sexta-feira, 11 de maio de 2012

Conteúdo - Sismologia

O que é um sismo?  Vibrações das rochas , resultantes da libertação de energia no interior da Terra, que se propagam, a partir do hipocentro, em todas as direcções sob a forma de ondas- ondas sísmicas.
Geralmente os sismos não são fenómenos isolados porque posteriormente a um grande tremor de terra surgem abalos menos intensos que podem repetir-se durante semanas ou dias- réplicas.Também é frequente que os sismos sejam precedidos por abalos de baixa intensidadeabalos premonitórios.
Hipocentro ou foco sísmico- zona do interior da Terra onde se origina o sismo (Fig.1 e 2).   
Fig.1Fig.2
Epicentro- local da superfície terrestre, situado na vertical do hipocentro (Figura 1 e 2), onde se verifica maior intensidade do sismo.
Causas dos Sismos:
1- Fracturação e deslizamento das rochas;
2- Movimento do magma no interior da Terra e erupções vulcânicas explosivas;                  
3- Abatimento de terrenos.                                                                                                
Como se detectam e registam as ondas sísmicas?
Sismógrafo- aparelho que detecta e regista as vibrações sísmicas.
     
Os registos efectuados são chamadossismogramas
Um sismo pode ser avaliado usando uma escala de intensidade (Escala de Mercalli e Sieberg) ou uma escala de magnitude (Escala de Richter) (Tabela I e II).
    A intensidade de um sismo num determinado local, avalia-se por entrevista às populações e pela verificação, no local, por técnicos especializados das declarações dos inquiridos.

Tabela I- Escala de Mercalli-Sieberg Modificada (INTENSIDADE de um sismo)
CataclismoXIImercallidez.gif (17370 bytes)Grande pânico. Destruição total. Terreno ondula. Objectos voam.
CatastróficoXImercallis.gif (18734 bytes)Pânico. Poucas estruturas resistem. Largas fendas nos terrenos.
DestruidorXmercalli8.gif (16334 bytes)Pânico. Só os melhores edifícios se mantêm. Fundações arruinadas. Os carris dobram. O chão é fortemente afectado. Grandes deslizamentos.
DesastrosoIXmercalli7.gif (33990 bytes)Pânico. Destruição total das estruturas frágeis. danos importantes nas grandes construções. Fundações afectadas. Canalizações estoiradas. Fissuras nos terrenos.
RuinosoVIIImercalli6.gif (47007 bytes)Alarme geral. Toda a gente foge. As estruturas frágeis são fortemente atingidas e as principais ligeiramente; queda de monumentos; mobília pesada virada.
Muito forteVIImercalli5.gif (20585 bytes) Muitas pessoas fogem alarmadas. Os edifícios de estrutura fraca são danificados. É sentido pelas pessoas que se encontram no interior de carros em movimento.
Bastante forteVImercalli4.gif (30072 bytes)Sentido por todos. Chaminés caem, a mobília desloca-se.
ForteVmercalli3.gif (23072 bytes)Sentido pela maioria das pessoas. O estuque cai, partem-se pratos e vidros de janelas.
MedíocreIVmercalli2.gif (24036 bytes)Algumas pessoas acordam, vibração de pratos e janelas (sensação de camião a chocar com edifício).
FracoIIIVibração semelhante à de um camião. Os carros parados deslocam-se.
Muito fracoII
 Sensível para certas pessoas. Os objectos suspensos oscilam.
ImperceptívelIDetectado só pelos instrumentos

Tabela II- Escala de Richter (MAGNITUDE de um sismo)
 8 e >Desastre em larga escala
7-7,9Queda de pontes e barragens
6-6,9Fendas no chão, queda de edifícios
5-5,9Queda de mobiliário
4-4,9Vidros partidos
3-3,9Sentido pela maioria das pessoas
2-2,9Sentido por algumas pessoas     
1-1,9Sentido apenas pelos sismógrafos

