Ninguém recusa a necessidade de promover mudanças substanciais no quotidiano das nossas escolas. Algumas mudanças podem ser dolorosas. No entanto, a dor, a angústia e a tensão vivida pelos docentes, ao longo destes últimos quatro anos, foi inútil.
Maria de Lurdes Rodrigues, a ministra da educação, está em final de mandato. Olhando, em retrospectiva, a obra de política educativa pela qual deu a cara parece assemelhar-se a um campo de pastoreio onde um inábil e sôfrego guardador de rebanhos foi ateando pequenos fogos que, a partir de um determinado momento, se transformaram num incêndio de proporções desmedidas. Um incêndio de uma grandeza tal que não é possível calcular o montante e o impacto real dos prejuízos que possa ter causado.
Ainda que sejamos obrigados a acreditar que tudo se renova, quanto mais não seja porque a desesperança é o pior dos males, somos obrigados, também, a interrogarmo-nos porque é que foi possível viver um tal pesadelo. Trata-se de uma reflexão obrigatória quanto mais não seja porque, no futuro, nos pode ajudar ou a precaver-nos de outras catástrofes idênticas ou a prever, de forma mais rigorosa, os seus contornos e o nosso contributo para as mesmas.
A deriva tecnocrática, sustentada por um voluntarismo insensato que uma maioria absoluta permitiu, é uma das imagens mais marcantes deste governo e deste ministério, sobretudo quando se compreende que tal deriva tecnocrática se transformou numa deriva autocrática. Uma deriva que é responsável pela reforma antecipada de tantos professores que pautaram a sua vida profissional pelo empenho e pela dedicação profissionais, publicamente reconhecidas. Uma deriva que está na origem, também, do profundo cansaço e desânimo que, hoje, se fazem sentir nos discursos dos docentes no activo, os quais se devem, em larga medida, quer à imposição de um programa de avaliação de desempenho que nada tem a ver com avaliação e com desempenho, quer devido à adopção de medidas políticas no domínio da administração e da gestão das escolas, através das quais se expressa tanto a desconfiança face aos modos de governação colegiais, como, subsequentemente, a valorização das atitudes de liderança autoritárias que, assim, são entendidas como uma solução a mobilizar para enfrentar os problemas com os quais se defrontam as escolas nos dias que correm. Parte-se do princípio que é a falta de autoridade nestes contextos que explica as eventuais insuficiências e vulnerabilidades das acções educativas que aí se promovem. Embora este raciocínio faça doer pela linearidade do mesmo, é em função dele que se sustenta a crença que faz depender a competência e a qualidade da acção profissional dos professores dos constrangimentos a que estes possam ser sujeitos pelos respectivos directores.
Ainda que ninguém possa recusar a necessidade de promover mudanças substanciais no quotidiano das nossas escolas ou possa deixar de reconhecer que estas mudanças serão sempre dolorosas, importa considerar, no entanto, que a dor, a angústia e a tensão vivida pelos professores, ao longo destes últimos quatro anos, foi inútil. Isto é, não se deveu, de facto, a um projecto de transformação das escolas suficientemente pertinente e credível, do ponto de vista da valorização de novas atitudes por parte dos docentes, de novas práticas pedagógicas ou de novos modos de relacionamento entre pares. Como a medida, recentemente anunciada, de tornar obrigatório o 12º ano de escolaridade o comprova, muita da governação a cargo da equipa liderada por Maria de Lurdes Rodrigues fez-se para ficar bem na fotografia, de forma a legitimar iniciativas, apaziguando alguns grupos de pressão que foram decisivos, pelo menos até dado momento, para que a ministra sobrevivesse incólume e, simultaneamente, tivesse cumprido a sua quota-parte no combate ao deficit, esse propósito já esquecido, em função do qual se justificou o processo de consolidação da lógica de mercantilização no âmbito da administração das instituições e dos serviços públicos. Só isto explica, aliás, a bonomia demagógica com que o Ministério da Educação não se distanciou da proposta do presidente da CONFAP quando este sugeriu a possibilidade das escolas passarem a estar abertas 12 horas, afirmando, por exemplo, que esta é uma questão que não lhe diz respeito.
Ainda que se possa parodiar a referida proposta, lembrando que se os alunos passando a estar tantas horas nas escolas deixa de fazer sentido haver associações de pais, porque, neste caso, os pais e as mães passam a ser os professores e os educadores que aí trabalhem, importa afirmar, finalmente, que esta é outra das razões que explica o mal-estar que grassa, hoje, entre os docentes. Um mal-estar que tem a ver com a ideia que esta equipa ministerial permitiu acalentar e acalentou, em função da qual a escola necessita de se afirmar como uma instituição de carácter social para poder cumprir o seu papel como instituição educativa. Uma proposta que, como todos adivinhamos, contribuirá, a prazo, para destruir a escola pública, sobretudo quando se hesita em compreender que uma escola cumpre as suas funções sociais, no momento em que cumprir as suas funções culturais e não no momento em que prescindir destas para poder responder àquelas.
Ariana Cosme
Rui Trindade
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