Convém estar atento aos sinais. Os distúrbios alimentares, a anorexia, a bulimia, a obesidade, têm várias causas. A educação alimentar deveria merecer mais atenção. "As perturbações do comportamento alimentar têm causas variadas e complexas e podem manifestar-se pela recusa em comer, por preocupação constante com o peso e imagem corporal ou ainda por episódios de compulsão alimentar seguidos de indução do vómito ou toma de laxantes", adianta Rodrigo Marrecas de Abreu, licenciado em Nutrição e autor de O Grande Livro da Alimentação Infantil, em conjunto com a pediatra Graciete Bragança, em Outubro.
Espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais belo do que eu? As preocupações com o corpo ganham importância na adolescência, durante o processo de crescimento. O que fazer em casos de anorexia e bulimia? "A intervenção nestes casos é complexa e não se pode colocar apenas ao nível da intervenção nutricional/alimentar. Diria mesmo que esta é uma das últimas etapas", explica o nutricionista responsável pela consulta de nutrição nas clínicas CUF, em Belém e Alvalade, onde tem vindo a acompanhar crianças obesas.
"Em primeiro lugar, é preciso perceber porque é que a criança/adolescente sente que está gorda/o, por que é que se preocupa tanto com a sua imagem corporal ou que contrapartidas retira do facto de sentir que é capaz de controlar o seu peso ou aquilo que come." Primeiro passo: pedir ajuda. "Os pais que suspeitem de uma situação de anorexia ou bulimia devem começar por procurar apoio psicológico para os seus filhos, de forma a entender as causas do problema."
Pais e escolas têm uma missão fundamental nos casos de distúrbios alimentares. "Se as crianças sentirem o amor dos seus pais e não se sentirem julgadas ou avaliadas sistematicamente por eles, serão crianças/adolescentes mais seguros. Isso é uma condição importante para evitar muitas das causas que levam à anorexia e bulimia", sublinha Rodrigo Abreu. Pais e escolas devem dar as mãos para ensinar o que é uma alimentação saudável: "Devem ter interesse na alimentação das crianças e procurar ensiná-las a comer de uma forma variada, equilibrada e prazerosa." "Saber comer é uma forma excelente de evitar problemas tão opostos como a anorexia ou a obesidade", sustenta.
Desvendar mitos e corrigir erros que persistem devem fazer parte da ementa. Segundo o nutricionista, educar para a alimentação é fundamental. "Dispomos de uma variedade enorme de alimentos e se não soubermos escolher há uma maior probabilidade de fazer escolhas menos adequadas. Para evitar tanto a anorexia como a obesidade, é fundamental que as crianças aprendam a comer, sabendo que não há alimentos bons ou maus - apenas alguns para comer mais e outros para comer menos."
Uma matéria que se pode tornar num tabu. "É importante que os pais estejam atentos ao padrão alimentar dos seus filhos e que, em caso de dúvida, procurem a ajuda do seu médico. Fechar os olhos ao problema por vergonha ou por pensar que só acontece aos outros pode comprometer irremediavelmente o sucesso do tratamento", alerta a pediatra Graciete Bragança, co-autora de O Grande Livro da Alimentação Infantil. Deve-se procurar ajuda. "As escolas desempenham um papel muito importante na promoção da saúde, informando sobre a importância de uma alimentação equilibrada para o bom desenvolvimento físico e intelectual. De igual modo, os jovens devem ser alertados para a existência deste tipo de doenças para que, por um lado, se possam defender e, por outro, ajudem na detecção precoce", sublinha.
Uma realidade que, por vezes, não é perceptível devido a uma sintomatologia que não é muito evidente. "Os jovens, e até mesmo as crianças que padecem deste tipo de distúrbio, acabam por adquirir estratégias de manipulação dos sintomas e conseguem mesmo desviar as atenções dos adultos sobre estes problemas", avisa a psicóloga Ercília Duarte, coordenadora do projecto Escola da Família, que procura reforçar a educação parental no concelho de Santa Maria da Feira. "Falar de distúrbios alimentares implica falar de uma espiral negativa de sentimentos em relação à imagem de si mesmo, que vêem e passam aos outros; implica falar de factores hereditários e vivências familiares e da forma como estes influenciam o 'sentir' do jovem/criança. Implica inevitavelmente falar do meio/grupo e respectivas crenças que os acompanham, da sociedade e dos conceitos de beleza que transmite e respira."
Um jovem precisa de se sentir integrado num grupo, que assume um papel determinante sobretudo na adolescência. "No entanto, ninguém é feliz com o outro sem que antes seja feliz consigo mesmo, por isso as discrepâncias de sentimentos muitas vezes leva o jovem a recorrer a tentativas erradas de modificar algo que pensa e sente ser um defeito que os outros criticam." Por isso, não se devem fechar os olhos aos distúrbios alimentares. "Para além de ser um assunto sério, é uma realidade que tem vindo a crescer de forma evidente, o que anuncia a necessidade de aumentar a atenção para com os jovens que se preocupam demasiado com a imagem que os outros têm de si", refere.
Para Ercília Duarte, a intervenção em casos de anorexia e bulimia tem de envolver todo o núcleo familiar, mais uma equipa multidisciplinar. "A primeira grande dificuldade é fazer o jovem entender que precisa de ajuda, o que muitas vezes é impensável, pois para eles o problema está nos outros e não em si mesmo. Num processo de intervenção, o primeiro passo é o reconhecimento do problema que tem de estar entendido e devidamente fundamentado, ou seja, como, porquê, quando começou e como poderá acabar." Reconhecido o problema é preciso colaboração de todas as partes, até porque o jovem precisa de "compreensão, tolerância, força, auto-estima, vontade, coragem e harmonia". "Tudo o que não precisa é de sentimento de culpa e de críticas que em nada o ajuda a restabelecer a auto-estima".
A escola tem também um papel importante, uma missão preventiva. "É habitual que os jovens, com distúrbios alimentares, apresentem alterações no comportamento e evidenciem maior preocupação com os alimentos e a sua composição nutricional e, por vezes, recorrem ao professor para fazer perguntas directas sobre os alimentos, pelo que um professor devidamente atento e sensibilizado conseguirá decifrar o intuito das perguntas efectuadas." É então necessário abordar o assunto e explicá-lo de forma clara. "Os jovens passam muito mais tempo na escola do que em casa, por isso, às vezes, é mais fácil detectar comportamentos inadequados na escola." E sempre que haja uma suspeita, os pais devem ser imediatamente avisados.
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