segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Biografia - D. Catarina de Bragança


É vulgar, em textos portugueses sobre a história de Portugal haver referências à rainha de Inglaterra, D. Catarina de Bragança, como alguém infeliz e desprezada pelo marido, o rei Carlos II. Repete-se constantemente que a filha de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão foi uma rainha que sofreu as maiores desconsiderações do marido, por este ter mantido diversas favoritas. Se é facto que isso aconteceu, também é importante frisar que eram os usos da época. Convém divulgar que Catarina introduziu, além do chá, diversas inovações na corte britânica. Conheça melhor esta rainha no ano em que passam 300 anos sobre a sua morte.

            Relendo obras portuguesas e estrangeiras sobre a sua vida, pode-se afirmar que D. Catarina de Bragança foi, como tantas infantas portuguesas, casadas com reis e imperadores estrangeiros, tão feliz como as outras, tendo em conta que os casamentos reais eram contratos, onde interesses políticos e económicos pesavam mais que os aspectos românticos. Amor no casamento era um «luxo» que muito raramente acontecia na vida dos monarcas e imperadores, e consequentemente das rainhas e imperatrizes e isso quer a Oriente quer a Ocidente. 
            Mesmo no séc. XX fomos testemunhas de como isso foi verdade, com o xá do Irão ou com o herdeiro do trono da Grã Bretanha (Eduardo VIII) e mesmo com Nerhu, que não sendo monarca foi obrigado a casar com quem os pais decidiram, já para não falar do actual príncipe de Gales que teve de casar com Diana por imposição familiar.
            Carlos II de Inglaterra dedicou grande parte da sua vida às favoritas, que se contam pela vintena, e muitas não foram nada simpáticas para com a rainha, mas D. Catarina, mas esta com o tempo ganhou uma sabedoria muito especial para lidar com elas. No cômputo geral, os 23 anos de casamento de D. Catarina de Bragança, não foi menos conseguido que o da maioria das princesas do seu tempo e a prova é que Carlos II, foi por diversas vezes instado a divorciar-se e não o fez. Não tinha motivos, afirmava, aos que o aconselhavam a dar esse passo. Disse-o mesmo em declarações públicas. À sua maneira, respeitou e amou a sua rainha. 
            Quando já viúva, Catarina de Bragança, regressou a Portugal foi alvo de grandes manifestações de júbilo tanto da parte dos portugueses como da comunidade inglesa. Em Inglaterra teve, à despedida, todas as honras prestadas a uma rainha, a que o povo da rua se solidarizou e trouxe no seu séquito ingleses e inglesas que permaneceram vários anos no nosso país e de quem D. Catarina era amiga. Afinal era já, nos costumes e hábitos adquiridos, mais inglesa, que portuguesa. Podemos perguntar, e se Catarina de Bragança tivesse casado com Luís XIV como esteve para acontecer, em 1659? Teria sido mais feliz? Teria a casta e ingénua Catarina, educada num convento, alheia à vida mundana sido mais feliz movimentando-se numa corte cheia de intrigas, futilidades e invejas, num perfeito vespeiro que foi a corte de Luís XIV, com o constante rodopio de favoritas onde as irmãs Mancini se movimentavam, e depois entre a perfídia da Montespan e a duvidosamente virtuosa madame de Maintenon? Temos quase a certeza, que Catarina de Bragança acabou por ter mais sorte ao casar com Carlos II de Inglaterra. Pelo menos ele tinha consideração por ela e jamais pensou em a repudiar apesar de lhe não ter dado um herdeiro, o que era, na época, igual ou pior que ter má conduta moral!
            Catarina de Bragança foi a quarta filha de D. Luísa de Gusmão (espanhola de nascimento) e do futuro rei D. João IV (1604-1656), o rei da Restauração. Tiveram sete filhos. Dois faleceram à nascença e dois já adultos, entre eles o herdeiro, D. Jaime. Dois filhos de D. João IV foram reis de Portugal, Afonso VI, afastado do trono por ser parcialmente paraplégico e por haver uma forte facção da corte que o não apoiou e seu irmão D. Pedro II, que viria a casar com a cunhada quando o casamento de D. Afonso foi declarado nulo, por se suspeitar que não tinha sido consumado, por incapacidade física do rei. Este rei deu origem a uma peça literário El Rei Pasmado, passado ao cinema com êxito. 
