sábado, 23 de setembro de 2017

Notícia - Buracos Negros - Um enigma colossal

Como se formaram os buracos negros?

Imensos sorvedouros cósmicos que engolem tudo o que encontram pelo caminho, os buracos negros ainda ocultam inúmeros mistérios no seu interior. Esta é a sua história.

Há 100 milhões de anos, três estrelas ligadas entre si por ondas gravitacionais viajavam pelo cálido centro da nossa galáxia. Nessa altura, aconteceu algo que mudou para sempre o seu destino: o sistema triplo passou demasiado perto do enorme buraco negro que ocupa o centro da Via Láctea. O monstro cósmico capturou uma das estrelas e lançou as outras duas a mais de 2,5 milhões de quilómetros por hora, isto é, a uma velocidade três vezes maior do que aquela a que o Sol viaja em redor do centro da Via Láctea e duas vezes superior à velocidade da nossa galáxia. No caminho, os dois astros fundiram-se e deram origem a uma abrasadora estrela azul que ainda hoje, já longe da nossa grande cidade cósmica, se distancia à velocidade de um enfarte fulminante.

Isto é o que os astrónomos supõem que se passou com o objecto designado por “HE 0437-5439”, um dos mais velozes jamais detectados. Desde 2005, já foram descobertos 16 destes astros à Speedy Gonzalez, exilados à força da nossa galáxia: a teoria defende que o gigantesco buraco negro central expulse uma estrela para o espaço intergaláctico a cada cem mil anos. Todavia, aquilo que torna este caso especial é que foi possível estabelecer, em Junho passado, a sua trajectória, a qual parte, precisamente, do centro da Via Láctea.

Curiosamente, um mês antes, a revista Month­ly Notices of the Royal Astronomical Society anunciava que fora possível, graças ao telescópio espacial Chandra, de raios X, observar o que poderá ser um buraco negro de grande massa expulso da sua galáxia. Segundo a autora da descoberta, Marianne Heida, da Universidade de Utrecht (Países Baixos), existe a possibilidade de estarmos diante de um caso semelhante, só que desta vez a união se registava entre dois buracos negros.

Os mistérios que rodeiam os invisíveis objectos celestes são inúmeros, mas os astrónomos consideram que vão conseguir encontrar resposta para muitos dentro de uma década, com o lançamento do maior telescópio de raios X desenvolvido até agora: o IXO, concebido em conjunto pela ESA, pela NASA e pela JAXA (a agência espacial nipónica). Entretanto, o trabalho preparatório fica a cargo do eROSITA, uma sonda russa e alemã que será lançada no espaço já em 2012. O objectivo é procurar buracos negros de grande massa que se formaram quando o universo era jovem, antes do aparecimento das primeiras estrelas. Os astrónomos esperam localizar cerca de três milhões, o que irá seguramente lançar luz sobre um dos maiores mistérios da astronomia moderna: como surgiram semelhantes objectos, cuja massa equivale a vários milhões de sóis?

Incógnitas a desvendar

Além desses colossos situados no centro das galáxias, há outros bastante mais pequenos, com apenas algumas dezenas de vezes a massa do Sol. Destes, em contrapartida, conhecemos a origem: quando uma estrela de grande massa (mais de 20 massas solares) chega ao fim dos seus dias, transforma-se numa supernova e explode; adquire tanto brilho como todas as estrelas da galáxia juntas. Por detrás da supernova, fica um buraco negro.

Claro que as coisas nem sempre acontecem do mesmo modo. Em Agosto de 2010, uma equipa de astrónomos europeus descobria, no cúmulo Westerlund 1, situado a 16 mil anos-luz, a CXO J164710.2-455216, uma estrela de neutrões com um campo magnético extraordinariamente intenso (um milhão de milhões de vezes superior ao da Terra). Era o que restava de uma estrela que tinha 40 vezes a massa solar, embora a teoria estipule que não devia ter acontecido: o seu destino era transformar-se num buraco negro. A única explicação aceitável é que deve ter partilhado a existência com uma estrela-companheira que se dedicou a roubar-lhe grande quantidade de matéria. No final, a explosão da supernova projectou-a para longe. Tal como afirmou o principal responsável pelo estudo, Simon Clark, “trata-se do grande programa dietético para estrelas extragordas, pois elimina mais de 95 por cento da massa inicial”.

Vagabundos e vândalos

Existe ainda um terceiro tipo de buracos negros, também conhecidos por “vagabundos”. Segundo os astrónomos Ryan O’Leary e Avi Loeb, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, há centenas deles a errar pela nossa galáxia e apostados em arrasar tudo o que encontram pelo caminho. Felizmente para nós, o mais próximo está a vários milhares de anos-luz. Com uma massa que poderá alcançar entre mil e cem mil sóis, os “vagabundos” movimentam-se pelos bairros mais periféricos do centro da Via Láctea. São autênticos vestígios de um passado remoto, quando a nossa galáxia se formou a partir de uniões e colisões de outras menores, num processo que pode ter-se prolongado por milhares de milhões de anos. Quando duas protogaláxias se fundiam, os seus buracos negros faziam o mesmo, dando origem às relíquias que hoje podemos observar. O seu estudo irá proporcionar-nos muita informação sobre o que aconteceu e constitui um verdadeiro desafio para os astrónomos, pois são difíceis de observar: só se tornam visíveis quando capturam (acrescentam) matéria interestelar que se aproxima.

