Quem não conhece essas flores tão tradicionais a que chamamos malmequeres? Mas a quantas plantas diferentes é que chamamos este nome? Conheça um pouco mais desta vasta família tão comum e tão numerosa como, muitas vezes, confusa.
Malmequeres, dálias, crisântemos, margaridas, perpétuas, gerberas, e tantos outros nomes familiares… todos pertencem à grande família das Compostas (tecnicamente Asteraceae ou Compositae). Desde a infância mais distante que usamos uma composta como estereótipo da flor, resumindo-a a um disco central circular e um número indefinido de pétalas na periferia. Estas duas características levam-nos imediatamente a identificar o que pensamos ser uma flor. Na realidade, este estereótipo é uma caricatura daquilo que mais único existe nesta família – a forma como muitas flores se uniram, tão bem que muitas vezes julgamos ser uma flor aquilo que na realidade é uma inflorescência.
Esta é a família de dicotiledóneas que mais espécies compreende, cerca de 23000 em 1500 géneros. Como seria de esperar por estes números, os seus representantes existem em todo o mundo e estamos constantemente a cruzarmo-nos com eles. Claro que nem todos são vistosos como aquelas ornamentais; muitas espécies são até bastante inconspícuas, porém há uma certa exuberância associada a esta família, que podemos testemunhar ao perscrutar os vários habitats de Portugal.
A região mediterrânica é um dos centros de diversificação da família e apresenta assim muitas espécies. Algumas tribos (subdivisão da família) e géneros evoluíram nesta região, tendo originado muitas espécies endémicas de locais mais ou menos restritos. O género Centaurea, com quase 500 espécies, é exemplo de um género principalmente centrado na região mediterrânica, tendo 26 espécies nativas do nosso país, das quais 5 são endémicas de algumas regiões, número que já inclui a muito recentemente descoberta Centaurea occasus, endémica de uma pequena área no Algarve.
Muitas espécies de compostas são cultivadas nos jardins, sendo uma boa parte destas originária de África do Sul, uma outra região também pródiga nesta família, onde a exuberância das flores ainda é mais exagerada.
A maioria das espécies da família consiste em ervas, por vezes lenhosas. No entanto, podem ser arbustos, lianas (como alguns Senecio sul-africanos cultivados nos nossos jardins) e até árvores, como é o caso dos géneros Montanoa, do México, Brachylaena, de África, e outros.
Em Portugal continental pode-se afirmar que são quase todas ervas, frequentemente anuais, ocorrendo algumas espécies de porte subarbustivo ou arbustivo, como as perpétuas-das-areias (Helichrysum spp.) facilmente observáveis em dunas bem conservadas, estevais e outros matos; e a Stahelina dubia, das encostas calcárias muito quentes e secas.
O que faz as compostas tão especiais?
Como já foi ligeiramente abordado, as compostas têm um arranjo floral distintivo, quase único, e que é o elo comum a todas as espécies desta família – o capítulo. O capítulo é um tipo de inflorescência que se caracteriza, em linhas gerais, por apresentar muitas flores reduzidas agrupadas de uma forma muito compacta directamente sobre um disco (receptáculo). As flores periféricas deste disco frequentemente apresentam um prolongamento unilateral (lígula), o que, no conjunto, dá o aspecto semelhante a uma flor “normal”. Dado que o número de flores na periferia é variável, o número de “pétalas” (lígulas) também o é, o que muito raramente acontece em outras famílias.
Toda esta estrutura está envolvida por brácteas (folhas modificadas com função de protecção) que aqui exercem uma função análoga às sépalas das flores “normais”.
Esquema geral de um capítulo, em dois estádios do desenvolvimento – em flor (na ântese) e aquando da maturação dos frutos. O esquema foi inspirado nas características de várias espécies, para mostrar um pouco da variação que pode haver. As flores e frutos foram desenhados afastados para melhor compreensão; na realidade, estes encontram-se dispostos de forma compacta.
