerentes e pluralistas do currículo. A análise de alguns dados sobre a multiculturalidade em alguns cursos de formação inicial de professores, mostra que o tema é, de modos muito diferenciados, parte dessa formação mas indicia que a sua abordagem é ainda bastante avulsa, descontínua e pouco integrada, e orienta para concepções dicotómicas do currículo. Tem tido um peso significativo nas unidades curriculares da área das Ciências Sociais, em particular na Sociologia da Educação, menos em Desenvolvimento Curricular e em algumas metodologias de ensino e é frágil na Intervenção/Prática Educativa. Embora reconhecendo teoricamente a importância da multiculturalidade na gestão do currículo, os novos diplomados colocam a incidência da sua formação no elenco de competências para o trabalho com classes situadas num padrão cultural de referência. O trabalho com populações culturalmente discrepantes desse padrão, é entendido como uma adaptação das competências exigidas pelo trabalho com classes padrão ou por competências adicionais a usar e desenvolver face aos contextos multiculturais.


Carlos Cardoso

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