            Como por vezes acontece, numa irmandade de sete, a coroa acabaria na cabeça do mais novo. Das infantas, apenas sobreviveu D. Catarina, que nasceu no dia de Santa Catarina, a 25 de Novembro de 1638, em Vila Viçosa. Foi muito mimada em pequenina pela mãe e damas da corte e quando deixou de ser pequenina foi mandada educar num convento em Alcântara. D. João IV partiu de Vila Viçosa para Lisboa depois do triunfo de 1 de Dezembro de 1640, e o resto da corte, a rainha e filhos só chegaram à capital, no Natal. Tinha a princezinha apenas dois anos. D. Catarina terá aprendido no convento a rezar, a bordar, a ouvir e aprender os rudimentos de música e algumas generalidades sobre História. Não aprendeu francês, nem inglês e terá saído do convento, até casar, apenas meia dúzia de vezes. Os únicos homens com quem falou eram da família. Não estava de modo algum preparada para um casamento com um estrangeiro e menos ainda com um inglês. Se fosse com um espanhol como eram a maior parte dos casamentos entre os dois países, seria certamente mais fácil, dada a afinidade de cultura e religião.
            Apetecia dizer como na história da Carochinha: «Quem quer casar com a princezinha que é que é bonita e formozinha! Depois de ponderadas várias hipóteses de casamento, nomeadamente com D. João de Áustria, bastardo de Filipe IV, o Duque de Beaufort, neto de Henrique IV, a mãe, D. Luísa de Gusmão já viúva e regente, procurou o melhor casamento para a filha. A diplomacia ditava-lhe uma aliança com Inglaterra para cimentar a nova dinastia de Bragança, que substituía o período filipino e que ainda nem todos os países tinham reconhecido, bem como a Santa Sé. E assim se fez. Foi escolhido Carlos II de Inglaterra. O contrato de casamento levou o seu tempo, pois foi tratado ao pormenor. Neste caso, havia ainda um problema que era forçoso ultrapassar, o da diferença de religião, mas os conselheiros da rainha D. Luísa de Gusmão adoptaram o estratagema de realizarem o casamento em território inglês, de modo que o papa não pudesse interferir. Desde o tempo de Henrique VIII, que a Igreja Anglicana não obedecia a Roma. 
            Carlos II de Inglaterra, viu os retratos da noiva e gostou da cara e cabelos dela. D. Catarina tinha deslumbrantes cabelos pretos, olhos muito escuros e um ar doce. É certo que os retratos pintados naquelas épocas e com fins de casamentos nunca mostravam as imperfeições. Neste caso o noivo ficou sem saber a estatura da noiva, que era pequenina, roliça e com os dentes ligeiramente salientes, mas, mesmo assim, não seria por falta de beleza que Catarina não seria rainha de Inglaterra. 
            Tudo ficou preparado para receber a católica princesa portuguesa em Portsmouth. Havia ainda algo que raras princesas da época podiam oferecer a Carlos II – um dote irrecusável de dois milhões de cruzados, a praça de Tânger em África, e a pequena feitoria na ilha de Bombaim, na Índia – que no séc. XVII era um território pobre e pouco previsível vir a ter o imenso desenvolvimento que os ingleses lhe deram. Estas possessões portuguesas significavam muito para a Inglaterra, que sempre privilegiou os pontos estratégicos, em termos de comércio e de guerra, e que mereceram do conde de Clarendon, conselheiro de Carlos II, mais tarde Lord Chanceller, o seguinte comentário: «podiam razoavelmente avaliar-se em mais do que o dote em dinheiro». A quantia do dote foi difícil de conseguir, dado o país atravessar um período de quase penúria. A rainha foi a primeira a vender as suas jóias pessoais, que eram muito valiosas, pois D. Luísa de Gusmão foi provavelmente a rainha portuguesa que mais rico dote trouxe, quando casou. Pertencia à casa Medina Sidónia e era quase um reino dentro do reino de Espanha. Para completar o dote de D. Catarina foi necessário empenhar pratas, jóias e outros tesouros de conventos e igrejas. O Brasil também contribuiu, porque ainda era colónia. 
            Nas cláusulas do contrato de casamento o dote seria pago em mais do que uma vez, pois era difícil conseguir o montante combinado. Aqui, mais uma vez a diplomacia portuguesa prestou um bom serviço. Foi Francisco de Melo Furtado, mais tarde conde da Ponte e marquês de Sande, quem tratou do contrato de casamento, assinado em 23 de Junho de 1661 e que se revestiu de grandes dificuldades, dada a influência do embaixador da Espanha em Inglaterra, que não podia dizer pior do nosso país e do aspecto físico da princesa Catarina. Valia-nos o interesse de Luís XIV que apoiou o enlace, tendo oferecido a Carlos II, seu primo, 30.000 pistolas e durante todo o reinado apoiou-o monetariamente, por diversas vezes.