Fig.3 Carta de isossistas do sismo de Benavente
Isossistas- são linhas que unem pontos de igual intensidade de um sismo (Figura 3). As isossistas (linhas a vermelho, figura 3) são estabelecidas a partir do epicentro, diminuindo a intensidade do sismo à medida que nos afastamos do epicentro (localizou-se próximo de Benavente).
Fig.4 Arquipélago dos Açores (região vulcânica e sísmica)
                      
Como actuar
antesdurantee após a ocorrência de um sismo?
Falar abertamente sobre o assunto;Obter informações sobre os sismos.
Não usar elevadores porque podemser desactivados pelo corte de energia.
elevador.gif (15478 bytes)
Não fazer lume;  arejar os locais.
fosforos.gif (15750 bytes)    arejar.gif (15045 bytes)
Aprender a desligar o gás e a electricidade.
Afastar-se de janelas ou de outrosobjectos que possam cair.
objectos.gif (23439 bytes)
Vestir roupas quentes e calçar sapatos.Não usar desnecessariamente o telefone.
roupa.gif (13766 bytes)    telefone.gif (18267 bytes)
Armazenar alguma comida enlatada /
empacotada e água engarrafada

Uma mesa pesada e a ombreira de umaporta são bons locais para se abrigar.
mesa.gif (17309 bytes)   vao.gif (9118 bytes)
 Ajudar a socorrer feridos ligeiros e 
a apagar pequenos incêndios; 
avisar os bombeiros em caso de necessidade.
socorrer.gif (16786 bytes)    incendio.gif (12476 bytes)
Preparar um estojo de primeiros socorros.
Evitar o pânico
panico.gif (21139 bytes)
Ter uma lanterna e um transistor a pilhas.
Procurar locais abertos e manter-se afastado de edifícios. 
predios.gif (23445 bytes)
Afastar-se de zonas litorais.
tsunami.gif (34670 bytes)
Fixar estantes e botijas de gás à parede
Não se precipitar para as saídas.
Ouvir as notícias e seguir as indicações dadas.
  

domingo, 6 de maio de 2012

Portugal, país de artistas

“Bruxelas, 14 Out (Lusa) - Portugal é o país da União Europeia que mais horas dedica à educação artística no primeiro ciclo do ensino básico, revela um estudo apresentado hoje em Bruxelas pela Comissão Europeia”.

De vir às lágrimas! Quase 30 anos de carreira docente em todos os níveis de ensino, a lutar freneticamente – no quotidiano das escolas, na formação de professores inicial e contínua e em projectos de investigação – pela presença e pelo valor das artes no ensino regular e, de repente, a Comissão Europeia descobre, em Bruxelas (a quilómetros de distância!), que dedicamos mais tempo do que os nossos parceiros da Comunidade à Educação Artística no 1º Ciclo do Ensino Básico. O estudo refere-se ao ano lectivo de 2007-2008 e revela que, muito à frente de países como a França ou a Alemanha, dedicamos 165 horas por ano de educação artística às nossas crianças das 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classes, o que dá umas 5h por semana…

Os mais atentos a estas temáticas lembrar-se-ão desse Fevereiro de 2006, quando o Governo de então anunciou que a Expressão Artística passaria a fazer parte das “matérias” dos alunos daquele ciclo, em horário de “prolongamento” escolar, sendo leccionada por elementos de “instituições profissionais locais”. Tratava-se de um investimento comum das tutelas de Lurdes Rodrigues e de Isabel Pires de Lima. Educação e Cultura uniam-se para “consolidar o que está definido na reforma do ensino básico (…) à semelhança do que foi feito com o Inglês”, afirmava a ministra da Educação, na Conferência Mundial sobre o Ensino Artístico (Casa da Música, Porto).
No ano seguinte (2006-2007), iniciou-se a generalização. A ministra da Educação desafiara as escolas profissionais artísticas para este trabalho a nível local – a Academia de Música de Espinho, não por acaso, já o fazia há mais de 15 anos – e a ministra da Cultura propunha-se realizar, com 70 câmaras, mais de 2.000 ateliês nas escolas. E lá se foi avançando. Havia um projecto em curso na Madeira, há mais de 25 anos, mas ninguém o terá avaliado, a nível da tutela.