O capítulo, então, assemelha-se em forma e função a uma só flor, no entanto, é constituído por um agregado de inúmeras pequenas flores, em que geralmente as externas se tornam vistosas pelo desenvolvimento da lígula, e as internas são pequenas e pouco vistosas. Esta estratégia, que basicamente é uma divisão de tarefas, reduz o investimento necessário para a atracção dos polinizadores, pois apenas uma pequena porção das flores é que produz uma “pétala”, beneficiando todas as outras desse esforço. Muitas plantas usam estratégias deste tipo, desde a mais simples que consiste simplesmente em agrupar as flores em conjuntos – chamados inflorescências – até às mais complexas como é o caso das compostas, que a levaram ao extremo da especialização. Na família distante das crucíferas (Brassicaceae), as plantas do género Iberis são um exemplo de uma forma menos especializada de atingir o mesmo objectivo com uma estratégia similar às compostas – as flores periféricas da inflorescência têm as suas duas pétalas exteriores marcadamente mais desenvolvidas que as restantes, porém, não havendo uma diferenciação morfológica muito abrupta entre as flores periféricas e as centrais.
Nem todas as espécies das compostas apresentam os capítulos como acima descritos. Uma das tribos tipicamente apresenta todas as flores do capítulo com lígulas, e não só as externas – é o caso dos dentes-de-leão (Taraxacum spp., Leontodon spp.). Um outro grupo não apresenta de todo flores liguladas – caso de muitos cardos, por exemplo (Carduus spp., Cirsium spp.). Um único caso em Portugal tem capítulos com uma só flor – uma espécie particular de cardo (Echinops strigosus).
De resto, as compostas, como provavelmente já se deu a entender, são plantas muito variáveis e por isso, por vezes, podem ser identificadas observando apenas caracteres vegetativos – forma das folhas, sua disposição, hábito da planta, indumento (tipo e densidade de pêlos) … – o que requer alguma experiência, pois é uma família muito numerosa.
Os capítulos não são, porém, exclusivos desta família. Mesmo em Portugal podemos encontrar casos de outras famílias que podem usar este tipo de inflorescência. Nas umbelíferas (Apiaceae), por exemplo, o género Eryngium ao qual pertence o vulgar cardo-rolador das dunas marítimas, apresenta as flores reunidas em capítulo. A família Dipsacaceae, cujo membro mais conhecido é o cardo-penteador (Dipsacus comosus) idem. Claro que existem diferenças ao nível da estrutura das flores que mostram que estas plantas não são compostas, mas tal já não será abordado aqui.
Um outro aspecto particular desta família é o tipo de fruto que produz. Todas as espécies, com única excepção do género sul-africano Chrysanthemoides com apenas duas espécies, produzem um fruto seco com uma só semente, designado por cipsela. Este fruto é disperso muito usualmente pelo vento, ou por animais através da ajuda do papilho – uma estrutura derivada das sépalas que geralmente consiste numa coroa de pêlos que se insere numa das extremidades do fruto (observe-se o fruto do dente-de-leão). Mais uma vez, o papilho não é exclusivo das compostas; pode também ser encontrado nas valerianas (Valerianaceae) uma estrutura de origem, forma e função quase idênticas.
As compostas têm uma grande diversidade de espécies. Devido a tal, a família tem sido dividida em tribos, que agrupam as espécies de acordo com algumas características que provaram ser suficientemente constantes ao longo dos géneros de uma tribo, mas suficientemente distintas entre tribos. As tribos correspondem, no geral, aos “tipos” de compostas que facilmente reconhecemos empiricamente, por isso optou-se aqui por falar um pouco das espécies portuguesas sob esta perspectiva.
Entre as compostas que mais facilmente se podem ver no campo estão diversas espécies afins dos malmequeres – tribo Anthemideae – sendo também as compostas cuja aparência é mais típica. Morfologicamente caracterizam-se por terem as flores periféricas liguladas (geralmente brancas) e as centrais não liguladas, (amarelas) e por nunca terem o papilho composto por pêlos (pode estar ausente ou ser composto de pequenas escamas). Podem enumerar-se Anacyclus clavatus, Chamaemelum mixtum, Chrysanthemum coronarium e Anthemis arvensis, como as mais frequentes, mas muito mais espécies com flores similares e difíceis de distinguir existem. Estas plantas são habitantes usuais das searas, pastagens, prados e montados. Chrysanthemum coronarium é uma das poucas espécies que se identificam prontamente devido às suas pétalas geralmente bicolores.
