quinta-feira, 1 de abril de 2010

Professores sem formação contra a violência

Luísa Fernandes chegou a dar aulas com a porta da sala trancada, por medo de roubos e agressões. Estava no início da profissão, teve dificuldade em pedir ajuda e um dia, para se defender de um aluno, empurrou-o. "Ultrapassámos ambos o limite do tolerável".

Foi um alerta. A experiência traumática, vivida numa escola dos arredores de Lisboa, levou-a a querer saber mais sobre os professores e os seus medos. Há seis anos concluiu uma tese de mestrado sobre o tema. Hoje é adjunta da direcção da Escola Secundária Ferreira Dias, no Cacém, e defende que "os professores deviam ter formação em conflitos internos e externos".

"A realidade das escolas mudou muito e a formação não acompanhou nada disto", observa. Ela aprendeu, entretanto, a deixar as regras bem claras desde o primeiro dia. E também a não desistir dos alunos: "Digo-lhes sempre que partem todos com nota 20 e que lhes cabe mantê-la ao longo do ano. Digo: "Ora aqui está a enfermeira Patrícia, ou o João, futuro primeiro-ministro de Cabo Verde." Tento que acreditem no futuro."

A partir dos inquéritos internacionais que têm sido desenvolvidos no âmbito do programa Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), da Organização Mundial de Saúde, Margarida Matos, da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, constatou que a satisfação com a escola funciona como um "factor protector" contra a violência e o bullying. Este conceito foi criado nos anos 90 para definir a violência que é exercida na escola de forma sistemática e com a intenção de provocar danos. Diz respeito a agressões entre pares, não sendo por isso aplicável à violência de alunos sobre professores, alertam investigadores.

Margarida Matos também verificou que "o impacto dos professores na satisfação dos alunos com a escola" é superior ao que é atribuído por estes aos colegas, ou seja, apesar de a escola reflectir, para o bem e para o mal, a sociedade que está para lá dos seus muros, estes resultados mostram que os docentes e a eficácia das aprendizagens por eles ministrada são factores com grande impacto no ambiente escolar.

As agressões sobre professores são menos numerosas do que as registadas entre alunos. Mas o seu efeito é profundamente desestruturante, alertam investigadores. Aumenta o sentimento de insegurança de toda a comunidade, para além de ser uma experiência profundamente humilhante para as vítimas. Até por isso, ou por causa disso, os resultados do inquérito realizado por Luísa Fernandes para a sua tese de mestrado constituíram uma surpresa. Afinal, aquilo de que os professores tinham mais medo era de perder o emprego. O receio de não saber lidar com um aluno violento aparecia em quinto lugar. Ela acredita que este medo estaria hoje bem mais acima na tabela. A tese acabou por ser adaptada a um livro, “Os Medos dos Professores... e só deles?”.

"Os professores foram desautorizados e a violência e indisciplina são reflexos disso", diz João Grancho, presidente da Associação Nacional de Professores. Também João Amado, docente da Universidade de Coimbra, considera que nesta situação "há muita responsabilidade do próprio Ministério da Educação, que passa uma imagem muito negativa da profissão docente". Grancho defende que para resolver o problema é preciso "uma intervenção mais abrangente da sociedade". "É preciso sacudir esta sonolência geral. Os professores não devem ter medo de colocar em causa o bom nome da escola. Já os pais devem ser mais responsabilizados."

Realidade escondida
Apesar de ser habitualmente presenciada por terceiros, a violência na escola é um fenómeno que tende a ser calado pelas vítimas e minimizado tanto por quem assiste, como pela instituição, observa Sónia Seixas, da Escola Superior de Educação de Santarém. Estas atitudes têm consequências perigosas. Um acto de violência que é geralmente observado por terceiros, mas ignorado por estes, acaba por diluir a responsabilidade individual de cada um na situação, diz Susana Carvalhosa, do ISCTE.

Ao ser vivida como uma "realidade escondida", a violência escolar torna-se também dificilmente mensurável. "É impossível estabelecer com rigor se há hoje mais violência. O que sabemos é que as situações são muito mais difundidas do que anteriormente", diz Mariana Alves, da Universidade Nova de Lisboa.

Segundo dados do Observatório de Segurança Escolar, nos últimos dois anos lectivos, de um universo de 12.593 escolas, cerca de 90 por cento não relataram qualquer incidente. A maioria das ocorrências foi apresentada por escolas da região de Lisboa. Cerca de 40 por cento dizem respeito a actos contra a liberdade e integridade física. O responsável do Observatório, João Sebastião, adverte que maioria destes registos não dá conta de muitas das situações registadas entre alunos, que são as mais comuns.

Também não existem registos específicos sobre actos de bullying. Os inquéritos internacionais revelam que cerca de 25 por cento dos alunos das escolas públicas portuguesas envolvem-se em situações de bullying, refere Susana Carvalhosa. 12,8 por cento são vítimas, 4,7 por cento agressores e outros 5,7 por cento assumem ambos os papéis. Em regra, o fenómeno tende a aumentar entre os 11 e os 13 anos e a diminuir a partir daí. A quebra é mais significativa depois dos 15 anos.

Os inquéritos internacionais, com base em questionários, dão conta que, entre 2002 e 2008, houve um decréscimo tanto dos alunos que dizem ser vítimas de bullying, como dos que se assumem como agressores. Mas as queixas de natureza sexual aumentaram, adianta Sónia Seixas.


Público

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