Também ninguém disse que, em muitos casos, mais do que um programa de ensino artístico, talvez tenhamos tido uma solução de prolongamento do tempo escolar. Ninguém explicitou aprofundadamente que habilitações (científicas e pedagógicas) tinham esses monitores das instituições profissionais locais, nem se eles existiam em número suficiente em cada autarquia. Ninguém assumiu muito abertamente que muitos desses profissionais eram pagos à hora por um valor inferior ao que ganham as empregadas de limpeza – que, tendo um trabalho árduo, não têm a responsabilidade de quase 30 crianças para... guardar, pelo menos – e que, como diz o povo, tal dinheirinho, tal trabalhinho, isto é, por muito jovem que se seja, cheio de energia, chega sempre um dia em que não nos sentimos assim com tanta vontade de permanecer e desenvolver um trabalho óptimo se somos tão mal pagos. Ninguém falou de como estes tempos são “prolongamentos” no sentido em que estão para além do tempo “escolar” por excelência, onde reinam outras “matérias” consideradas mais “importantes” por alguns, como se a educação de uma criança não devesse abarcar todos os tipos de conhecimento, todas as experiências de vida, de forma integrada. Ninguém contou como os professores do 1º Ciclo foram pouco ou nada motivados para estarem envolvidos nestas experiências constituídas praticamente “extra-escola”.

Seja no ensino regular, seja até no ensino especializado, não se pode partir do princípio redutor de que as artes são só para quem quer ser músico, actor, pintor, bailarino ou tantas outras formas híbridas que hoje vão surgindo, felizmente. O contacto com as expressões artísticas e a Educação Artística devem fazer parte do quotidiano das escolas. Só uma equipa ministerial desconhecedora dos processos de ensino/aprendizagem poderia estabelecer uma tabela com 8 horas para Língua Portuguesa, 7 para Matemática, 5 para Estudo do Meio (metade para as Ciências Experimentais) e as restantes 5 horas para as Expressões ou – sublinhe-se – para reforço das áreas anteriores.
Se o conhecimento humano pudesse espartilhar-se, hoje os nossos investigadores já não falariam Português, não saberiam fazer contas e seriam incapazes de dar um pé de dança numa discoteca ou num baile de S. João. Em verdade, para qualquer área de conhecimento concorrem todas as outras, mesmo aquelas de cuja existência em nós, eventualmente, não tenhamos consciência.

Expressão Plástica e Educação Visual, Expressão e Educação Musical, Expressão Dramática/Teatro e Expressão Físico-Motora/Dança são quatro áreas artísticas que deveriam atravessar com eficácia e com qualidade todo o Ensino Básico. Mas basta olhar para os planos curriculares do nosso país para se perceber que a quantidade pode parecer elevada, mas não o é: a maior parte dos alunos continua sem saber Música, poucos têm contacto com o Teatro ou a Dança e mesmo a Educação Visual tem “perdido” um espaço que já teve.

As expressões artísticas no ensino regular têm como função contribuir para o desenvolvimento integral do indivíduo enquanto cidadão do Mundo. Compete à Escola Pública proporcionar a democratização do ensino de todas as áreas de conhecimento e de desenvolvimento, fornecendo aos mais carenciados os meios apropriados que lhes garantam maior facilidade em atingir objectivos propostos. A questão específica do Ensino Especializado é outra; mas ele deverá contar também com a função própria do Ensino Regular, na Escola Pública, que deverá possibilitar o desabrochar de qualquer aluno-cidadão, eventualmente numa área artística; ou seja, as escolas especializadas não devem restringir-se à frequência de alunos oriundos de famílias com determinados níveis culturais.

O que parece digno de preencher um parágrafo conclusivo é, juntando o que atrás ficou dito, afirmar que a quantidade não é, de modo algum, garantia de qualidade. Sem qualquer desapreço por tanta gente e por tantos docentes que tanto têm feito pelo ensino artístico em Portugal.
Página Educação N.º 187, série II Inverno 2009

sábado, 5 de maio de 2012

Quando o telemóvel toca na sala de aula...

