segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Milhares de crianças ainda não têm vaga no pré-escolar

Adelaide, de quatro anos, estava inscrita no jardim-de-infância da Escola da Quinta da Condessa, na Pontinha. Mas há dias ficou a saber que não haverá lugar para ela. "Vai ter que ficar com a avó", conforma-se Horácio Santos, 54 anos, que assim terá que continuar a fazer vários quilómetros por dia para deixar a menina na casa da sogra. Não tem meios para pagar um jardim-de-infância privado. Francisco, também com quatro anos, inscreveu-se na Escola Básica Vasco da Gama, em Lisboa. Ficou em lista de espera. À sua frente estão cem meninos que também não conseguiram vaga, conta o pai, Paulo Leiria, 39 anos, que já inscreveu o filho num colégio.
No ano passado mais de uma em cada dez crianças inscritas (11,8 por cento) num jardim-de-infância público não conseguiu lugar, segundo a Inspecção-Geral de Educação, que analisou uma amostra representativa de escolas. E quase metade (47,6 por cento) das 263.887 que em 2006/07 frequentavam o pré-escolar estavam na rede privada (lucrativa ou de instituições de solidariedade social). O Ministério da Educação não disponibilizou dados mais actualizados.
Tendo em conta as estimativas da população residente em Portugal com idades entre os 3 e os 5 anos (cerca de 336 mil), haveria, em 2006, 72 mil crianças que não estavam em lado nenhum - nem numa escola pública, nem numa particular. A meta do Governo é criar condições para que todos os meninos frequentem um jardim-de-infância.
É certo que muitos pais podem preferir que os filhos fiquem com alguém da família, ou com uma ama. Mas António Castela, presidente da Federação Regional das Associações de Pais de Lisboa, acredita que os 70 mil que estão fora do sistema se concentrarão mais nas zonas do país onde não há oferta. "A maioria das famílias já sabe que pôr os filhos no pré-escolar é importante do ponto de vista das aprendizagens e do sucesso que vão ter quando entrarem no 1.º ciclo."
Contudo, à falta de estabelecimentos públicos, muitas haverá, acredita Castela, que não conseguem suportar uma mensalidade no sector privado, mesmo comparticipada pelo Estado. "O custo de vida aumentou, qualquer despesa a mais é um peso."
O último relatório da IGE recomendava que houvesse um reforço da oferta pública, sobretudo na área metropolitana de Lisboa, Porto e no Algarve. É que aos três anos de idade, por exemplo, uma em cada quatro crianças (22,4 por cento) inscritas num infantário público não teve vaga (à falta de lugar para todos, manda a lei que as crianças de cinco anos tenham prioridade sobre as de quatro e estas sobre as de três).
Muitos pais estão por estes dias a constatar que será isso que se passará com os seus filhos no próximo ano lectivo. Em Lisboa, por exemplo, "o aumento será ainda extremamente reduzido", diz Rosália Vargas, a vereadora de Educação.
No ano passado, havia 3121 crianças a frequentar jardins-de-infância públicos na cidade; mais de mil ficaram à porta. "A oferta do público tem que ser muito maior, os pais devem ter liberdade de escolha. Tanto mais que há muito privado sem condições. Basta andar pela cidade para ver que muitos jardins funcionam em prédios, as crianças estão metidas em apartamentos..."
A câmara tem em curso o programa Escola Nova no âmbito do qual haverá obras em 80 escolas, do pré-escolar e 1.º ciclo, e serão construídas sete novas, todas com jardim-de-infância - o investimento será de 43 milhões de euros até 2011. A primeira escola nova, no entanto, só estará pronta em Junho de 2009; nascerá em Chelas, com 150 novas vagas de pré-escolar.
Em Loulé, no Algarve, outra região considerada problemática, os investimentos em curso vão ter efeito já no próximo ano, com sete novas salas de pré-escolar. "A nossa meta é ter vagas para todas as crianças em 2011", diz o vereador Possolo Viegas.
Em Vila Franca de Xira a rede pública, que no ano passado foi frequentada por 996 alunos, também tem lista de espera: 332 meninos. Mas no próximo ano lectivo abrirão sete novas salas, para 175 crianças. O investimento foi de três milhões de euros e é para continuar.
Há, no entanto, outros problemas por resolver - os horários, por exemplo. José Silva vive em Vila Franca e tem uma filha de cinco anos num jardim-de-infância público. "Fecha às 15h30 e tanto eu como a minha mulher estamos a trabalhar a essa hora. Conto com a avó para a ir buscar. Preferia que não fosse assim, por muito boa vontade que tenha, a minha sogra tem esta tarefa diária..." A alternativa seria colocar a criança num privado. "Aí há outro horário. Mas mesmo com a comparticipação do Estado ia pagar 100 e tal euros..." Para José Silva é de mais. A IGE diz que 16 por cento dos jardins-de-infância públicos ainda não garantem um horário até às 17h30. Em 2005/06, 45 por cento estavam na mesma situação.


Andreia Sanches

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