Por sua vez, os físicos teóricos encontram nos buracos negros uma fonte quase inesgotável de possibilidades para desenvolver as noções mais extravagantes. Por exemplo, na edição de Outubro da revista Physics Letters B, o físico polaco Nikodem Poplawski explica o modo como todo um universo pode existir dentro de um buraco negro. Baseou-se, para isso, numa versão da teoria que prevê a existência dos buracos negros, a relatividade geral de Albert Einstein. Conhecida como “teo­ria da gravidade de Einstein-Cartan-Kibble-Sciama”, introduz nas primitivas equações do génio alemão uma propriedade das partículas sub­atómicas designada por spin: implica, essencialmente, admitir que as partículas rodam sobre si mesmas, como a Terra.

A teoria estabelece que, ao fazê-lo, consegue deter-se o colapso gravitacional que dá origem ao buraco negro e forma-se um novo espaço-tempo no seu interior. Deste modo, surge um novo universo-filho ligado ao universo-pai através de um cordão umbilical designado por “ponte de Einstein-Rosen” ou “buraco de verme”. A passagem da matéria através do buraco é feita apenas num sentido, não em ambas as direcções. Na opinião de Poplawski, o facto explica um dos enigmas mais extraordinários do universo: os gamma-ray bursts (GRB, na sigla inglesa), as explosões mais violentas do cosmos, apenas ultrapassadas pelo Big Bang.

Dimensão desconhecida

De acordo com este físico teórico, os GRB seriam descargas de matérias provenientes de cosmos ligados ao nosso através dos referidos buracos de verme. “Parece uma ideia louca, mas quem sabe?”, interroga. Contudo, que o nosso universo seja o interior de um buraco negro existente noutro universo não é uma ideia nova. Porém, como assinala Damien Easson, outro físico teórico da Universidade do Estado do Arizona, “a novidade é que ele encontrou uma solução real, um buraco de verme que funciona como passagem do exterior de um buraco negro para o interior de um universo”.

Como se isto fosse pouco, os buracos negros também podem ajudar a demonstrar se existem mais dimensões espaciais para além das quatro conhecidas: três espaciais (altura, largura e comprimento) e o tempo. De facto, os físicos teóricos defendem que podemos estar a viver num mundo com dez dimensões, seis das quais estão ocultas. Em Fevereiro passado, durante uma reunião da American Physical Society, Amitai Bin-Nun, uma astrofísica da Universidade da Pensilvânia, propôs uma forma de comprovar se o nosso universo possui mesmo essas dimensões suplementares. Assim, simulou em computador o modo como se alteraria o brilho de uma estrela que passasse suficientemente perto do enorme buraco negro que se encontra no centro da galáxia.

Os resultados mostram que a transformação no brilho da estrela ao longo de dez anos, devido ao efeito da gravidade do buraco negro, depende do número de dimensões do nosso universo: durante a época de maior brilho, a estrela irá parecer 44% mais resplandecente se tiver cinco dimensões do que se tiver quatro. Infelizmente, é impossível confirmar por enquanto as ideias de Bin-Nun, mas ela acredita que poderá fazê-lo já na próxima década, quando entrar em funcionamento o ELT (sigla inglesa de Telescópio Extremamente Grande), com um espelho de 42 metros.

Como é o espaço em que vivemos?

A teoria geral da relatividade que Albert Einstein apresentou ao mundo, em 1915, explicava o que é a gravidade: um efeito da existência da matéria (e da energia) no universo, de modo que a sua presença modifica a estrutura do espaço-tempo. Podemos visualizar o fenómeno se imaginarmos que o cosmos é como uma cama elástica. Se não houver nada em cima dela (matéria), a sua forma (geo­metria) é totalmente plana, sem deformações. Porém, se colocarmos uma esfera de ferro maciço (uma estrela), a superfície fica deformada devido à presença de uma massa. Ao lançarmos um berlinde (um planeta, uma sonda espacial), veremos que se desloca em linha recta até encontrar a deformação criada pela esfera. Nessa altura, cairá na sua direcção, ou descreverá uma trajectória curva em seu redor, orbitando em torno da massa central. É óbvio que quanto maior for a massa de uma estrela maior será a deformação ou distorção do espaço-tempo e, por conseguinte, maior será a força da gravidade. Será que a deformação se pode forçar ao máximo? Sim: é um buraco negro, uma depressão cavada na tela do nosso espaço-tempo.


M.A.S.
SUPER 152 

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