            Carlos II foi também rei de uma Restauração, a chamada Restauração de Monck. Nasceu em 29 de Maio de 1630. O pai, Carlos I, subiu ao trono, em 1628 e depois de um reinado conturbado foi executado, em 1649. À decapitação de Carlos I seguiu-se uma república ditatorial liderada por Oliver Cromwell, entre 1649 e 1659. (Cromwell faleceu em 1658). Carlos II viveu no exílio, na Holanda, de 1651 a 1660. Quando o Parlamento restaurou a monarquia e o proclamou rei, ainda ele se encontrava em Haia. No dia da coroação, ainda na Holanda, tinha na sala um amigo português, o ministro Francisco de Sousa Coutinho, e nesse dia o novo rei disse que a coroa inglesa estava grata a Portugal pelo apoio que lhe fora dado no período de incerteza e solidão. 
            Carlos II é triunfalmente recebido em Londres em 29 de Agosto de 1660 e coroado no dia de São Jorge, em 23 de Abril de 1661. Durante os anos de exílio, o jovem príncipe da casa dos Stuarts esteve em diversos países, viu cometer muitas injustiças por questões religiosas e provavelmente passou ater uma visão aberta quanto à liberdade de culto, que facilitou durante o seu reinado, começando por casar com uma princesa católica, se bem que o povo e a maioria do Parlamento a isso se opusesse. E relembramos que a mãe de Carlos II era católica - Henriqueta Maria de França, filha de Henrique IV e de sua segunda mulher, Maria de Médicis. 
            D. Catarina de Bragança já rainha, teve, por diversas vezes, que passar por intrigas e perigosas conspirações pelo facto de ser católica. Vivia-se na Europa um período tenebroso de lutas e intolerância religiosa. 
            Carlos II tinha uma cultura acima da média para a época (era versado em História e aprendera Matemáticas com o filósofo Thomas Hobbes). Carlos II, Rei de InglaterraO seu rol de amantes variavam desde as aristocratas de boa linhagem a comediantes de duvidoso estatuto social. Teve quinze bastardos. Um rei Ter amantes era vulgaríssimo, para não dizer generalizado, desde sempre, e as futuras consortes dos reis já sabiam, a priori, que assim era. E se muitos reis tinham favoritas apenas pelo prazer físico e o jogo da sedução, não pudemos esquecer a elevadíssima taxa de mortalidade infantil, que grassou praticamente em toda a Europa até finais do séc. XIX. Daí que filhos, bastardos ou não, eram bem-vindos. E quantos não foram reis? Carlos II, apesar de Catarina de Bragança não ter nunca conseguido levar avante nenhuma gravidez foi um marido atencioso e meigo, passem algumas humilhações que lhe terá feito passar. Mas isso foi apenas nos primeiros tempos. 
            Ser rainha pressupõe também uma preparação específica que a infanta portuguesa não tivera. Foi à sua custa que aprendeu. A jovem rainha D. Catarina também não teve sorte com as damas de companhia que lhe tinham escolhido. Eram senhoras aristocratas, é certo, mas algumas já viúvas eivadas de preconceitos, extremamente religiosas, ou quase beatas, que não serviam como conselheiras da jovem princesa naquela corte tão diferente da portuguesa. Catarina levou poucas damas de companhia jovens e com espírito alegre e arejado. Entre as damas que foram no seu séquito, por sugestão da França, que apoiou, sem reservas o enlace, encontrava-se Frances Teresa Stewart, educada em França, e que caiu nos braços de Carlos II, em 1663. Era considerada extremamente bela e viria mais tarde a ser duquesa de Richmond e Lennox, quando casou com o duque do mesmo nome. Mas a amante oficial de Carlos II era a condessa de Castlemaine, mais tarde duquesa de Cleveland (Barbara Villiers, depois, por casamento, Palmer, conhecida apenas por Lady Palmer.) Também se contavam entre as favoritas uma Lady Byron. 
            Carlos II tivera filhos ainda solteiro. O primeiro bastardo nasceu quando vivia na Holanda e contava apenas 16 anos. Seguiu-se outro filho de uma ligação com Lucy Walter, filho legitimado mais tarde e a quem foi dado o título de duque de Monmouth que viria a dar ao casal real, bastantes amarguras e sobressaltos. O rei terá escapado de atentados perpetrados por este filho que o quis tirar do trono, com o apoio de uma parte da Câmara dos Comuns que também não queria como rei o irmão Jaime, duque de Iorque. Enfim, eram as habituais intrigas da corte, muitas vezes sangrentas.