Crisântemo (Chrysanthemum coronarium), uma composta anual frequente em pastagens e montados.
Algumas outras espécies, também desta tribo, similares a estas mas de flores totalmente amarelas são igualmente frequentes, como é o caso de Coleostephus myconis, Chrysanthemum segetum e Anacyclus radiatus, entre outras também típicas dos mesmos habitats.
As margaridas (espécies do género Bellis) são também frequentes, nomeadamente a Bellis perennis que habita quase sempre nos relvados das cidades. Pertencem a uma tribo semelhante à anterior (Astereae) da qual se diferenciam por características mais minuciosas.
Um outro tipo muito comum de compostas é o grupo a que pertence o dente-de-leão – tribo Lactuceae. São plantas com flores todas liguladas, amarelas ou azuis, e que quando feridas exsudam um látex branco. O exemplo mais comum é a alface (Lactuca sativa), mas muitas outras povoam os campos e mesmo os jardins das cidades. O taráxaco, ou dente-de-leão (Taraxacum officinalis), a chicória (Cichorium intybus) e a serralha (Sonchus oleraceus) são três que se podem encontrar com muita frequência nas cidades, as duas primeiras nos relvados. A chicória, com as suas flores azuis no Verão, é inconfundível. Fora das cidades, em sítios secos mais naturais, realçam-se apenas os géneros Leontodon (L. longirrostris), Reichardia, Hypochaeris (H. glabra) e Crepis (C. vesicaria), todas de flores amarelas similares às do dente-de-leão; por serem muito frequentes. A sua distinção, bem como a das espécies de cada género, requer uma análise mais cuidada da planta em causa.
Tragopogon hybridus, uma composta da tribo Lactuceae mais ou menos frequente em pousios secos.
As plantas geralmente designadas por cardos também pertencem, na maioria, a uma tribo própria – Cardueae – embora nem todos os seus representantes sejam espinhosos. As características mais marcantes desta tribo são a ausência de flores liguladas que são substituídas por flores tubulosas, as quais são sempre, nesta tribo, bastante compridas. A maioria das plantas desta tribo é, de facto, espinhosa, pelo menos no capítulo. Os exemplos mais frequentes habitam pastagens e matos abertos – as alcachofras (Cynara spp., sendo a mais frequente C. humilis e onde se inclui também o cardo do queijo, C. cardunculus), Carduus tenuiflorus, Galactites tomentosa, Atractylis gummifera e Carlina corymbosa – mas existem várias espécies e géneros similares às referidas, pelo que a sua identificação não é tão directa. Outras espécies preferem sítios menos secos, como o cardo-mariano (Sylibum marianum) e as espécies do género Cirsium em geral. O género já referido Centaurea pertence a esta tribo e tem bastantes espécies no nosso país, sendo a mais comum C. pullata, em pastagens.
Cardo-coroado (Atractylis cancellata), um pequeno cardo anual, infrequente, habitante de zonas pedregosas secas e quentes.
Ainda que existam mais tribos em Portugal, refere-se por fim a tribo Gnaphalieae, que inclui plantas de aspecto cinzento-azulado devido aos densos pêlos lanosos com que se cobrem, e cujas flores são muito pequenas e inconspícuas, todas não liguladas. As perpétuas-das-areias (Helichrysum italicum e H. stoechas), bem como o alecrim-das-paredes (Phagnalon saxatile) são as plantas mais “visíveis” desta tribo, sendo pequenos arbustos de zonas rochosas ou arenosas e até dunas, no caso de Helichrysum. No entanto, existem várias espécies anuais bastante pequenas que habitam pastagens e matos abertos, e que é necessário alguma atenção para as ver. Pertencem aos géneros Logfia, Filago e Evax e todas elas apresentam o característico aspecto cinzento-azulado, tal como as anteriores.
