Bateu à porta e entrou no gabinete, na hora habitual da recepção dos encarregados de educação. Com alguma contenção, mas segura de si, nos seus cabelos brancos e olhos decididos. Cumprimentou-me, pediu para se sentar, olhou uns momentos como se fitasse a parede atrás de mim, e depois disse-me: — Eu não venho aqui para falar de nenhum problema, só queria ver se conseguia perceber algumas coisas. Sou a avó do Márcio e da Palmira do 5º H. A senhora deve saber quem são?!
Eles são meus netos e o encarregado de educação é o pai que nem está cá agora; ele foi para França para a apanha da maçã e volta daqui a três meses, para ver se junta algum para dar um jeito à vida e a mãe, a minha filha, está sempre a trabalhar de dia e não pode vir. Mas eu venho em vez deles e a senhora não se há-de importar, acho eu, porque uma avó é mais do que mãe e pai. E eu venho aqui porque até que gostava de acompanhar um bocadinho mais os meus netos, mas é difícil; eu até sei ler e escrever e não estou fora de tudo mas mesmo assim é muito difícil…Eu queria ver se me podia explicar um pouco melhor as coisas porque a canalha chega lá a casa com uma conversa que eu não entendo nada e depois trazem uns papeis que eu ainda fico mais confusa, misturo alhos com bugalhos, nem sei que lhe diga…
— Mas o quê? Perguntei.
— Ora, uma série de coisas que parecem de outra fala diferente da nossa… de outro planeta…
— Por exemplo…
— Olhe, a senhora veja só, eu já estava cheia de os ouvir falar do têpêcê, têpêcê para aqui, têpêcê para acoli até perceber que eram os deveres. Depois, a falarem das disciplinas ninguém se entende. Eles lá escreveram umas letras nos horários - que eu quis ficar com uma cópia dos horários em casa, para estar sempre sobre o acontecimento – e também não percebi o que era apê, ecê, e eles lá me explicaram que era área de projecto e educação cívica mas eu não sei o que isso é mas pelo menos fiquei a saber o nome.
Para vir aqui falar com a senhora disseram-me que estava no papel que levavam da dêtê e só depois é que percebi que era a directora de turma. O nome da escola também é esquisito, tem o nome de uma pessoa, está bem, mas aquilo do ébê dois três, não se percebe e noutros papéis chamam-lhe agrupamento. E agora ainda por cima dizem que têm mais pessoas aqui na escola porque é um teipe e continuo a não perceber nada. Depois pediram-me para arranjar uns recibos
que era para o sase e eu até sei que é para eles terem ajuda nos livros; mas também não sei o que essa palavra quer dizer.
Às vezes falam de colegas deles que vão à comissão, e depois disseram-me que era a cêpêcêjota; de outros colegas, disseram que são dos nees. Antes de chegar aqui vi uns miúdos a entrar numa porta que dizia SPO e fiquei a pensar o que seria… Mas o pior de tudo nem é isso… é aquela coisa em que agora querem por o meu Márcio, que traz no horário da escola uma hora de tituria; isso da tituria(1)… que eu não acho nada bem, porque sempre fomos uma família muito honesta e só às vezes, quando me zangava com os meus filhos pequenos, que eram levados, há uns anos eu lhes dizia que os metia na tituria. Agora o meu Márcio?! Ele, não acho que mereça, não me parece bem e eu só digo isto:
É tudo uma grande confusão, a escola é muito, mesmo muito difícil!
Eles são meus netos e o encarregado de educação é o pai que nem está cá agora; ele foi para França para a apanha da maçã e volta daqui a três meses, para ver se junta algum para dar um jeito à vida e a mãe, a minha filha, está sempre a trabalhar de dia e não pode vir. Mas eu venho em vez deles e a senhora não se há-de importar, acho eu, porque uma avó é mais do que mãe e pai. E eu venho aqui porque até que gostava de acompanhar um bocadinho mais os meus netos, mas é difícil; eu até sei ler e escrever e não estou fora de tudo mas mesmo assim é muito difícil…Eu queria ver se me podia explicar um pouco melhor as coisas porque a canalha chega lá a casa com uma conversa que eu não entendo nada e depois trazem uns papeis que eu ainda fico mais confusa, misturo alhos com bugalhos, nem sei que lhe diga…
— Mas o quê? Perguntei.
— Ora, uma série de coisas que parecem de outra fala diferente da nossa… de outro planeta…
— Por exemplo…
— Olhe, a senhora veja só, eu já estava cheia de os ouvir falar do têpêcê, têpêcê para aqui, têpêcê para acoli até perceber que eram os deveres. Depois, a falarem das disciplinas ninguém se entende. Eles lá escreveram umas letras nos horários - que eu quis ficar com uma cópia dos horários em casa, para estar sempre sobre o acontecimento – e também não percebi o que era apê, ecê, e eles lá me explicaram que era área de projecto e educação cívica mas eu não sei o que isso é mas pelo menos fiquei a saber o nome.
Para vir aqui falar com a senhora disseram-me que estava no papel que levavam da dêtê e só depois é que percebi que era a directora de turma. O nome da escola também é esquisito, tem o nome de uma pessoa, está bem, mas aquilo do ébê dois três, não se percebe e noutros papéis chamam-lhe agrupamento. E agora ainda por cima dizem que têm mais pessoas aqui na escola porque é um teipe e continuo a não perceber nada. Depois pediram-me para arranjar uns recibos
que era para o sase e eu até sei que é para eles terem ajuda nos livros; mas também não sei o que essa palavra quer dizer.
Às vezes falam de colegas deles que vão à comissão, e depois disseram-me que era a cêpêcêjota; de outros colegas, disseram que são dos nees. Antes de chegar aqui vi uns miúdos a entrar numa porta que dizia SPO e fiquei a pensar o que seria… Mas o pior de tudo nem é isso… é aquela coisa em que agora querem por o meu Márcio, que traz no horário da escola uma hora de tituria; isso da tituria(1)… que eu não acho nada bem, porque sempre fomos uma família muito honesta e só às vezes, quando me zangava com os meus filhos pequenos, que eram levados, há uns anos eu lhes dizia que os metia na tituria. Agora o meu Márcio?! Ele, não acho que mereça, não me parece bem e eu só digo isto:
É tudo uma grande confusão, a escola é muito, mesmo muito difícil!
Angelina Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário