sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O mapa educativo do país não é todo igual


O abandono escolar diminui, a escolarização aumenta, o sucesso dos alunos sobe, mas o fosso territorial agrava-se. Os professores dos quadros preferem escolas das áreas metropolitanas e do litoral norte e centro, as famílias procuram escolas com bons desempenhos. A autonomia das escolas é considerada “uma quimera” e há guetos nos locais de aprendizagem. O mais recente Atlas da Educação mostra um país a várias velocidades.

O Atlas da Educação 2017 – Contextos Sociais e Locais do Sucesso e Insucesso, coordenado por David Justino e Rui Santos, numa iniciativa da associação EPIS – Empresários Pela Inclusão Social que mantém uma parceria com o centro de investigação CICS.NOVA – Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, olha para o país sob diversas perspetivas e continua a analisar o insucesso escolar. A escolarização da população aumentou e a desigualdade de género esbateu-se, embora os rapazes, sobretudo nos espaços menos urbanizados, continuem a revelar menor propensão do que as raparigas para prosseguirem os estudos. Em termos educativos, Portugal continua desigual em alguns aspetos e as variáveis organizacionais, como a dimensão das turmas, não têm assim tanto peso nas aprendizagens.

O mapa não é homogéneo, as desigualdades espaciais aumentaram, o fosso territorial acentuou-se. Há mais escolarização nas áreas metropolitanas, nas cidades capitais de distrito, e nas áreas litorais com maior densidade urbana. Há, contudo, uma grande diferenciação territorial: o litoral centro e norte destaca-se por níveis mais elevados de sucesso na transição de ano ou na conclusão de ciclo no Ensino Básico e, por outro lado, verifica-se baixo sucesso logo nos ciclos iniciais de escolaridade sobretudo no interior e no Sul do país. Mesmo assim, há escolas que contrariam os baixos indicadores socioeconómicos e as estimativas de resultados e que estão situadas nas periferias das grandes cidades. Ou seja, apesar dos contextos socialmente desfavoráveis, há escolas com bons desempenhos escolares que contrariam expectativas. 

A taxa de abandono escolar registou uma queda significativa durante a década de 90 do século passado, mas, nessa altura, esse valor ainda rondava os 12%. À entrada do século XXI, esse abandono andava pelos 2,8% e em 2011 estava em 1,7%. “Ambos os sexos acompanharam o movimento geral, sem grandes diferenças, apenas com uma ligeira dessimcronia: durante os anos 90, a redução do abandono foi ligeiramente mais acentuada entre as raparigas, recuperando depois os rapazes na década seguinte”, lê-se no mais recente Atlas da Educação.

Professores preferem áreas urbanas 
Quanto aos professores, não há indicadores que permitam avaliar a qualidade do corpo docente, mas sim a sua experiência. E quanto mais se avança nos níveis de ensino, maior é a concentração de professores do quadro nas áreas metropolitanas e na faixa litoral a norte do Tejo. No 1.º Ciclo, por exemplo, os docentes do quadro mais jovens tendem a concentrar-se nas áreas mais urbanizadas, enquanto nas zonas rurais predominam os docentes com mais idade e tempo de serviço “ancorados em contextos locais que não propiciam a renovação”. No 3.º Ciclo e no Secundário, os professores do quadro mais experientes tendem a concentrar-se nas áreas metropolitanas e na faixa litoral. “O mesmo padrão domina a distribuição espacial dos professores contratados, no que respeita ao seu tempo de serviço”, refere-se. 

Verifica-se, deste modo, “um duplo efeito de discriminação das escolas”. Por um lado, sobretudo nos ciclos de escolaridade mais elevados, os professores procuram zonas mais urbanizadas, mais próximas do litoral, onde estão as escolas com melhores desempenhos; e, por outro, as famílias seguem no mesmo sentido, ou seja, preferem escolas nas áreas urbanas e escolas mais reputadas, em detrimento das que se encontram em contextos sociais periféricos e mais desfavorecidos. 

“A partir desta constatação, diríamos que estamos perante frágeis culturas de escola – das que conseguem construir uma marca distintiva – e uma forte cultura escolar, comum à maior parte dos agrupamentos selecionados para a amostra, fortemente sustentada e condicionada pelo poder regulatório da administração educativa”. O que permite fazer observações. “Nesta perspetiva, a ideia de autonomia das escolas, assente no desenvolvimento de culturas organizacionais próprias, parece ainda uma quimera, que uma abundante retórica alimenta.” 

“Guetização escolar” 
A origem social dos alunos no desempenho escolar é um assunto descrito na literatura. Os resultados da investigação feita para o Atlas da Educação confirmam essa relação, particularmente no que respeita à variação dos resultados nos exames nacionais. “O poder explicativo das variáveis sociais é elevado, considerando a avaliação realizada para outros países, mas mais de metade da variância fica por explicar, o que afasta uma leitura fatalista dos efeitos de contexto social nos resultados escolares.” 

O percurso escolar das mães tem peso neste capítulo. “O capital escolar familiar (percentagem das mães dos alunos com habilitações de Ensino Superior) revela-se o mais forte preditor dos resultados. O seu poder explicativo é crescente à medida que subimos nos ciclos do Ensino Básico. Regista uma ligeira quebra no Ensino Secundário, o que levanta a hipótese de um processo de seleção crescente durante o Ensino Básico e o próprio Ensino Secundário, reduzindo tanto a heterogeneidade social como os seus efeitos entre os alunos que chegaram a prestar exames neste nível de ensino”, sublinha o relatório. 

As aprendizagens dos estudantes imigrantes são também analisadas. Esses alunos com origem imigrante, com dupla ou outra nacionalidade, estão sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa e no Algarve, e bastante concentrados. Ou seja, 28% desses alunos estão em apenas 5% das escolas, 71% em 25% das escolas, e 90% em 50%. “O efeito negativo sobre os resultados escolares é considerável, mesmo após controlados os efeitos dos outros fatores socioeconómicos, o que denuncia problemas de adaptação linguística, social e cultural destas crianças, frequentemente cumulativos com outros fatores de desvantagem, e a dificuldade do sistema educativo em lidar com esses problemas”, alerta-se. Maus resultados concentrados num número reduzido de escolas podem indicar “guetização escolar e social” desses estudantes. Por isso, qualquer intervenção a este nível deve centrar-se em encontrar respostas e delinear medidas específicas que evitem essa segregação. 

A carência económica familiar tem um impacto negativo nos resultados escolares, sendo mais relevante no Ensino Secundário. A segregação escolar das populações carenciadas é mais notória nos concelhos urbanos com maior número de agrupamentos e escolas. Continua a haver escolas que, apesar dos contextos socialmente desfavoráveis, alcançam bons resultados. “Há escolas que conseguem superar os constrangimentos sociais e acrescentar valor na aprendizagem dos alunos.” Essas escolas estão sobretudo nas periferias das grandes cidades, também no litoral norte, mas encontram-se dispersas um pouco por todo o país. 

A análise conclui que o peso das variáveis organizacionais é mais reduzido do que o das variáveis sociais. A dimensão das turmas tem um efeito residual em todos os ciclos, mas essa conclusão, como sublinham os autores, “não permite, entretanto, concluir que um aumento ou uma redução de alunos por turma possa contribuir para melhorar ou piorar os resultados”.

Informação retirada daqui

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