As compostas são uma família rica em endemismos nacionais, bem como em espécies raras, sendo alguns géneros mais propícios a este tipo de fenómenos, como Serratula e Centaurea. No entanto, as maiores raridades estão dispersas por vários géneros. É difícil quantificar ou mesmo qualificar quais são as espécies mais raras, precisamente porque raramente são vistas e pouco se sabe sobre elas. Aqui referem-se algumas que reconhecidamente cabem nesta categoria, mas muitas outras haverá.
Nos calcários a norte do Tejo surge uma planta estranha, de grandes e vistosas flores amarelas, à qual foi atribuída uma subespécie própria – Senecio doronicum subsp. lusitanicus. A subespécie irmã S. doronicum subsp. doronicum, que não existe em Portugal, é uma planta alpina que habita nas montanhas da Europa em geral, nomeadamente nos Alpes. No entanto, apesar de em Portugal as serras calcárias não chegarem aos 700 m de altitude, esta planta está cá e é apenas ligeiramente diferente da sua congénere, pelo que se considera apenas como subespécie, neste caso endémica. A sua ocorrência é francamente pontual, principalmente na região a norte de Lisboa, e geralmente nas cumeadas mais altas e expostas. Embora apareça em núcleos com um razoável número de indivíduos, é muito rara no global, e pode-se considerar que esteja em perigo de se extinguir.
Na mesma onda de pensamento, há uma outra espécie tão ou mais rara que a anterior, igualmente alpina mas que não especiou em Portugal, sendo a mesma que actualmente se encontra nas montanhas da Europa – Inula montana. A ocorrência em Portugal limita-se a alguns núcleos muito pequenos na área do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, bem como alguns núcleos em Trás-os-Montes, estando, no geral, em vias de desaparecer do nosso país.
Senecio doronicum subsp. lusitanicus, uma composta raríssima que ocorre em alguns cabeços calcários.
Esquecendo as espécies de montanha, que foram aqui apenas ligeiramente abordadas, temos também outro tipo de raridades. Leuzea longifolia é um endemismo português considerado em perigo de extinção, e é uma das plantas mais raras de Portugal. Ecologicamente tem preferências por um habitat que está praticamente todo convertido em eucaliptal na região geográfica que a espécie ocupa, sobrevivendo ainda nalguns locais muito pontuais, todos na região de Leiria e um pouco mais a sul. Tal como I. montana, conhecem-se apenas alguns núcleos desta planta, geograficamente afastados, portanto, isolados biologicamente. Cada núcleo é composto por um número muito reduzido de indivíduos, o que, a juntar ao isolamento e à perturbação a que o homem os sujeita, contribui decisivamente para a vulnerabilidade desta planta.
Inula montana, uma composta também raríssima ecologicamente semelhante a S. doronicum.
No sudoeste de Portugal ocorre um outro endemismo desta região. Subindo desde as costas xistosas às serras, encontra-se Centaurea vicentina. É uma planta robusta que vive nos matos baixos em solos secos e pedregosos e que, comparada com as anteriores, nem se pode considerar muito rara. Porém, é de facto um endemismo restrito à vertente costeira das serras, não as passando para o interior, e grande parte da sua área de ocorrência está ocupada com eucalipto. A biologia da espécie, que prefere habitats com alguma perturbação (não é uma espécie de floresta) e o seu estado populacional, que inclui centros de grande abundância, são factores que estão em seu favor.
Leuzea longifolia, um endemismo português raríssimo, em perigo de extinção, que habita matos higrofílicos sobre solos ácidos.
Todavia, talvez uma das mais raras e extraordinárias compostas seja Volutaria crupinoides. Não é de todo endémica, pelo contrário, é a sua distribuição geográfica global bizarra que justifica o seu interesse, para além de ser raríssima em Portugal. É uma planta anual nativa do médio oriente, que habita em afloramentos rochosos das áreas desérticas. Na Europa não terá encontrado nenhum local propício para se estabelecer, mas inesperadamente surge nas arribas da Serra da Arrábida, numa população totalmente isolada. De facto, não é a única planta de climas desérticos que ali está, e talvez não seja a mais fantástica, mas é provavelmente a mais tímida.
Miguel Porto
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