            Uma armada de vinte navios, comandada pelo conde de Sandwich, saiu de Lisboa, no meio de grandes festejos de despedida no rio Tejo. A infanta D. Catarina de Bragança embarcou no Royal Charles, que rumou a Portsmouth e onde chegou a 25 de Maio. O rei não a foi esperar, devido a qualquer assunto urgente de Estado ou para satisfazer o capricho da favorita, ciumenta com a proximidade do casamento. Receberam Catarina de Bragança o conde de Manchester e vários outros representantes do monarca. A infanta portuguesa ficou hospedada em King’s House, residência do governador da cidade. Porém, uma infecção na garganta vai retê-la no leito. Nessa altura alguém da corte, talvez o médico, sugeriu dar-lhe a beber um copo de cerveja, bebida já vulgar em Inglaterra. D. Catarina de Bragança, com a garganta a arder e com muita febre pediu em espanhol, uma chávena de chá, o que deve ter provocado uma enorme perturbação entre os presentes, pois o chá não era bebida conhecida na corte. O chá, hoje a bebida oficial do Reino Unido, foi, como sabemos, introduzida por esta nossa rainha na corte inglesa, já vamos saber como e quando. 
            O atencioso marido foi visitá-la, ainda convalescente, tendo o casamento tido lugar em 31 de Maio de 1662. O enlace foi uma cerimónia privada pelo rito católico e depois, para os convidados, pelo rito da Igreja Anglicana, como estava estipulado no contrato de casamento. Embora alguns escritores e cronistas ingleses, da época, se referissem à fealdade de Catarina, isso não passou de intriga e pura maledicência, pois Carlos II, que sabia apreciar o belo sexo e que recusara outras princesas europeias, nomeadamente duas de Parma, uma por ser como disse «demasiado feia e a irmã por ser demasiado gorda», também dizia: «detesto as alemãs e as princesas de países frios». D. Catarina, estava precisamente no meio. Era oriunda de um país temperado, morena, jovem e relativamente bonita de cara. Em carta a Clarendon, Carlos II, refere-se à sua esposa, nestes termos: «se não pode ser considerada uma grande beleza tem os olhos excelentes. A sua cara não repele e, se eu sei ser fisionomista, deve ter muita bondade. A sua conversa é agradável e tem boa voz. Já nos entendemos muito bem e julgo-me feliz». Carlos II, como vemos, desde logo, mostrou-se satisfeito com a sua mulher, embora a achasse muito pequenina. 
            D. Catarina amou o marido, desde o primeiro momento e até ao dia da sua morte, em 1685. Sobre o amor que Catarina dedicou ao marido fala-nos a inglesa, Margaret Campbell Barnes, na obra With All My Heart: the love story of Catherine of Braganza, Londres, 1951, e ali dá-nos uma visão positiva de um casamento real do séc. XVII europeu. 
            Os primeiros dias de casados foram passados em Hampton Court que estava luxuosamente mobilado e decorado. D. Catarina também levou móveis, entre eles preciosos contadores indo-portugueses que nunca tinham sido vistos em Inglaterra.
            Quando D. Catarina iniciou a sua vida de rainha, o rei, que tinha como favorita Barbara Palmer, de quem teve seis filhos pressionou-a para escolher Barbara como dama da corte. A rainha começou por recusar, e foi com muita relutância que aceitou. Ficou famosa a sua frase: «O rei pode fazer o que lhe aprouver, mas não com o meu consentimento», o que prova que a sua bondade não era ilimitada. 
            As damas de companhia que a infanta portuguesa levou de Portugal eram motivo de troça na corte inglesa. Usavam trajes antiquados eram extremamente sisudas. Foi a camareira-mor, a inglesa condessa de Suffolk e o mordomo-mor, também inglês quem aconselharam a rainha Catarina a «desculpar» o comportamento do rei. Foi uma adaptação difícil, mas com o tempo a rainha a tudo se habituou e chegou a proteger os bastardos do marido e a suportar a presença das favoritas. 
            D. Catarina aderiu à moda de vestir inglesa o que a beneficiava e que era copiada da corte francesa, que, com Luís XIV, marcava a Europa inteira. Muitas rendas, tecidos de sedas que vinham de longe, sapatos sempre a condizer com o a cor do vestido, cabeleiras, jóias e colares de pérolas enormes. Os homens usavam caprichosas cabeleiras cuidadosamente tratadas (em Inglaterra, as cabeleiras não eram de cabelo natural como em França, devido ao perigo de doenças de pessoas mortas, eram artificiais).
            D. Catarina, infanta de Portugal, o tal país que os detractores diziam ser paupérrimo e com uma corte sem maneiras, introduziu inovações na corte inglesa, e não apenas o hábito de se tomar chá. Uma das primeiras inovações tem a ver com a estranheza que a rainha demonstrou ao ser servida, às refeições em pratos de ouro ou prata. Os alimentos estavam sempre frios e a rainha terá perguntado porque se não usavam pratos de porcelana, algo que na corte portuguesa já se usava há muitos anos. Não sabemos se demorou muito tempo a efectuar-se essa importante mudança na baixela, mas acreditamos, que Carlos II terá mandado substituí-los. A primeira fábrica de porcelana inglesa só foi fundada, em 1743, em Chelsea, e a de Worcester em 1751. 