“Que tinha acontecido nestes dez anos
para que de repente houvesse tanto para dizer –
tanto e tão urgente que não pudesse esperar para ser dito?
Para onde quer que eu fosse, havia sempre alguém (…) a falar ao telefone”
(O Fantasma sai de cena, Philip Roth, 2008)

– Se for para mim, diga que não estou. – é a frase habitual do Prof. S. sempre que um telemóvel toca na aula, mostrando o seu desagrado através de uma ironia benigna. O autocolante de proibição dos TOV’s1, afixado nos placares de todas as salas, não impediu a proliferação dos telemóveis também nos espaços pedagógicos (a massividade deste fenómeno só é ultrapassada pelo uso do socrático-magalhães no 1º ciclo: a cada um o seu computador). As relações com a tecnologia têm vindo a alterar os nossos comportamentos em sociedade, em especial, os da juventude. O telemóvel é hoje, para ela, um artefacto como o relógio para nós: andamos sempre com ele; é uma extensão tecnológica da nossa mão. Mas não haveria mal algum em o levar para a aula, se houvesse o cuidado de o desligar ou, pelo menos, de lhe retirar o som. O problema é que muitos estudantes aí o utilizam, e sabe deus com que frequência, recebendo e/ou enviando mensagens. E quantas vezes se sai da sala para atender uma chamada… que é sempre urgente. E nem pedem sequer autorização ao professor, “para não interromper”, justificam-se. Pois, mais um pretexto para fazer uma pausa naquela estucha de UC. A geração “vídeo-clip”, apesar de já adulta, tem uma enorme dificuldade em permanecer numa aula de duas horas… falta-lhes concentração e paciência.

E o Prof. S. foi-se dando conta que, progressivamente, actuava como nos tempos em que leccionou no ensino básico-secundário, ou seja, “tipo… polícia-de-giro”. Enquanto circulava pela aula, lá ia avisando este e aquela, «Guarde o telemóvel!, Desligue isso!, Preste atenção!». Ele que sempre se considerou um defensor intransigente da autonomia dos estudantes do ensino superior, constatava agora que esse princípio não se coadunava com o infantilismo e a vitimização daquela gente que tardava em sair da adolescência. Bruckner acertou na mouche: «O homem moderno gostaria de conservar as vantagens da liberdade (a independência) livrando-se dos seus inconvenientes (a responsabilidade)»2. Mas até esse hábito de cirandar nas aulas estava cada vez mais dificultado face à crescente sobrelotação das mesmas; por isso se passou do hegemónico ‘U’ ao ‘E’ tombado (única forma de acomodar turmas de 37 a 52 alunos) o que teve, como consequência prática, o seu acantonamento na zona dos quadros e da secretária. Ora numa tal “cena”, o uso dos telemóveis tem o campo livre.

O progressivo incómodo do Prof. S. em lidar com estas situações e a ausência de uma política global de escola sobre esta matéria, levaram-no a dirigir-se, por e-mail, à presidente do Conselho Pedagógico, pedindo-lhe que tomasse a iniciativa do debate com vista à clarificação do problema. Duas posições lhe pareciam possíveis: (i) continuar tudo como até aí, i.e., deixando ao critério de cada docente a forma de (não) lidar com esse tipo de situações; (ii) definir regras de conduta académica expectáveis em sala de aula (para docentes e discentes), numa óptica de construção de uma cultura escolar implicada tanto nas aprendizagens como na formação cívica dos seus actores sociais.

A Sr.ª presidente não deu cavaco. Talvez porque sendo adepta da grande política achou este um assunto menor. Ou, se calhar, é do grupo dos professores que, neste domínio, têm comportamentos em tudo idênticos aos alunos: atendem chamadas na aula ou, abandonando a turma, vêm para a varanda resolver o assunto que, evidentemente, não pode esperar.

(1) Acrónimo criado por L. Souta no poema «Abençoados TOV’s» (TMN, Optimus, Vodafone), DESTAK, 27/02/04, p. 13.

