Os livros, um dos recursos mais comuns nas bibliografias de trabalhos académicos individuais ou de grupo, têm vindo a ser preteridos aos documentos digitais, numa tendência que começa a manifestar-se cedo e chega ao ensino superior.
«Tenho alunos que não colocam um único livro na bibliografia, apenas referem páginas de Internet e, embora as escolas tenham bibliotecas, a verdade é que os alunos que lá entram vão direitinhos ao computador, para navegar», contou Rosário Antunes, professora de Português, à agência Lusa.
Com passagens pela Lousã, Portalegre, Castelo de Paiva e pela Ilha de Porto Santo, trabalha agora na Escola Secundária do Caniçal, na Madeira, estando destacada para o Estabelecimento Vilamar, no Funchal.
Rosário Antunes, de 29 anos, não é crítica das novas tecnologias, o que questiona é a forma como os estudantes as utilizam: «Os alunos recorrem à Internet porque consideram ser mais fácil do que pesquisar nos livros mas, a verdade, é que nem aí sabem seleccionar a informação».
«Uma vez vi um aluno na Net a pesquisar sobre o fenómeno 'tsunami' para a disciplina de Geografia. Qual não foi o meu espanto quando ele imprimiu o trabalho e constatei que o texto falava da marca de computadores 'Tsunami'», contou à Lusa.
«Isto mostra que ele seguiu o primeiro 'link' que lhe apareceu no motor de busca e que copiou o texto tal e qual sem sequer o ler», sublinhou a docente.
O recurso à Net em detrimento dos livros tem lugar logo no 2º ou 3º ciclos de ensino e não será alheio aos fracos hábitos de leitura nos suportes tradicionais.
«Apesar de não gostar muito de ler, ainda consulto livros e Net por igual mas vejo, pelos meus colegas, que isso já não é muito comum. Acho que, daqui para a frente, as pessoas cada vez vão recorrer menos aos livros, pois na Internet é mais rápido encontrarmos o que procuramos», declarou José Paulo Justino, de 12 anos.
«Apesar disto, nos livros os assuntos são tratados com maior profundidade e eu acredito mais no que leio nos livros do que naquilo que vejo na Internet», afirmou este aluno da Escola Básica 2/3 Professor José Buísel, em Portimão.
Um ano mais velha, Ana Rita Inácio, da Escola Básica 2/3 Engenheiro Nuno Mergulhão, também em Portimão, recorre «sobretudo à Internet», para pesquisar para os trabalhos da escola, mas ainda consulta «alguns livros».
«A maioria dos meus colegas vai buscar material quase só à Internet mas penso que os livros têm mais informação e mais correcta. Acho que nunca deixarei de consultar livros, talvez também porque gosto muito de ler, mesmo fora da escola, enquanto os meus colegas preferem a tecnologia», explicou Ana Rita Inácio.
A professora Rosário Antunes acredita que «a cultura livresca está a perder-se, o que está relacionado também com a falta de familiaridade de muitos estudantes com os livros nas suas próprias casas».
«Na minha opinião, nós também somos, em parte, culpados, pois devíamos levar mais livros para a sala de aula, para os mostrar aos alunos e estreitar a sua relação com o objecto, mas que professor tem tempo para leccionar toda a matéria e ainda fazer isso?» - questiona.
Aluna da Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, Beatriz Seves tem obtido melhores resultados com as consultas efectuadas em livros do que no meio digital, o que não a faz ter uma perspectiva mais optimista do futuro dos formatos tradicionais.
«Para um teste de Educação Física, procurei informações sobre lançamento do dardo e do peso na Wikipedia e noutros locais da Net, sem conseguir descobrir os dados necessários», contou à Lusa, acrescentando que «aquilo que necessitava de saber sobre voleibol e basquetebol também não estava 'online'».
Acabaria por recorrer aos livros e não foi preciso uma extensa bibliografia, «pois dois volumes da biblioteca da escola tinham lá tudo», adiantou, regozijando-se com o facto de os colegas que só haviam navegado na Net terem acabado por pedir emprestados os apontamentos que fizera com uma colega também 'bibliófila'.
«Aprendemos mais nos livros, que são melhores para seleccionarmos o que é realmente importante e colocá-lo por palavras nossas, e creio que os professores associam a consulta de livros a um esforço maior da nossa parte mas, no futuro, eles serão cada vez menos usados como fonte de pesquisa», prevê esta estudante de 12 anos.