            A infanta portuguesa também se deslocou para Inglaterra com uma orquestra composta de músicos portugueses, o que era um sintoma de civilidade e cultura. Se não formos nós portugueses a fazer referência a estes pormenores, eles ficam esquecidos na História Universal, normalmente feita por homens e que pouco valor dão aos pormenores que marcam a diferença. 
            As cartas entre mãe e filha eram constantes. A rainha D. Luísa de Gusmão ainda a filha estava no alto mar já lhe enviava palavras repassadas de saudades, assim: « My Catalina de mis ojos yo se sentir las saudades q declararlas no se sy esto effecto dellas sy medio para no deslicirlas mas espero deverte el conocimiento do q te amo y q me es mayor verdugo que la soledad cõ q me dexas (...) ». Como vemos é uma carta repassada de ternura onde se misturam as saudades lusitanas e «la soledad» espanhola. Era também em espanhol que D. Catarina comunicava com o seu marido, antes de dominar a nova língua, que começou a aprender em Portugal logo após o contrato de casamento. Mas sabe-se que teve alguma dificuldade com o inglês.
            O reinado de Carlos II não foi fácil. O Parlamento tinha um poder imenso que lhe vinha do facto de ser ele a acordar ou negar apoio financeiro a todas as propostas do rei. Mais tarde, como o herdeiro tardava a chegar a Câmara dos Comuns pressionou o rei para se divorciar de Catarina de Bragança podendo invocar dois motivos de peso - a esterilidade e o facto de ser católica, num país protestante. Todos os métodos foram usados para a afastar. Houve mesmo quem falasse com o confessor da rainha para este a convencer a entrar para um convento e assim o rei poder divorciar-se para casar com outra princesa que lhe pudesse dar um filho., porém D. Catarina respondeu «nunca me separarei do homem que amo». A própria cunhada, Henriqueta Ana, de quem Catarina muito gostava (era casada com Filipe de Orleães, irmão de Luís XIV) foi induzida a convencer Catarina a divorciar-se, mas Henriqueta de Orleães recusou fazê-lo. O Parlamento chegou a oferecer ao rei uma importância de 500 000 libras caso aceitasse divorciar-se, mas Carlos II, mesmo com pouca disponibilidade de fundos não se deixou convencer. Sempre firme argumentava que não tinha qualquer censura a fazer à sua rainha, que era muito bondosa. 
            E pudemos perguntar: Se Catarina de Bragança fosse assim tão infeliz como afirmaram alguns autores, teria pura e simplesmente aceitado o divórcio e regressado a Portugal. Ela não quis. 
            Porém, a rainha ainda teve de passar por mais provações, estas não da parte do rei. Em 1678, surgiu a chamada Conspiração Papista, em que a rainha foi formalmente acusada no Parlamento, por um ex-jesuíta depois padre protestante, ligado a grupos muito dissolutos, Titus Oates, de estar por detrás de uma conspiração para matar o rei. Foram perseguidos e mortos muitos católicos. O rei tudo ouviu e nunca duvidou da lealdade de D. Catarina, que, nestas ocasiões se refugiava na capela a rezar a Nossa Senhora da Conceição (escolhida para padroeira de Portugal por seu pai em 25 de Março de 1646). O próprio azeite que iluminava a lamparina da imagem era-lhe enviado de Portugal. 
            Segundo os biógrafos de Carlos II, passadas as tormentas políticas e desfeitos os equívocos, o casal real passeava de mãos dadas pelos palácios. Residiam de Verão em Windsor e passavam o Inverno em Whitehall, com atitudes de dois apaixonados. Iam ver os barcos e o mar em Richmond, de que ambos tanto gostavam. Um dos primeiros navios saídos dos estaleiros ingleses, logo após o casamento, teve o nome da rainha, por escolha do rei. Mais tarde, durante as lutas entre a Holanda e a Inglaterra, Catarina fez questão de oferecer à esquadra de Carlos II, uma fragata, paga por si, com o significativo nome de Saudades. Como vemos isto é uma atitude de uma rainha perfeitamente respeitada e integrada na sociedade inglesa. 