(2) Cf. BRUCKNER, Pascal (1996) “Filhos e Vítimas: o tempo da inocência” in Edgar Morin, Ilya Prigogine e outros A Sociedade em Busca de Valores. Lisboa: Instituto Piaget/ Epistemologia e Sociedade, nº 85, pp. 51-62.
Página Educação N.º 187, série II Inverno 2009

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Ministério da Educação arquivou queixa de pai que é contra "viva o Benfica"

A Inspecção-Geral de Educação (IGE) decidiu arquivar a queixa apresentada pelos pais de uma aluna contra o Agrupamento de Escolas da Ericeira por incluir a expressão ‘viva o Benfica’ na cantilena infantil Atirei o pau ao gato.

Na resposta enviada por escrito, a IGE informou os pais da aluna que “a queixa foi arquivada, porque a actuação da escola não mereceu censura jurídico-disciplinar”.

Descontente com o resultado, Eduardo Mascarenhas, pai de uma menina de quatro anos a frequentar o jardim-de-infância de Santo Isidoro, já expôs o caso ao Provedor de Justiça.

Na queixa efectuada à IGE, o progenitor manifestou-se contra o facto de a educadora ter feito uma adaptação, ao ensinar as crianças a cantar “vai-te embora pulga maldita/batata frita/viva o Benfica” várias vezes ao dia.

O encarregado de educação, que se apresenta como um adepto não muito “ferrenho” do Futebol Clube do Porto, considera que se trata de uma “situação de lavagem e de indução ao comportamento” das crianças alimentada pela educadora e pelos responsáveis do agrupamento, todos benfiquistas.

“Compromete os valores fundamentais da escola, ou seja, o respeito pela diferença e pela individualidade, o fomento da pluralidade de gostos e o civismo”, refere na queixa, lembrando que “a escola deve ser um espaço onde nem política, nem religião, nem clubismos desportivos devem ser alimentados”.

Do agrupamento, o pai da menina, que frequenta o jardim de infância de Santo Isidoro, recebeu como resposta que a maioria das crianças é do clube: de um total de 13 crianças da sala, apenas duas não são benfiquistas.

A filha de Eduardo Mascarenhas está em casa, sem ir ao jardim-de-infância, desde o dia 22 de Março, admitindo mesmo transferir a filha de escola.

domingo, 22 de abril de 2012

Pela primeira vez, Mariana, sentiste o toque do giz…

Mais uma vez fiz o exercício da inversão e não gostei do que senti! Imaginei-me da tua idade, com a tua condição física, imaginei o que poderia sentir, imaginei uma esperança limitada, umas expectativas frustradas.

Foi em setembro que te conheci, Mariana.

Lembro-me, Mariana, que estavas sentada na tua cadeira de rodas, já ultrapassadíssima, na fila da frente. Tinhas graves dificuldades de aprendizagem e como se isso ainda não bastasse, estavas presa àquela cadeira.

Nas aulas, de Francês iniciação, quase não falavas e quando te colocava uma questão respondias muito, mas muito baixinho. Também tu tinhas medo! Tinhas medo da tua incapacidade física, tinhas medo de te expores, tinhas medo de responder as questões e falhar... falhar novamente, já não te bastava aquela cadeira. Aquela maldita cadeira que te separava da vida, que te impedia de sonhar, que te impedia de correr, de ires atrás de uma vida que supostamente, segundo as leis da natureza, seria a tua.
As tuas amigas, aquelas cujas pernas lhes permitiam voar, estavam na fase dos primeiros namoricos, na fase da troca dos bilhetinhos " Ana + Diogo = Amor para sempre". E tu Mariana? Tu eras... a Mariana da cadeira de rodas e ponto! Os rapazes nem olhavam para ti e pior... tu sabias!

Mais uma vez fiz o exercício da inversão e não gostei do que senti! Imaginei-me da tua idade, com a tua condição física, imaginei o que poderia sentir, imaginei uma esperança limitada, umas expectativas frustradas. Não é fácil termos a consciência, que há sonhos que nunca poderão ser concretizáveis e que por tormento do destino são esses sonhos os mais desejáveis.

