terça-feira, 13 de outubro de 2009

Denuncia abusos e passa a ser alvo

Maria’ (nome fictício) não conseguiu ficar indiferente quando se apercebeu de que um menino, de 10 anos, aluno na sua escola, estava a ser alvo de maus tratos em casa. Denunciou o caso, foi ameaçada por familiares da criança, mas agora a polícia diz que não tem meios para a proteger. E a procuradora do Ministério Público, a quem a professora ontem recorreu para tentar encontrar uma solução, apresentou então uma outra solução a ‘Maria’: mudar de escola.

"Fiz o que estava correcto e sou eu que tenho de mudar de vida? Tenho de fugir como se tivesse cometido um crime?", questiona-se a professora, que não esconde a revolta.

‘Maria’ revive o dia 2 de Fevereiro vezes sem conta. Foi aí que teve a confirmação daquilo que suspeitava há alguns meses. Ao emprestar uma camisola à criança, a professora reparou naquilo que muitos outros docentes da escola faziam questão de não ver: o menino tinha nódoas negras e feridas por todo o corpo.

"Das nádegas até às dobras dos joelhos estava em carne viva. Não parava de sangrar. Ele contou que a mãe lhe batia sempre com o cinto e que não podia chorar porque senão ela batia-lhe mais. Ainda hoje aquela imagem não me sai da cabeça", contou ao CM a docente.

‘Maria’ levou o menino ao Hospital de S. João, no Porto, onde os médicos afirmaram desde logo que a criança só saía de lá para uma instituição. E foi mesmo isso que aconteceu, sendo o menor retirado à família.

A partir daí, ‘Maria’ nunca mais teve paz e um dia, à saída, da escola foi ameaçada por um homem armado. Pediu protecção policial em Fevereiro, mas só a teve em Abril. Tentou por várias vezes obter ajuda por parte da DREN, mas nunca obteve resposta. Na própria escola as colegas quase parecem que a recriminam pelo que fez.

"Cumpri o meu dever como pessoa e profissional e todos me abandonaram nesta luta. Não me arrependo. Sei que se não o fizesse aquele menino tinha morrido", afirma .

O acto da professora, que lecciona numa escola de Gondomar, levou ainda a que também a irmã do menino, de três anos, fosse retirada à família.

As escolas têm cada vez mais um papel de relevo na denúncia pública das situações de abusos a menores. Os professores têm vindo a ser alvo de diversas campanhas de sensibilização e os números revelam uma maior sensibilidade dos docentes para o problema. A parceria do trabalho dos professores com os elementos das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco tem dado frutos e muitas das queixas chegadas às autoridades policiais têm um denominador comum: são feitas por professores.

São aqueles que acompanham as crianças e jovens no seu dia a dia e que também, com mais facilidade, dada a formação que possuem, estão habilitados para verificar se os menores são alvo de maus tratos ou situações de abusos sexuais. A confissão do aluno ao professor é também frequente.

Para além de ‘Maria’, também o menino está a receber protecção policial. A criança está a viver numa instituição e a mãe foi proibida de o contactar. "Disse-me que nunca mais queria ver a mãe porque ela não gostava dele", contou a docente.

Já com a professora, o caso foi diferente. A mãe da criança e o padrasto estão sujeitos a termo de identidade e residência, mas não lhes foi aplicada qualquer medida de coacção que os impossibilite de se aproximarem da professora. Os processos de ameaças e maus tratos foram adensados num só caso, que será julgado em Gondomar.

Ao que tudo indica ‘Maria’ ficará sem protecção policial pois neste momento são poucas as pessoas a prestar esse serviço. Segundo o MP, existem casos mais graves a ser tratados.

Bastante abalada com a situação, a professora colocou a hipótese de aceitar a proposta de dar aulas noutra cidade, desde que lhe pagassem o alojamento. No entanto, o MP colocou logo de parte a hipótese.

No hospital os médicos ficaram em choque quando viram o estado em que o menino estava e admitiram que ele podia ter morrido.

São muitos os casos mediáticos de protecção de testemunhas em processo penal. Um dos casos mais recentes foi Carolina Salgado, ex--mulher de Pinto da Costa, que também deixou de ter segurança após os casos chegarem a julgamento. José Faria, que testemunhava contra Ferreira Torres no processo em que o ex-autarca de Marco de Canaveses foi absolvido, esteve igualmente sob forte protecção. Já perdeu a segurança policial.

Diversas testemunhas no caso ‘Noite Branca’ – o processo onde se investigaram quatro mortes na noite do Porto – também tiveram direito a protecção. A primeira foi a mulher de Berto ‘Maluco’, assassinado à porta de casa com várias rajadas de metralhadora. A sua identidade está protegida e, neste momento, vive rodeada de seguranças que garantem a sua integridade.

O processo Casa Pia foi dos primeiros casos que trouxe para a ribalta a protecção das testemunhas. Alguns dos jovens vítimas de abusos sexuais beneficiaram deste regime – prestado por elementos de um corpo especial da PSP – após terem ido depor como testemunhas.

O objectivo: evitar que fossem intimidados e que alguém os pressionasse para mudarem os depoimentos. Todos perderam a segurança quando a investigação terminou.

A última alteração legislativa, de 2008, estabeleceu novas condições para a protecção das testemunhas. Uma delas foi a possibilidade de alteração da residência, sempre que o perigo assim o justifique. "Sempre que ponderosas razões de segurança o justifiquem, estando em causa crime que deva ser julgado pelo tribunal colectivo ou pelo júri e sem prejuízo de outras medidas de protecção previstas neste diploma, a testemunha poderá beneficiar de medidas pontuais de segurança, nomeadamente da alteração do local físico de residência habitual", pode ler-se nº 1 do artigo 20º.

Diz a lei que cabe à autoridade judiciária competente solicitar a intervenção da Comissão de Programas Especiais de Segurança com vista à efectivação da medida.


Ana Isabel Fonseca/Tânia Laranjo

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