            D. Catarina teve, nos momentos de crise, da parte do conde de Castelo-Melhor um grande aliado. O conde tinha sido banido de Portugal por ter conspirado contra a rainha viúva Luísa de Gusmão por causa dos filhos Afonso e Pedro e as facções da corte, mas, em Inglaterra, Castelo-Melhor foi um fiel servidor da infanta portuguesa. Mais tarde também o marquês de Arronches iria proteger Catarina, durante a ofensiva de Oates na Conspiração Papista. Em 1661 o casal real muda de Whitehall para Windsor. Em 1665 houve uma terrível peste em Londres, tendo a corte mudado para Hampton Court e depois para Oxford. Na corte inglesa, apesar de algumas convulsões políticas, internas e duas guerras com a Holanda, havia tempo para a alegria de viver. Havia jogos em que toda a corte participava, bailes constantes e muito teatro. D. Catarina tímida, de início refugiava-se na capela. Depois, triste por ver o seu marido rodopiar nos salões com outras damas, também aprendeu a dançar, o que passou a fazer muito bem. O aniversário do seu nascimento era festejado com um grande baile, um banquete requintado e muito fogo de artifício lançado das margens sobre o Tamisa. 
            Segundo o embaixador francês na corte inglesa, de 1661 a 1665 havia bailes e teatro com grande frequência e durante o dia. O rei ocupava o seu tempo «junto da rainha ou de Lady Castlemaine». Nos bailes do palácio a corte intriguista interrogava-se: «Será que o rei hoje vem com a portuguesa?» 
            Carlos II, além de grande caçador, gostava de corridas de cavalos, jogava bem ténis e tinha uma perfeita loucura por cães, que levava para a cama. Era vulgar rodear-se de mais de quinze caninos e era visto regularmente a passear-se com a sua matilha entre Knightsbridge e St. James. 
            D. Catarina de Bragança tentou impor na corte as saias mais curtas, onde se pudessem ver os seus pés delicados, mas as damas da velha Albion, de pés grandes, não a seguiram. Outra inovação introduzida por Catarina foi a substituição da máscara de passeio em seda negra pelos leques, numa perfeita herança espanhola de sua mãe, D. Luísa de Gusmão.
            O duque de Iorque, segundo irmão de Carlos II casou, em primeiras núpcias com Ana, filha de Lorde Chanceler. Tendo enviuvado casou com a muito jovem e católica princesa italiana, Maria Beatriz de Modena e passou também ele a professar a religião católica. A corte mostrou-se extremamente fria com a nova princesa, e foi a rainha Catarina quem a recebeu com muito afecto e mandou vir uma companhia de ópera expressamente de Itália, para comemorar o facto e para lhe agradar. Foi esta a primeira vez que uma ópera italiana foi ouvida em Inglaterra. A rainha discreta sabia, com muita diplomacia, mostrar que também tinha poder na corte. 
            D. Catarina de Bragança é uma das infantas portuguesas de quem há mais iconografia. Foi pintada por inúmeros pintores, desde o miniaturista Samuel Cooper, que nos deixou aguarelas, passando por Peter Lely, o pintor oficial da corte de Carlos II, que nos legou mais de meio milhar de obras, mas, quem melhor imprimiu na tela a «verdadeira» infanta portuguesa Catarina de Bragança, rainha de Inglaterra, foi Huyssman, pintor que além de admirar a rainha, era católico e a imortalizou em dois retratos muito ao gosto dela. Um, onde Catarina está com o cordeiro pascal e um Cupido, numa alegoria misto de religiosa e profana onde se faz a apologia do amor. Foi assim representada a rainha num quadro como pastora e noutro onde Catarina está representada como Santa Catarina. Também o pintor francês Henry Gascar a retratou em belas composições.
            Sem dúvida que o primeiro chá bebido na corte inglesa por D. Catarina de Bragança lhe terá sido enviado de Lisboa vindo da China via Macau, primeiro entreposto comercial entre o Ocidente e o Oriente (desde 1557). Ela não o levou na sua bagagem como aparece escrito em todo o lado, erradamente. 
            Sobre a história do chá uma das primeiras referências encontra-se na obra de Giani Battista Ramusio em Delle Navigationi et Viaggi, 1559 e segundo as enciclopédias britânicas, o chá terá sido introduzido em Inglaterra em 1579 por Christopher Borough depois de uma expedição à Pérsia, mas só se generalizou por volta de 1660. 
            Porque é importante saber a história verdadeira da introdução do chá na corte britânica, procurámos textos que nos provaram que o chá começou a ser bebido, naquela ilha, nas camadas baixas da sociedade, não na camada mais pobre, mas sim por homens e mulheres vendedores de produtos alimentares e outros que se levantavam de madrugada para abastecer a grande cidade. Na ausência de alimentos, bebiam chá, que não passava de água quente, preparada, sem grande cuidado com umas folhas de má qualidade de chá, ou moído, para enganar a fome. 