A conquista de terreno por parte dos meios digitais face aos suportes impressos estende-se ao ensino superior, de acordo com Rogério Santos, docente na licenciatura de Comunicação Social e Cultural e no mestrado de Ciências da Comunicação na Universidade Católica Portuguesa.
Segundo este professor de 58 anos, «os estudantes fazem a pesquisa num motor de busca e seguem as duas primeiras ligações que este indica, não mais do que isso».
«Não há uma preocupação em aferir se aquelas ligações conduzem às melhores páginas sobre a matéria, o que muitas vezes não acontece porque os motores de busca não colocam as páginas por ordem de qualidade», assinalou.
E como os materiais disponíveis na Net não passam «por um filtro de qualidade», estão ali alojadas «muitas primeiras impressões e muita informação sem fundo científico», acrescentou o docente universitário.
«A Wikipédia, por exemplo, é um dos locais mais utilizados pelos alunos - mesmo pelos universitários - como fonte para os trabalhos, apesar de os verbetes serem, geralmente, escritos por pessoas sem créditos nas respectivas áreas», alertou.
As faculdades facultam acesso a bibliotecas digitais como a 'b-on' ou a 'JSTOR', «muito mais fidedignas», mas aí «é preciso pesquisar por palavra-chave, recolher vários documentos e lê-los, ou seja, a selecção equivale ao esforço de consulta numa biblioteca física, e os alunos não têm paciência», considera Rogério Santos.
Por isso, as bibliografias se vão esvaziando de referências válidas e as normas para indicar correctamente um documento consultado vão sendo esquecidas.
«Quando fazem uma 'webliografia' ou 'sitografia', isto é, uma bibliografia de documentos digitais, os alunos colocam o endereço e a data de consulta mas, por norma, não incluem o título do documento, o autor ou o ano», revelou o professor da Universidade Católica Portuguesa.
Para Rosário Antunes, a experiência é mais dramática, já que vai muito mais além do que as falhas em cumprir normas bibliográficas.
«A verdade é que a bibliografia - que muitos alunos até confundem com biografia - tem deixado de fazer parte dos trabalhos, o mesmo acontecendo com o índice. Aliás, já é uma sorte quando os estudantes colocam os números de página», desabafou.
Diário Digital / Lusa
«Tenho alunos que não colocam um único livro na bibliografia, apenas referem páginas de Internet e, embora as escolas tenham bibliotecas, a verdade é que os alunos que lá entram vão direitinhos ao computador, para navegar», contou Rosário Antunes, professora de Português, à agência Lusa.
Com passagens pela Lousã, Portalegre, Castelo de Paiva e pela Ilha de Porto Santo, trabalha agora na Escola Secundária do Caniçal, na Madeira, estando destacada para o Estabelecimento Vilamar, no Funchal.
Rosário Antunes, de 29 anos, não é crítica das novas tecnologias, o que questiona é a forma como os estudantes as utilizam: «Os alunos recorrem à Internet porque consideram ser mais fácil do que pesquisar nos livros mas, a verdade, é que nem aí sabem seleccionar a informação».
«Uma vez vi um aluno na Net a pesquisar sobre o fenómeno 'tsunami' para a disciplina de Geografia. Qual não foi o meu espanto quando ele imprimiu o trabalho e constatei que o texto falava da marca de computadores 'Tsunami'», contou à Lusa.
«Isto mostra que ele seguiu o primeiro 'link' que lhe apareceu no motor de busca e que copiou o texto tal e qual sem sequer o ler», sublinhou a docente.
O recurso à Net em detrimento dos livros tem lugar logo no 2º ou 3º ciclos de ensino e não será alheio aos fracos hábitos de leitura nos suportes tradicionais.
«Apesar de não gostar muito de ler, ainda consulto livros e Net por igual mas vejo, pelos meus colegas, que isso já não é muito comum. Acho que, daqui para a frente, as pessoas cada vez vão recorrer menos aos livros, pois na Internet é mais rápido encontrarmos o que procuramos», declarou José Paulo Justino, de 12 anos.
«Apesar disto, nos livros os assuntos são tratados com maior profundidade e eu acredito mais no que leio nos livros do que naquilo que vejo na Internet», afirmou este aluno da Escola Básica 2/3 Professor José Buísel, em Portimão.