Observava-te nos intervalos. Estavas sempre só e com um semblante triste. Observavas a vida dos outros, perdias-te na ilusão de imaginar que um dia também tu irias correr, saltar... que devido às tuas limitações, às barreiras arquitetónicas da escola e à urgência de viver das tuas amigas, tão característico destas idades, sempre se esqueciam de ti... Mas eu não! Tinha a responsabilidade de dar mais cor à tua existência!

Lembras-te, Mariana?

Lembras-te que um dia, numa aula de Francês, te mandei ao quadro? Para espanto de todos, tu muito timidamente e ao mesmo tempo muito aflitiva, disseste-me, quase gritando num tom revoltado:
"- Professora, eu não posso andar!"

Ao qual eu respondi imediatamente, num tom confiante, mas intimamente apreensiva:
"- Claro que podes Mariana!"

A turma parou muito preocupada meio estonteante com aquilo que estava a acontecer. Levantei-te e muito pacientemente, passo a passo, quase percorrendo uma eternidade, levei-te ao quadro muito agarrada a mim.
Amparei-te e tu, pela primeira vez, sentiste o toque do giz, pela primeira vez sentiste a emoção de escrever no quadro. Pela primeira vez, estiveste em pé, de igual para igual. Pela primeira vez, sentiste-te o "quase" firmamento das tuas pernas e por momentos sentiste a magia de todos te aplaudirem. Foi um momento extraordinário para todos nós, sobretudo para ti. Tu sorriste! Sorriste com alma! Sorriste porque aquele foi o teu momento! Sorriste porque afinal, por segundos, foste capaz!

Tenho a convicção que ainda hoje esta história é contada por todos que a partilharam, quanto mais não seja, quando se cruzarem na rua com uma pessoa de cadeira de rodas. O ensino, a aprendizagem é muito isto...

Todas as vezes que tínhamos aulas, era o dia de a Mariana ir ao quadro.
Esse dia mudou-te a vida! Mudou a nossa vida nas aulas! Os teus colegas já não se esqueciam de ti... deixaste o teu "canto solitário" e ganhaste amigos!
Mas as coisas não ficaram por aqui, tu precisavas da tua autonomia... da tua liberdade... do teu voar.

Um dia lembrei-me, um dia agi... Desenvolvi uma ação para a conquista da tua cadeira elétrica... Os alunos estavam eufóricos com a ideia e tu Mariana passaste da sombra para a luz da ribalta. Na escola todos falavam contigo, deixaste de pertencer só àquela turma e passaste a ser de toda a escola. Com muito esforço lá conseguimos, Mariana, conseguimos libertar-te... conseguimos mais um pouco da tua felicidade! Tudo em nome de ti! Tudo em nome da generosidade de todos, até mesmo daqueles que um dia desistiram do teu voar.

Obrigada, Mariana, por me teres tornado uma pessoa melhor.

E foi assim... foi assim que descobri a complementaridade do meu " eu". Foi assim que me tornei uma pessoa mais generosa, mais tolerante, foi assim que nasceu o meu sonho, o meu sonho impossível que se tornou possível!

Para espanto de todos tornei-me uma de vós. Recordo-me, como se fosse hoje... os comentários à minha decisão passavam pela incompreensão de me tornar "A professora dos deficientes". Tanto preconceito... tanta ignorância!
Mas é curioso... o Amor é um afeto altamente contagiante! A incompreensão dessa altura tornou hoje essas pessoas em verdadeiras forças no que concerne à luta pelos direitos dos "meus meninos especiais"!

E foi assim... que fui embora dessa pois tinha de concorrer... trazendo comigo todos os Andrés e todas as Marianas que outrora desconhecia.

E no ano seguinte... no ano seguinte concorri para uma escola onde havia uma vaga no ensino especial. Hoje reconheço que foi um ato de coragem, pois não tinha qualquer formação ou experiência nesta área, à exceção do caso do André e da Mariana. Todavia, foram eles que me deram a força!
E como não queria defraudar os meus futuros alunos (mesmo que nessa altura não fosse necessária qualquer formação) iniciei a minha especialização em ensino especial, tinha urgência de abraçar não só emocionalmente mas também cientificamente este mundo que um dia me assustou.