            A palavra chá entrou na língua portuguesa através «da forma fonética da língua mandarínica e do dialecto de Cantão e passou a várias línguas como o espanhol (arcaico), o grego e línguas eslavas. A palavra «tê» do dialecto Amoy e de Fun-Kien foi adoptado pelas línguas espanhola, francesa, inglesa, alemã e grego moderno (tem as duas formas)». É curioso notar, que ainda hoje, nas camadas populares de certas regiões da Grã Bretanha se diz «tchá», como em Liverpool. 
            A rainha Catarina terá ensinado a preparar o chá e a bebê-lo acompanhado de bolos. E passou a ser preparado em bules de porcelana. Pensa-se que a princesa portuguesa, ou alguma dama da sua comitiva, terá levado para a corte inglesa a receita do doce de laranja, preparado na zona de Vila Viçosa, onde este fruto abunda. A verdade é que o termo «marmalade» é a palavra portuguesa «marmelada», que é confeccionada com marmelo, fruto que não era conhecido em Inglaterra. A «marmalade» inglesa é doce de laranja. A «marmelada» portuguesa entrou em Inglaterra em 1495 «In fact, marmalade did first arrive thus in England from Portugal and before long also from Spain and Italy, where the Portuguese term for the confection was like wise (sic.) adopted». Quanto ao chá eram principalmente os ingleses e holandeses que o comerciavam na Europa. 
            Uma das amantes do rei que mais humilhações causou a D. Catarina de Bragança foi Luísa de Kéroualle, que era também a ponte de informações políticas entre a Inglaterra e a França. Teve um filho e uma filha do rei e mais tarde foi-lhe dado o título de duquesa de Portsmouth. «Mulher de grande beleza, mas enormemente viciosa e voraz», segundo um autor da época. 
            Quando a rainha, embora dócil e serena, «perdia a paciência» com as favoritas do marido, ia para o palácio de Somerset-House, onde passeava muito a pé e fazia por esquecer os desgostos. Estava perto do rio e da capela e essa solidão acalmava-a. Uma das actividades a que D. Catarina de Bragança deu particular atenção foi exercitar-se no tiro ao alvo e viria a ser nomeada protectora da Corporação dos Archeiros de Londres. 
            No Novo Mundo, a cidade de Nova Amsterdão, fundada por holandeses, em 1626, foi conquistada pelo duque de Iorque, irmão de Carlos II e passou, em 1664, a denominar-se Nova Iorque. As áreas próximas da cidade passaram a King’s Country e Queens Country. (Nova Iorque só passou definitivamente para a posse de Inglaterra, em 1674). 
            Em 1998 esteve programada a inauguração, em Queens de uma estátua monumental à rainha Catarina. A iniciativa da construção da uma estátua partiu da associação Friends of Queen Catherina e contou com o apoio de várias entidades portuguesas, públicas e privadas. Previa-se uma festa com pompa e circunstância, o que não aconteceu, porque houve movimentos cívicos norte-americanos que se opuseram, alegando que a rainha D. Catarina de Bragança fora «a responsável» pela introdução de mão-de-obra negra, ida de África, nas então colónias inglesas. Enfim, nada como pôr as culpas aos mais fracos. Que puder tinha D. Catarina para tal? Essa decisão coube ao rei e aos seus conselheiros. 
            Normalmente o cidadão comum não sabe exactamente o que é um anacronismo, isto é não sabe que se não pode ver uma época com a mentalidade que se tem no presente. A escravatura era algo, que era aceite na época, passe tudo o que isso hoje nos possa repugnar. Daí que D. Catarina ficou com a estátua arrumada num armazém. E não se fala de nada porque não é politicamente correcto. 
            Pessoalmente espero que um dia a tragam para Portugal. Fica cá muito bem e há tão poucas mulheres na estatuária urbana! Talvez em Vila Viçosa, onde a infanta portuguesa nasceu. 
            A autora da estátua, Audrey Flack talvez gostasse de ver a sua obra exposta, até porque é uma escultura extremamente bela. D. Catarina é mostrada como uma rainha jovem de cabelos encaracolados, bonita e com uma bola de vidro ( o mundo) na mão esquerda.
            À corte de Carlos II e Catarina de Bragança chegavam grandes pintores como Rafael e Ticiano entre outros e Luís XIV enviou para a corte inglesa arquitectos, paisagistas e grandes gravadores. O reinado de Carlos II saldou-se por um período de grande incremento cultural e protecção das artes e ciências. O rei tinha o seu laboratório onde gostava de fazer experiências químicas. Vários palácios foram recuperados. O palácio de Windsor sofreu grandes beneficiações, e Winchester dizia-se ser parecido com Versalhes. Foi reorganizada a Marinha, fundou-se, em 1662 a Royal Society, foi criado o Royal Observatory of Greenwich e a Mathematical School at Christ’s Hospital e, em termos de legislação, foi promulgada a lei do Habeas Corpus, em 1679. 
