segunda-feira, 15 de março de 2010

Escolas-fantasma


As histórias de fantasmas habitam a imaginação e a vida de muitas pessoas. Por vezes passam geracionalmente e são histórias assustadoras de indivíduos que suportaram momentos complicados. Por exemplo, é-me difícil esquecer a história do José e da Rita. A sua cara amedrontada e sobretudo infeliz.... No início do ano lectivo já não se sentaram ao lado dos seus colegas de sempre. Os seus nomes constavam numa turma repleta de meninos um pouco mais pequenos do que eles. A recepção não poderia ter sido pior: "vêm para a nossa sala? Perderam o ano!".
As primeiras semanas começaram a revelar-se intrigantes. As actividades desenvolvidas na sala de aula por aqueles dois alunos eram facilmente realizadas, por sinal a um "ritmo" mais superior do que a maioria. Ora na leitura e escrita, ora no cálculo, não iam demonstrando assim tantas dificuldades de aprendizagem como era suposto. Que terá levado a professora Julieta a colocá-los novamente num segundo ano de escolaridade?
Julieta era mais uma daquelas professoras contratadas que pulavam anualmente de escola em escola. Talvez por essa razão, ou quiçá por outras, não hesitou em seguir todos os passos de uma colega mais velha. Planificavam sempre juntas e os conteúdos do programa eram praticamente abordados nos mesmos dias em ambas as salas de aula. As vantagens dessa planificação-dossier eram óbvias (troca de metodologias e estratégias), mas até que ponto se estaria a respeitar as experiências, os interesses, as motivações e as necessidades de todas as crianças? Seriam todas elas iguais? Sabemos bem que não, todavia aquela aliança oferecia-lhe porventura alguma segurança caso recebesse a visita de algum inspector. Constava que o José e a Rita não tinham atingido as competências finais do dito ano de escolaridade... estariam possivelmente no 2,7º ano de escolaridade de acordo com o diagnóstico da nova professora?Faltou-lhes "aquele bocadinho" para atingir o tal padrão, enfim, para serem "normais" como os antigos colegas e os alunos da professora do lado! Estava encontrado o motivo daquela estranha decisão!
A nova professora tinha a convicção de que o José e a Rita não teriam perdido o comboio se a antiga colega tivesse enveredado por tutorias dentro da sala de aula (ensino individualizado de um aluno por outro), ou se eles tivessem beneficiado de um apoio individualizado mais continuado por parte de outro professor! Estes melhorariam de certeza o seu desempenho escolar!
A Julieta fez certamente o seu melhor e tomou as decisões que considerava mais correctas. Educar é uma tarefa ambígua, valorosa e valiosa. Quem sabe se daqui a uns anos, mais madura e mais segura, não pensará diferente?
Por fim, recordo uma característica curiosa da Julieta. Com os colegas de profissão era divertida, sorridente e afável, enquanto com os alunos era sisuda, frígida e distante. Resquícios do passado para manter a autoridade e o respeito. Não tenho dúvidas de que alguns dos alunos demonstravam mais medo do que respeito! São histórias?histórias assustadoras? Deixemo-las para os fantasmas.




AFP
Agence France-Presse

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