No ano seguinte... no ano seguinte... esperavam-me outros "meninos/jovens especiais", sem eu o saber "já estava escrito nas estrelas". Manuela Cunha Pereira

sábado, 21 de abril de 2012

De 0 a 20 ou de 20 a 0?

Eu partia do princípio que o aluno entrava na prova a valer 0 e, pouco a pouco, eu ia tentando ver o que sabia. Eu não tirava, acrescentava.

Creio que foi em 1960 que eu compreendi a diferença que havia entre classificar um aluno de 0 a 20 ou de 20 a 0. Eu explico-me.

Naquele ano, eu prestava serviço de exames num liceu do Porto e integrava um júri de provas orais do 5.º ano dos liceus. O 5.º ano que estava dividido em duas secções: a de Letras e a de Ciências. A secção de Letras tinha quatro disciplinas: Português, Francês, Inglês e História. Como a dispensa das provas orais só era possível com a média de 16 valores, a maioria dos alunos acabavam por ter de as realizar.

Ora, nessa manhã, tínhamos um caso interessante, o de um aluno que tinha dispensado em Ciências com 17 valores e que vinha à oral de Letras com 15 valores. Com uma nota fraca em Português, boas notas em línguas estrangeiras e uma classificação excecional em História: 19,6 - enfim, um 20! E era exatamente pela História que ele ia começar. O examinador, um professor de outra época à beira da reforma, antes de começar a sua interrogação, folheara a prova escrita, sorrira-se e passara-ma para a mão: 'Não foi o colega que corrigiu esta prova, pois não?' Perante a minha negativa, adiantou-se um pouco mais: 'Francamente, darem 20 valores a um aluno... Se quiser dar uma vista de olhos, talvez chegue à mesma conclusão a que eu cheguei.' Como eu era de História (embora estivesse a examinar Português), não achei estranha a sua sugestão. A prova pareceu-me impecável, pelo que não via razão para tanto espanto. Quando lhe ia dar a minha opinião, o presidente do júri chamou o dito aluno, pelo que não tive tempo de dizer o que pensava.

E começou o interrogatório: cerradíssimo, na busca dos pontos fracos do examinando. Quando lhe mandou escrever no quadro uma cronologia de reis, rainhas, príncipes e colaterais, convenci-me que estávamos perante um ato de terrorismo pedagógico... O aluno, evidentemente, ignorava alguns dos elos de linhagens tão ilustres e disse-o: 'Isso não sei, senhor doutor, nunca me ensinaram, nem encontrei nos livros por onde estudei.' O meu colega exultava: 'Ai, não sabe? Admira-me, para quem teve 20 valores...'

Foi nesse momento que eu percebi o que era um exame para esse professor (e para a maioria com os quais eu sempre contactara): um processo de inquirição, numa procura sistemática do erro. O aluno iniciava a prova em estado de graça, ou seja, a valer 20; a função do professor era ir descobrindo o que ele não sabia, a fim de ir descontando - uma espécie de expulsão do Paraíso daquele que pecou...

Com tudo isto a perturbar-me, tive de interrogar o candidato, em Português, no dia seguinte. De facto, aí, os seus conhecimentos eram diminutos, pelo que tive de o valorizar, de o reforçar, a fim de que ele se fosse aguentando na esfera das notas positivas. Quando acabei, o professor de História não se conteve: 'O colega é muito benevolente. Qualquer coisinha que ele dissesse, para si, já estava bem...' Sorri, comentei: 'Pois é, talvez seja porque não tenho a sua experiência...'. Pareceu-me hesitar na interpretação a dar às minhas palavras, mas nada mais acrescentou. Ele tinha razão: eu partia do princípio que o aluno entrava na prova a valer 0 (no caso presente, 8 valores) e, pouco a pouco, eu ia tentando ver o que sabia. Eu não tirava, acrescentava.

E não serão estes os dois modos de estar na vida, em que todos nós nos situamos? Talvez mais a 'descontar' do que a 'contar', talvez mais a 'julgar' do que a 'valorizar'. Talvez. Albano Estrela