            Quando D. Catarina e D. Carlos II viviam já uma vida de mais tranquilidade e harmonioza, e o rei reduzira a sua constante mudança de favoritas, começou a ter problemas de saúde. Nunca se soube exactamente o que o vitimou a 6 de Fevereiro de 1685, com cinquenta e cinco anos. Várias teorias foram avançadas, uma, que não foi excluída, foi o perigo a que o rei se expusera ao fazer experiências químicas e ao manipular matérias como o mercúrio, no seu laboratório. Como sempre, levantaram-se suspeitas de envenenamento e o rei foi autopsiado, mas nada ficou provado. Teve numa primeira fase uma paralisia facial, piorou, mas esteve lúcido até ao fim, tendo mesmo recomendado que se não esquecessem de dar corda a um determinado relógio. Curioso, que se verificou que só com os reis de quem o povo gosta é que se levantam suspeitas de envenenamento. É sempre difícil aceitar a morte de quem se ama. 
            Carlos II despediu-se dos filhos bastardos, tendo pedido ao irmão e sucessor no trono que os protegesse, bem como às ex-amantes. A rainha D. Catarina passou os piores dias da sua vida, ao ver o homem que amava piorar de dia para dia. Chorou muito a ponto de não conseguir entrar no quarto do marido. Pediu a alguém que transmitisse ao rei que ela lhe pedia perdão se involuntariamente o tinha feito sofrer e Carlos II terá dito: «Ai de mim. Pobre mulher. Pedir-me perdão. Eu é que lhe peço perdão de todo o coração». D. Catarina tudo perdoou e chorou amargamente a perda do homem que amara com respeito durante 23 anos. 
            O funeral foi de noite, apenas para os mais íntimos, no dia 14 do mesmo mês, por causa das eternas guerras das religiões. O caixão de Carlos II ficou na Abadia de Westminster onde depois se procedeu às cerimónias fúnebres. O rei no seu leito de morte, como era desejo da mulher e do duque de Iorque converteu-se ao catolicismo e comungou. Alguém disse deste rei que foi «Príncipe de muitas virtudes e muitas imperfeições».
            D. Catarina ainda ficou no seu país de adopção mais nove anos. Viveu oito anos em Whitehall e depois foi residir para Somerset House. Viu subir ao trono o cunhado, Jaime II, com quem se dava muito bem, mas que foi deposto, em 1688, pelo genro Guilherme de Orange, que subiu ao trono com o título de Guilherme III. Este rei como era protestante, embora tratasse a rainha viúva com respeito, mandou reduzir a sua criadagem e D. Catarina passou a ser olhada com desconfiança, pois era, agora, a única católica da corte. E assim a rainha viúva passou a viver recolhida escrevendo cartas constantes ao irmão e rei de Portugal, D. Pedro II, pedindo-lhe para regressar. 
            Chegou finalmente o dia do regresso à pátria. A rainha D. Catarina de Bragança, saiu, em finais de 1692, de Somerset-House acompanhada por uma comitiva de cento e vinte pessoas e chegou a Portugal no início de 1693. A viagem foi longa e demorada e Luís XIV convidou-a para descansar da viagem e fazer uma estada em França. A rainha viúva declinou o convite que a sensibilizou muito. À passagem por Espanha (país da mãe) teve manifestações de simpatia. A sua chegada a Portugal foi festejada com verdadeiro júbilo, em todo o percurso até Lisboa. Aqui as festas da sua chegada duraram três dias. D. Catarina residiu em diversos palácios, hábito que trouxe de Inglaterra. Teve como primeira morada o palácio de Alcântara, passou para o dos condes de Redondo, depois residiu na Penha de França, no palácio dos condes de Soure e ainda no palácio de Belém, dos condes de Aveiras, até que acabou os seus dias no palácio que mandou construir - Palácio da Bemposta - no último dia do ano de 1705. Até morrer recebeu uma pensão que lhe era enviada por paquetes ingleses, datando dessa data uma carreira regular entre os dois países. 
            Por impedimento do rei de Portugal D. Pedro II, Catarina de Bragança foi por duas vezes regente. Antes de morrer quis voltar a Vila Viçosa, o que aconteceu, em Fevereiro de 1699. 
            Dela disse a escritora Lillias Campbell Davidson, «She was one of the best and purest women who ever shared the throne of England». E Hamilton diria desta rainha portuguesa «It was a sensible woman and devoted all her energies to pleasing the King by those services which were least painful to her tender feeling (...) » . 
            Em 1914 os seus restos mortais foram transladados do Mosteiro dos Jerónimos para S. Vicente de Fora. 

Notícia retirada daqui

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