Um ano mais velha, Ana Rita Inácio, da Escola Básica 2/3 Engenheiro Nuno Mergulhão, também em Portimão, recorre «sobretudo à Internet», para pesquisar para os trabalhos da escola, mas ainda consulta «alguns livros».
«A maioria dos meus colegas vai buscar material quase só à Internet mas penso que os livros têm mais informação e mais correcta. Acho que nunca deixarei de consultar livros, talvez também porque gosto muito de ler, mesmo fora da escola, enquanto os meus colegas preferem a tecnologia», explicou Ana Rita Inácio.
A professora Rosário Antunes acredita que «a cultura livresca está a perder-se, o que está relacionado também com a falta de familiaridade de muitos estudantes com os livros nas suas próprias casas».
«Na minha opinião, nós também somos, em parte, culpados, pois devíamos levar mais livros para a sala de aula, para os mostrar aos alunos e estreitar a sua relação com o objecto, mas que professor tem tempo para leccionar toda a matéria e ainda fazer isso?» - questiona.
Aluna da Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, Beatriz Seves tem obtido melhores resultados com as consultas efectuadas em livros do que no meio digital, o que não a faz ter uma perspectiva mais optimista do futuro dos formatos tradicionais.
«Para um teste de Educação Física, procurei informações sobre lançamento do dardo e do peso na Wikipedia e noutros locais da Net, sem conseguir descobrir os dados necessários», contou à Lusa, acrescentando que «aquilo que necessitava de saber sobre voleibol e basquetebol também não estava 'online'».
Acabaria por recorrer aos livros e não foi preciso uma extensa bibliografia, «pois dois volumes da biblioteca da escola tinham lá tudo», adiantou, regozijando-se com o facto de os colegas que só haviam navegado na Net terem acabado por pedir emprestados os apontamentos que fizera com uma colega também 'bibliófila'.
«Aprendemos mais nos livros, que são melhores para seleccionarmos o que é realmente importante e colocá-lo por palavras nossas, e creio que os professores associam a consulta de livros a um esforço maior da nossa parte mas, no futuro, eles serão cada vez menos usados como fonte de pesquisa», prevê esta estudante de 12 anos.
A conquista de terreno por parte dos meios digitais face aos suportes impressos estende-se ao ensino superior, de acordo com Rogério Santos, docente na licenciatura de Comunicação Social e Cultural e no mestrado de Ciências da Comunicação na Universidade Católica Portuguesa.
Segundo este professor de 58 anos, «os estudantes fazem a pesquisa num motor de busca e seguem as duas primeiras ligações que este indica, não mais do que isso».
«Não há uma preocupação em aferir se aquelas ligações conduzem às melhores páginas sobre a matéria, o que muitas vezes não acontece porque os motores de busca não colocam as páginas por ordem de qualidade», assinalou.
E como os materiais disponíveis na Net não passam «por um filtro de qualidade», estão ali alojadas «muitas primeiras impressões e muita informação sem fundo científico», acrescentou o docente universitário.
«A Wikipédia, por exemplo, é um dos locais mais utilizados pelos alunos - mesmo pelos universitários - como fonte para os trabalhos, apesar de os verbetes serem, geralmente, escritos por pessoas sem créditos nas respectivas áreas», alertou.
As faculdades facultam acesso a bibliotecas digitais como a 'b-on' ou a 'JSTOR', «muito mais fidedignas», mas aí «é preciso pesquisar por palavra-chave, recolher vários documentos e lê-los, ou seja, a selecção equivale ao esforço de consulta numa biblioteca física, e os alunos não têm paciência», considera Rogério Santos.
Por isso, as bibliografias se vão esvaziando de referências válidas e as normas para indicar correctamente um documento consultado vão sendo esquecidas.
«Quando fazem uma 'webliografia' ou 'sitografia', isto é, uma bibliografia de documentos digitais, os alunos colocam o endereço e a data de consulta mas, por norma, não incluem o título do documento, o autor ou o ano», revelou o professor da Universidade Católica Portuguesa.
Para Rosário Antunes, a experiência é mais dramática, já que vai muito mais além do que as falhas em cumprir normas bibliográficas.
«A verdade é que a bibliografia - que muitos alunos até confundem com biografia - tem deixado de fazer parte dos trabalhos, o mesmo acontecendo com o índice. Aliás, já é uma sorte quando os estudantes colocam os números de página», desabafou.
Diário Digital / Lusa
Sem comentários:
Enviar um comentário